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Linha Direta

Milhares de universitários protestam por educação pública na Argentina, enquanto Milei celebra ajuste fiscal

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O presidente Javier Milei fez um pronunciamento em rede nacional de televisão para defender a importância do que considerou uma “façanha histórica”: atingir o superávit financeiro, desde o primeiro mês de governo. Mas acadêmicos e alunos das 73 universidades públicas da Argentina fazem nesta terça-feira (23) uma manifestação que pode tornar-se o maior protesto contra Milei até agora.

Estudantes de medicina da Universidade de Buenos Aires (UBA) fazem uma palestra aberta na entrada da universidade para protestar contra as recentes medidas econômicas introduzidas pelo governo do presidente Javier Milei em Buenos Aires, em 17 de abril de 2024.
Estudantes de medicina da Universidade de Buenos Aires (UBA) fazem uma palestra aberta na entrada da universidade para protestar contra as recentes medidas econômicas introduzidas pelo governo do presidente Javier Milei em Buenos Aires, em 17 de abril de 2024. AFP - LUIS ROBAYO
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Antes da maciça manifestação de universitários nesta terça-feira (23), o presidente Javier Milei quis transmitir os benefícios do “esforço heroico” dos argentinos com o ajuste fiscal que “livrou a economia da hiperinflação” e que coloca o país no caminho de “uma nova era de prosperidade”.

“O nosso plano está funcionando”, garantiu o presidente.

Rodeado por sua equipe econômica, Milei anunciou que a Argentina conseguiu um superávit financeiro de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre. O país não conseguia um excedente em suas contas desde 2008.

Esse superávit, conseguido graças a um brutal ajuste fiscal, é “a pedra angular para combater a inflação”, afirmou Milei. O presidente classificou a conquista de “façanha de proporções históricas” ao reverter um déficit fiscal de 5% do PIB e um déficit financeiro de outros 3 pontos.

“É o plano de estabilização através do choque mais ambicioso da História, sem ponto de comparação no mundo ocidental”, disse Milei.

O presidente recordou que todos diziam que “era impossível” chegar ao déficit zero logo no primeiro ano e prometeu que cada centavo que sobrar nas contas do Estado “será devolvido aos argentinos através de reduções de impostos”.

O que Milei não contou é que o superávit só foi possível porque o Estado adiou pagamentos e congelou o orçamento em várias áreas, como a Educação, justamente o que motiva a manifestação desta terça-feira.

Fim do “Estado presente”

O presidente procurou valorizar o esforço social até aqui. Indicou que esses primeiros quatro meses de governo significam “mais da metade do caminho” de ajustes. Prometeu que, pela primeira vez, o esforço vai valer a pena.

A maioria dos economistas afirma que o superávit foi obtido com a diluição, via inflação, de aposentadorias e salários públicos, sem reajuste proporcional. No entanto, Milei indicou que a perda de poder aquisitivo das aposentadorias só representou 0,4% do ajuste e que os restantes 4,6 pontos (dos 5% de déficit) vieram de cortes no gasto público.

Nesse sentido, o presidente avisou que aqueles que esperam um aumento do gasto público podem desistir e, no que parecia ser uma mensagem aos que protestam contra o arrocho, Milei disse que “a era do Estado presente acabou”.

“Quero aproveitar para dizer a todos os que esperam um aumento do gasto público, que isso nunca vai acontecer no nosso governo. A era do suposto ‘Estado presente’ acabou. Foi um fracasso contundente que submergiu 60% da população na pobreza”, descartou.

 

Uma tela mostra o presidente da Argentina, Javier Milei, dirigindo-se às pessoas em rede nacional de TV enquanto as pessoas jantam em um restaurante, em Buenos Aires, Argentina, 22 de abril de 2024.
Uma tela mostra o presidente da Argentina, Javier Milei, dirigindo-se às pessoas em rede nacional de TV enquanto as pessoas jantam em um restaurante, em Buenos Aires, Argentina, 22 de abril de 2024. REUTERS - Agustin Marcarian

 

Manifestação maciça

Durante a tarde desta terça-feira, setores universitários e de pesquisa vão atacar em suas manifestações justamente as consequências desse ajuste fiscal na Educação.

Se o discurso do presidente procurou convencer uma maioria de que o caminho adotado é irreversível, pode ter gerado o efeito contrário nos manifestantes, que agora têm mais incentivos para protestar.

“É difícil não vincular o pronunciamento do presidente com a manifestação universitária que vai questionar o ajuste num ponto delicado como a Educação. Como pode o presidente explicar que esse ajuste tenha sentido para a sociedade?”, questiona o analista político, Luscas Romero, diretor da Synopsis Consultores.

“Este é um governo que governa em hiper minoria, sem apoio no Congresso, sem grandes estruturas, sem governadores, sem prefeitos. Portanto, é um governo que depende basicamente do apoio da opinião pública, do apoio social. Isso requer um diálogo permanente do presidente. Por isso, Milei precisa transmitir a mensagem de que as coisas vão bem”, avalia Romero.

Professores e alunos partem da Universidade de Buenos Aires ao Congresso e logo vão se dirigir à Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo. A manifestação é a favor da educação pública, ameaçada pela falta de orçamento. A “serra elétrica” de Milei cortou as transferências às universidades em torno de 30%.

Nos últimos dias, o governo tentou conter os protestos, com um aumento de 70% nos gastos de funcionamento. Mas, segundo os reitores das 73 universidades públicas do país, o acréscimo não cobre os salários que representam 90% dos gastos.

O Hospital das Clínicas, um centro de saúde universitário, cortou o atendimento em 40% por não ter dinheiro nem para pagar a conta de luz.

Além dos universitários, a manifestação terá a participação dos sindicatos da Confederação Geral do Trabalho (CGT), de organizações sociais e de partidos políticos opositores. Pelo grau de adesão, pode-se tornar o maior protesto contra Milei até agora. Todos acusam o governo de querer desmantelar a educação pública.

Leia tambémMilei em 100 dias de governo: aperto fiscal, maior inflação do mundo, mas ainda com apoio popular

Incentivo da política

O governo interpreta que essa participação de diversos atores da oposição torna o protesto político-partidário.

“A manifestação é incentivada pela política”, afirmou o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, questionando o silêncio de reitores e políticos quando, no ano passado, o orçamento das universidades ficou congelado, apesar da inflação de 211,4% em 2023.

“Nós apoiamos a Educação pública, laica e gratuita, mas não vamos deixar passar a hipocrisia daqueles que querem manter seus privilégios”, advertiu.

“A oposição ao governo se aproveita de uma bandeira sensível aos argentinos, como a educação pública, um valor acima de qualquer discussão, assim como a saúde pública”, diz o analista político, Jorge Giacobbe.

“Quanto à sociedade, as pessoas que gostam de Milei porque ainda têm esperanças, criticam a manifestação. Os que estão contra Milei não querem saber do que se trata a manifestação. Simplesmente, estão a favor do que for contra o governo”, interpreta o especialista em opinião pública.

O governo quer auditar as contas das universidades por acreditar que os recursos estejam sendo mal utilizados ou usados em negócios paralelos.

Em nota, centenas de professores de prestigiosas universidades privadas aderiram à manifestação, pedindo que o governo atenda às necessidades de financiamento da educação pública e que pare com o que chamaram de “uma campanha de desprestígio” por parte do governo contra a gestão pública das universidades.

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