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Linha Direta

Governo Petro, o primeiro de esquerda da Colômbia, completa um ano com reformas ameaçadas

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O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, completa o seu primeiro ano de mandato com escassos avanços na agenda de reformas sociais que pretende alterar o tradicional modelo neoliberal do país. Os próximos três anos podem estar condicionados pelas investigações em torno do financiamento ilegal da campanha eleitoral, que ameaça a legitimidade do governo.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro completa um ano à frente do país com um futuro incerto.
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro completa um ano à frente do país com um futuro incerto. AFP - BRENDAN SMIALOWSKI
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Há um ano, começava sob uma forte expectativa de mudanças políticas o primeiro governo de esquerda da história da Colômbia. Porém, um ano depois, pouca coisa mudou e o futuro pode ser incerto.

“O governo do presidente Gustavo Petro abre muitas frentes de mudança, mas, no final deste primeiro ano, são realmente poucas as conquistas”, resume a cientista política Silvia Otero, da Universidade do Rosario, em Bogotá, em entrevista à RFI. Segundo o Centro de Estudos de Direito, Justiça e Sociedade, dos 70 assuntos sobre os quais se esperavam ações concretas, 66% não tiveram avanços.

“E o que vem pela frente tende a ser ainda mais difícil devido aos últimos eventos que envolvem o filho do presidente e que vão limitar a capacidade de o governo avançar nas reformas”, prevê o economista Jorge Restrepo, da Universidade Javeriana de Bogotá.

O governo não teve um mau desempenho econômico nem aconteceu a catástrofe de fuga de capitais que muitos temiam. Mas o escândalo de financiamento ilegal de campanha, de lavagem de dinheiro e de enriquecimento ilícito do próprio filho do presidente faz os colombianos se decepcionarem com o governo.

Petro começou seu governo com 56% de apoio popular, mas a mais recente pesquisa da consultora Invamer sobre a popularidade do presidente indica que o jogo se inverteu: 61% dos colombianos reprovam o governo Petro e apenas 33% ainda o aprovam. A sondagem reflete uma sensação de que a governabilidade na Colômbia tornou-se frágil e de que o avanço das investigações vai determinar a legitimidade do presidente.

Conquistas

O governo começou com o pé no acelerador. Petro conseguiu construir uma maioria no Congresso, somando partidos tradicionais. Assim, chegou a primeira grande conquista: uma reforma tributária que aumenta em quase 2% do PIB a pressão fiscal sobre as grandes fortunas e sobre as empresas, especialmente sobre as petrolíferas.

Esse aumento na arrecadação é o ponto de partida para aumentar os beneficiários de planos de assistência social e para financiar outras reformas que ampliem os direitos, visando a redução da pobreza.

O governo também conseguiu um acordo com os principais latifundiários colombianos para a venda progressiva de três milhões de hectares com os quais pretende começar uma reforma agrária. Outra mudança foi a reabertura da fronteira com a vizinha Venezuela, depois de três anos fechada.

“Paz total”

Também houve avanços na promessa de atingir a chamada “paz total” num país atravessado pelas guerrilhas, pelo crime organizado e pelas organizações paramilitares.

Em 2016, a Colômbia chegou a um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, mas restaram dissidentes. Além disso, a guerrilha do Exército de Libertação Nacional (ELN) continuou ativa.

“A Colômbia tem muitos problemas de violência. Sem processos de paz com todos os grupos violentos, nunca haverá paz. Gustavo Petro decidiu negociar com todos. É uma ambiciosa bandeira política”, indica Silvia Otero.

O presidente, um ex-guerrilheiro, retomou o diálogo com o Exército de Libertação Nacional e conseguiu um cessar-fogo vigente desde quinta-feira (3) pelos próximos 180 dias, período durante o qual pretende negociar a paz definitiva.

O presidente cubano Miguel Diaz Canel (centro) aplaude o presidente colombiano Gustavo Petro (esquerda) e o comandante Antônio Garcia, do Exército de Libertação Nacional apertam as mãos para selar um acordo de cessar-fogo temporário, em Havana, Cuba, em 9 de junho de 2023.
O presidente cubano Miguel Diaz Canel (centro) aplaude o presidente colombiano Gustavo Petro (esquerda) e o comandante Antônio Garcia, do Exército de Libertação Nacional apertam as mãos para selar um acordo de cessar-fogo temporário, em Havana, Cuba, em 9 de junho de 2023. AP - Ramon Espinosa

“Esse é um resultado concreto e bastante rápido. É a mais importante conquista até agora porque inverteu a ordem das negociações na Colômbia. As negociações sempre visavam concluir com um cessar-fogo definitivo, com a entrega das armas e com a reincorporação dos guerrilheiros à vida civil. Neste caso, a ordem foi invertida: o cessar-fogo abre um espaço de diálogo sem a pressão da confrontação armada durante as negociações. É a primeira vez que o ELN aceita um cessar-fogo bilateral com o Estado colombiano”, ressalta Jorge Restrepo, também diretor do Centro de Recursos para a Análise de Conflitos (CERAC).

Os números de massacres e de vítimas não recuaram, mas também não aumentaram. Faltam ainda outros grupos criminosos com os quais não houve avanços.

