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Linha Direta

Com apenas 44 dias de governo, Milei enfrenta a primeira greve geral mas recebe apoio de empresários

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O presidente argentino, Javier Milei, enfrenta nesta quarta-feira (24) a sua primeira greve geral, embora só esteja no governo há um mês e meio. A greve será por apenas 12 horas, a partir do meio-dia e deve afetar pouco os transportes públicos. Pela primeira vez, pequenos e médios empresários defendem publicamente a desregulação das relações de trabalho.

Imagem de ilustração mostra panelaço contra Javier Milei em 10 de janeiro de 2024, em Buenos Aires.
Imagem de ilustração mostra panelaço contra Javier Milei em 10 de janeiro de 2024, em Buenos Aires. REUTERS - MATIAS BAGLIETTO
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O apoio popular a Milei se mantém desde a eleição, mas as opiniões estão divididas quanto às reformas que serão debatidas no plenário da Câmara nesta quinta-feira (25).

A greve geral na Argentina nesta quarta-feira inclui uma grande manifestação dos sindicatos, além de duas particularidades incomuns na Argentina: só começa ao meio-dia e terá transporte público até as 19 horas.

Os dois únicos transportes que vão parar a partir do meio-dia são o de carga e o aéreo. Todos os voos durante as 12 horas de greve serão reprogramados, afetando milhares de passageiros.

Uma greve por apenas 12 horas, sem transporte público por apenas cinco horas, depois do horário comercial tende a ter menor adesão, mas foi a própria Confederação Geral do Trabalho (CGT), a maior central sindical do país, que determinou o funcionamento dos transportes públicos para que os manifestantes pudessem ir e voltar ao ato em frente ao Congresso, onde se espera uma forte manifestação. No dia seguinte, o plenário da Câmara de Deputados tratará o pacote de leis do governo Milei.

“A greve é um direito inquestionável dos sindicatos e dos trabalhadores, mas isso não significa que seja útil. Na verdade, mais do que inútil, a greve é mesmo ridícula porque as duas câmaras do Congresso estão numa discussão aberta com a sociedade civil sobre o conteúdo das medidas. É uma decisão extrema antes da hora”, indica à RFI o empresário Gustavo Lazzari, um dos mais ativos a favor da reforma trabalhista proposta nas medidas do governo.

Greve recorde

Os principais sindicatos da Argentina querem a revogação de um decreto que impõe uma reforma trabalhista e querem a rejeição de um pacote de leis no Parlamento que também desregula as relações de trabalho.

Para a CGT, essas duas iniciativas do governo afetam as conquistas dos trabalhadores, disfarçadas de instrumentos para promover o emprego.

A partir do meio-dia, representantes dos sindicatos reúnem-se no centro de Buenos Aires e vão em direção ao Congresso para um ato central por volta das 15 horas. Essa concentração pretende levar 200 mil pessoas a pressionar os legisladores a rejeitar a reforma.

Essa manifestação terá o apoio de partidos de esquerda, de organizações sociais e do “kirchnerismo”, a ala mais radical do peronismo, que responde à ex-presidente Cristina Kirchner. Esses setores votarão contra o pacote de leis.

O movimento sindical argentino é declaradamente ligado ao peronismo. Prova disso é que a última greve geral na Argentina foi em 29 de maio de 2019, durante o governo do ex-presidente Mauricio Macri, um opositor ao peronismo. No total, Macri sofreu cinco greves gerais.

Durante os quatro últimos anos do peronista Alberto Fernández, não houve nenhuma greve, apesar da forte perda de poder aquisitivo gerado por uma inflação acumulada de 930% em quatro anos.

Com apenas 44 dias de governo, Javier Milei entra para história da Argentina como o presidente que mais rápido sofreu uma greve geral.

Rejeição sindical

O decreto do presidente Javier Milei, do dia 20 de dezembro, tem 366 artigos com um capítulo trabalhista que, neste momento, está suspenso por uma liminar. Já o pacote de leis, do dia 29 de dezembro, tem 532 artigos.

Os textos, tanto do decreto quanto do pacote de leis, incluem alternativas à indenização de um trabalhador despedido e limitam o direito de greve nos setores da Saúde e da Educação por serem serviços essenciais.

Também eliminam multas aos empregadores por falta ou por deficiência no registro dos empregados. Esse ponto é um dos mais importantes porque gera a indústria do processo trabalhista contra as empresas.

