Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Home office de Lula servirá para reflexão sobre relação com movimentos sociais, diz grupo que defende mulher negra no STF

Publicado em:

O presidente brasileiro será submetido a uma cirurgia nesta sexta-feira (29), na unidade do Hospital Sírio Libanês em Brasília, para tratar uma artrose. A operação, considerada simples pelos médicos que acompanham Lula, não deve suspender a agenda de negociações políticas.

O presidente Lula durante a cerimônia de posse do ministro Luís Roberto Barroso (esquerda) à presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Brasília, 28/09/2023.
O presidente Lula durante a cerimônia de posse do ministro Luís Roberto Barroso (esquerda) à presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Brasília, 28/09/2023. © Valter Campanato/Agência Brasil
Publicidade

Raquel Miúra, correspondente da RFI em Brasília

O desgaste nas articulações, com perda de cartilagem, foi identificado já há alguns anos. Mas no ano passado, no meio da campanha eleitoral, Lula começou a sentir dores mais fortes no lado direito do quadril. Os médicos então o orientaram a passar pela cirurgia, mas o presidente vinha adiando a marcação. Nos últimos meses o problema se agravou.

Lula vai receber anestesia geral e ficará inconsciente por algumas horas. Na chamada artroplastia do quadril, a parte danificada, como o osso, é substituída por uma prótese. O procedimento, no entanto, é considerado de baixo risco e não haverá transmissão do cargo presidencial para o vice Geraldo Alckmin.

A previsão é de que Lula permaneça no hospital até o início da semana que vem. Depois, durante a recuperação, ele vai despachar do Palácio da Alvorada, residência oficial da presidência da República, por três semanas.

O presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia, Sérgio Piedade, explicou à RFI como ocorre a recuperação de um paciente submetido ao procedimento para corririgir a artroplastia do quadril. Segundo ele, a reabilitação fisioterápica tem início no pós-operatório de imediato, quando o paciente irá caminhar com auxílio de andador a partir do dia seguinte e realizar progressivamente treinos de marcha até adquirir autonomia.

"Desta forma, os avanços tecnológicos no desenvolvimento das próteses articulares têm acelerado a reabilitação fisioterápica, e a recuperação de pacientes com osteoartrose avançada, seja do joelho ou quadril, oferecem melhor qualidade de vida para realizar suas atividades diárias e físicas", reitera Piedade.

Dias antes da internação, Lula causou polêmica ao dizer que não seria fotografado de muleta nem andador, sugerindo que a condição lhe deixaria com a imagem negativa. A declaração provocou reações de pessoas com deficiência.

Indicação para a Procuradoria-Geral da República e STF

O home office do presidente tem gerado comentários no meio político: de colocações sexistas receosas sobre uma suposta interferência da primeira-dama Janja no governo até apelos para que Lula tenha por momentos de reflexão interna, especialmente sobre decisões importantes que terá de tomar, como a indicação para a Procuradoria-Geral da República e, ainda mais, para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Na internet tem crescido a pressão de movimentos sociais insatisfeitos com os nomes apontados como os mais fortes nessa briga. Todos homens e não pretos, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, e o advogado-geral da União, Jorge Messias.

"O mais preocupante para nós é essa falta de oportunidade de diálogo. Por exemplo, no caso de indicados para a Procuradoria-Geral da República, muitos dos que estão sendo sugeridos não são conhecidos do presidente. Ele então marca o café, marca o jantar, vai e escuta. E no caso da reivindicação feita por organizações negras, com histórico de luta absolutamente legítima, ele nem sequer aceitou o convite para dialogar com essas mulheres, nem sequer abriu espaço para ouvir lideranças dos movimentos negros que estão trabalhando nessa campanha. E nós também temos apoios importantes, como o das ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e o do ministro Roberto Barroso”, afirmou Tainah Pereira, coordenadora política do Movimento Mulheres Negras Decidem, que elaborou uma lista com sugestões de mulheres negras juristas, com extenso currículo e ampla experiência.

Pereira disse que não imaginava enfrentar tamanha dificuldade para falar com um presidente que se ancorou em movimentos sociais durante a campanha e que tem um discurso favorável à redução das desigualdades de gênero e raça. Ela afirmou também que rejeitar uma mulher negra para o STF e depois tentar remediar a situação com indicações para outras instâncias jurídicas ou algum cargo na esplanada não resolverá o impasse do governo Lula com essa parcela de seu eleitorado.