Para Jorge Restrepo, que é especialista no assunto, a perda de capital político do presidente pode ser um elemento complicador nas negociações de paz. “A pergunta é se o ELN vai negociar com um governo que não poderá aplicar o que for negociado. Com um presidente enfraquecido, os guerrilheiros ficam sem garantias de que aquilo que negociarem com o governo será depois posto em prática. O presidente pediu ao ELN que apoie este governo. Quem pode imaginar que um presidente da República, representante do Estado contra o qual a guerrilha faz uma guerra, peça para os guerrilheiros que apoiem este governo”, questiona Restrepo.

Derrotas

O primeiro fracasso do governo Petro foi o projeto de lei que visava reformar o sistema político. Também foi rejeitada a iniciativa que pretendia legalizar a produção e a comercialização da maconha.

Mas a maior de todas as derrotas foi um erro estratégico de Petro ao não conseguir avançar com a reforma do sistema de Saúde. No final de abril, rompeu com a sua base de sustentação no Congresso, perdendo a maioria que lhe permitiria a agenda reformista. Os partidos tradicionais abandonaram a coligação. O presidente demitiu 11 dos seus então 18 ministros de governo, incluindo as pastas da Fazenda, da Saúde, da Agricultura, do Interior e da Casa Civil.

“O governo quer avançar rápido com as reformas, mas termina gerando tensão e uma ruptura que sacrifica a possibilidade de aprovar o resto do pacote reformista. Esse será o grande obstáculo”, observa Silvia Otero.

O presidente tem uma grande dificuldade de administrar o seu próprio temperamento. Ele destruiu a sua coalizão de governo e não conseguiu formar uma nova maioria no Congresso. As mudanças ministeriais aconteceram depois de poucos meses de governo. Só no Ministério da Educação e no de Minas e Energia houve três mudanças de vice-ministros”, aponta Jorge Restrepo. Ao perder a sua coalizão de governo, as reformas estruturantes como a trabalhista, a previdenciária e a de saúde ficaram emperradas.

Para Silvia Otero, as reformas dificilmente passarão pelo Congresso depois do escândalo que pode comprometer a legitimidade do presidente. “Já era difícil sem este escândalo. A partir de agora, os partidos no Congresso vão manter distância dos governistas e o Congresso estará ocupado com um possível processo de destituição. A situação ficou ainda mais complicada. Foi um erro estratégico do governo perder a maioria parlamentar”, considera a cientista política.

Além da Justiça, o próprio Congresso vai investigar o presidente. “O futuro do governo está comprometido. As repercussões políticas do escândalo vão limitar a capacidade de o governo avançar com as reformas”, completa Jorge Restrepo. 

Financiamento ilegal

Nicolás Petro, o mais velho dos seis filhos do presidente e um político ascendente, foi indiciado pela Procuradoria por lavagem de dinheiro e por enriquecimento ilícito. Ele foi preso no dia 29 de julho, mas solto depois de ter aceitado colaborar com a Justiça.

A ex-mulher de Nicolás denunciou que tinha recebido dinheiro ilegal para a campanha. Parte desse dinheiro foi usada pelo filho para aumentar o seu patrimônio.

Nicolás Petro foi indiciado por lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito.
Nicolás Petro foi indiciado por lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. © Consejo Superior de la Judicatura / AFP

Nicolás Petro garante que o dinheiro ilegal chegou à campanha, mas sem que o seu pai soubesse. Ao colaborar com a Justiça, ele admitiu que parte do financiamento de fontes proibidas vinha do tráfico de drogas e do contrabando, mas reforçou que o pai não sabia de nada.

Meses atrás, o ex-embaixador da Colômbia na Venezuela, Armando Benedetti, foi gravado numa conversa telefônica na qual mencionava montantes de financiamento de campanha acima do legalmente permitido.

Governabilidade

O presidente Gustavo Petro disse ser vítima de uma “perseguição” política e que não vai renunciar. “Este governo só vai acabar pelo mandato popular, por mais ninguém. Ninguém pode acabar com este governo, a não ser o próprio povo”, afirmou o presidente.

“Esse discurso revela o quanto Petro reconhece a sua vulnerabilidade. De acordo com a lei, se um candidato se beneficia do financiamento ilegal, por mais que não saiba, é responsável pelo delito. A lei diz que, se Petro recebeu dinheiro ilegal de campanha, é responsável”, explica Restrepo.

Para o analista, o risco de o governo Petro acabar existe. “Por falta de governabilidade, por renúncia ou por destituição, o risco existe em algum grau de probabilidade. Obviamente que vai depender da quantidade e da qualidade das provas. Mas, sejam as acusações verdadeiras ou não, virão processos judiciais longos e isso vai desgastar o capital político do presidente”, aponta Jorge Restrepo.

Mas para a analista Silvia Otero, existe na Colômbia uma cultura de impunidade que pode salvar o presidente. “O risco de perda do mandato existe, mas ainda é pequeno. A Colômbia tem uma tradição de profunda impunidade nas mais altas instâncias do poder e isso termina sendo uma garantia de governabilidade”, acredita.

“Foi assim com o ex-presidente Juan Manuel Santos (2010-2018) no caso Odebrecht. Foi assim com o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) em matéria de direitos humanos. Deve ser assim com Petro se essa regra valer também para a esquerda”, sentencia.

No dia 29 de outubro, os colombianos vão às urnas para eleger governadores, prefeitos e legisladores estaduais. Ficará claro quanto a população ainda confia no governo Gustavo Petro.

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