Para os empresários, a resolução desse ponto permitirá contratar mais pessoal sem medo de um processo. Para os sindicalistas, esse ponto diminui o montante de indenização a um trabalhador.

Porém, o que mais afeta os sindicatos e o que deflagrou a greve são duas medidas que esvaziam os cofres dos sindicatos.

Assim como no Brasil, uma medida torna voluntária a atual taxa obrigatória na folha de pagamento salarial de todos os trabalhadores. Outra medida é a liberdade que os trabalhadores passam a ter para escolherem planos de saúde.

Na Argentina, além da saúde pública e da medicina privada, existem planos de saúde dos sindicatos para os quais todos os trabalhadores são obrigatoriamente descontados. A partir de agora, vão poder escolher se querem um plano de outro sindicato ou se querem um plano de saúde privado.

“Para mim, essa é uma greve de cúpula e não de trabalhadores porque os dois argumentos principais afetam apenas a cúpula sindical”, observa Lazzari.

“Não vejo os sindicalistas preocupados com a situação dos trabalhadores. Os sindicalistas veem que, com o governo Milei, podem perder muitos privilégios históricos. Não são privilégios dos trabalhadores, mas da corporação sindical”, concorda o analista político Joaquín Morales Solá.

Servidores serão descontados

Para o governo, a postura dos sindicatos reforça a certeza de que são os sindicalistas -e não os trabalhadores- os que estão perdendo privilégios.

Em referência aos sindicalistas, o presidente Javier Milei disse que “uma parte do país quer continuar no passado e na decadência”.

Nos últimos 12 anos, foram criados 3,5 milhões de novos postos de trabalho na Argentina, mas apenas 7% disso no setor privado. Do restante, 25% foram no setor público, 34% precariamente independentes e 33% informais.

O setor privado tem apenas 6 milhões de empregos registrados, quando deveria ter o dobro.

O governo avisou que o direito à greve está garantido, mas que o servidor que não trabalhar, será descontado.

Empresários protestam contra a greve

A grande novidade dessa greve é um inédito papel ativo dos empresários contra a paralisação e a favor da reforma trabalhista.

Um grupo denominado “Comitê PEP” (Pequenos, Empreendedores e Produtores) reúne cerca de quatro mil pequenas e médias empresas com o objetivo de defender as iniciativas do governo perante legisladores e juízes.

“Esse comitê é uma novidade porque vimos que a reforma é realmente muito boa para gerar emprego e sentimos que era necessário defendê-la. Criamos, então, um comitê de empresas para irmos diretamente explicar a cada legislador e aos juízes como a reforma é melhor para gerar emprego. Inclusive contribuímos com algumas questões, sobretudo no aspecto fiscal. Não somos um grupo pró-Milei. Nem todos votaram nele. Para nós, o importante é que a reforma permita a contratação e que não castigue as empresas”, explica à RFI Gustavo Lazzari, do ramo alimentício e um dos fundadores do Comitê PEP.

O grupo não só convocou os comerciantes e empresários a abrirem os seus estabelecimentos e os funcionários a trabalharem normalmente, como pediu que os empresários ponham bandeiras argentinas nas janelas das suas companhias e que todos trabalhem com a camisa da seleção argentina.

Alguns empresários também convocaram um panelaço contra a greve às 13 horas, mas essa iniciativa divide opiniões e tende a não ser expressiva. Quem estiver em casa, também deve pendurar uma bandeira argentina na janela.

País dividido

Javier Milei foi eleito com 55,7% dos votos. Quem votou nele, continua vendo em Milei um vetor da transformação. Com maior ou menor ênfase, esse apoio popular se mantém.

“Vou estranhar se esta greve tiver muita adesão porque não há clima para uma paralisação nem de manifestação. As pessoas votaram numa mudança. O governo ainda tem esse crédito. As pessoas esperam ver como as coisas avançarão antes de começarem a protestar”, acredita Lazzari.

A consultora CB aponta o apoio a Milei em 55,9%, praticamente o mesmo com o qual foi eleito.

A consultora Opinaia vê 51% de aprovação a Milei. O apoio ao pacote de leis também tem 51%, mas o decreto tem menos: 48%.

A Universidade argentina de San Andrés aponta a uma sociedade dividida com 48% de apoio a Milei e 48%, contra. Os restantes 4% não têm opinião formada. Quanto ao pacote de leis do governo, com reformas do Estado, 38% apoiam, enquanto 40% rejeitam, revela o estudo.

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