"Não contempla, não é suficiente. Em tribunais inferiores ou ministério, é pouco porque o tempo que essas mulheres vão estar nesses espaços é curto se comparado ao tempo do STF. E as pautas do STF têm repercussão mais abrangente e passam por questões cruciais do direito das minorias, das mulheres, das mulheres negras. E tem o senso de oportunidade. Lula é o presidente, não sabemos ainda se vencerá uma possível reeleição. Não sabemos como serão as forças em 2028, quando abrirá a nova vaga para o STF. Então uma indicação feita agora por um presidente que é de esquerda, que é progressista seria fundamental."

O escolhido de Lula para a vaga de Ricardo Lewandowski passou longe do perfil defendido pelo coletivo de mulheres negras, já que o presidente optou por seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, afastando de vez a oportunidade de deixar como marca de seu terceiro mandato a renovação nos quadros da Supremo Corte.

Relações tensas

A pressão dos movimentos sociais cresce num momento em que o governo parece depender cada vez mais dos partidos que até ano passado estiveram na base de Jair Bolsonaro. O analista político Cláudio Couto, professor da PUC/SP, disse à RFI que o país tem hoje o Congresso mais conservador desde a redemocratização. E os partidos do centrão, como Progressistas, PL, PSD, Republicanos, além da ânsia por cargos e emendas, hoje também esão atrelados à pauta de costume, o que torna o terreno ainda mais árido na relação entre Executivo e Legislativo.

“Essa relação mais complicada se deve ao fato de o Congresso estar mais empoderado, tem muito mais protagonismo, com mais força, por exemplo, na questão orçamentária. Além disso, nós temos um legislativo muito conservador, onde as forças do centrão não apenas aderem aos governos. Há toda essa ideologização. Lula então tem mais dificuldade de formar uma base”, avalia Couto.

O cientista político também acredita que neste terceiro mandato Lula esteja sem conselheiros mais experientes ao seu lado. "Acho que falta. Não sei se para resolver exatamente esse tipo de problema, que é a relação com o Congresso, mas acho que muito mais para aconselhar o presidente, por exemplo, a não falar tanta besteira, para aconselhar o presidente a não ser tão voluntarista como ele tem sido em algumas situações”, ressalta Couto.

“Você tinha o Gilberto Carvalho, que claramente tinha liberdade para falar esse tipo de coisa ao presidente. Já houve Gushiken, Genoíno, Dulce, petistas mais antigos de longa jornada com Lula. Hoje a gente não vê ninguém. Falam na Janja, mas não sei se ela exerce esse papel. Talvez o Haddad em alguma medida, mas com influência limitada. Então o Lula está mais velho, tendo ao seu redor pessoas mais novas, com quem ele não tem tanta identidade e que dão opinião que ele não leva muito em consideração”, observa Couto.

Marco temporal

Mostra clara desse embate, e não só entre Executivo e Legislativo, mas também com o Judiciário no meio, é o marco temporal das demarcações de terras indígenas. O STF afastou o marco temporal, numa vitória dos povos originários, mas os parlamentares aprovaram um projeto de lei no sentido contrário. Mesmo sem poderes para alterar a decisão da Supremo Tribunal, a votação atende à bancada ruralista e visa se posicionar de forma clara nesse cabo de guerra. Já há quem defenda no Senado uma emenda à Constituição reunindo os direitos indígenas, a fim de limitá-los.

Ontem na posse de Roberto Barroso como presidente do STF, além de Lula, estavam os presidentes da Câmara e do Senado. "Contrariar interesses e visões de mundo é parte inerente do nosso papel. Nós sempre estaremos expostos à crítica e à insatisfação, e isso faz parte da vida democrática. Por isso mesmo a virtude de um tribunal jamais poderá ser medida em pesquisa de opinião. Numa democracia, não há poderes hegemônicos. Garantindo a independência de de cada um, presidente Arthur Lira, presidente Rodrigo Pacheco, conviveremos em harmonia, parceiros institucionais que somos pelo bem do Brasil”, afirmou Barroso.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.