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Linha Direta

"Julgamento de Bolsonaro é teste para instituições brasileiras", diz especialista

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O TSE inicia nesta quinta-feira (22) a análise de um dos processos contra Jair Bolsonaro, que pode deixá-lo inelegível por oito anos. Juristas ouvidos pela RFI acreditam que o ex-presidente será punido não só pela acusação em si, mas pelos constantes ataques à democracia.

Bolsonaro enfrenta julgamento que pode torná-lo inelegível por 8 anos.
Bolsonaro enfrenta julgamento que pode torná-lo inelegível por 8 anos. AP - Eraldo Peres
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Os ministros da corte eleitoral vão avaliar se Bolsonaro cometeu abuso de poder político e uso ilegal dos meios de comunicação oficiais do governo, quando reuniu embaixadores e diplomatas estrangeiros, em julho do ano passado, no Palácio do Planalto, para expôr o discurso batido e desmentido contra o sistema eleitoral brasileiro.

Como Bolsonaro perdeu a reeleição, não lhe cabe a perda do cargo como punição, mas ele pode ficar inelegível por oito anos, o que influencia a disputa por seu legado mais à direita. Mas o julgamento traz mais que isso: ele põe em xeque o próprio sistema eleitoral, duramente atacado por bolsonaristas nos últimos anos.

“Esse julgamento é como um teste para as instituições brasileiras. Se isso que o ex-presidente Bolsonaro fez não resultar numa condenação e, portanto na inelegibilidade, as instituições darão um atestado de não funcionalidade”, afirmou à RFI Lenio Streck, pós-doutor em Direito e sócio do Streck e Trindade Advogados Associados.

“A prova já está feita. A reunião com embaixadores envolve o cargo do presidente da República, a desconfiança das instituições, uma espécie de traição ao próprio Brasil ao chamar as delegações estrangeiras. Portanto, não está se discutindo se um fato ocorreu, está se discutindo que nome será dado ao fato”, disse Streck.

Pesa contra Bolsonaro não apenas a tentativa pueril de ancorar a sobrevida presidencial a representantes estrangeiros, mas todo um repertório de ataques a instituições e autoridades, entoado de maneira reiterada aos quatro cantos.  Antônio Ribeiro Júnior, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), considera que o provável é que o TSE puna o ex-presidente.

“Provavelmente resultará na inelegibilidade. A tendência é de que a ação seja provida, que Bolsonaro fique inelegível por oito anos em razão dos ataques que proferiu enquanto presidente da República contra as instituições democráticas, principalmente a integridade do sistema eleitoral, da urna eletrônica. Se isso ocorrer, será um marco, jamais tido na nossa democracia.”

Golpe de Estado

Alguns integrantes do TSE sinalizaram que podem considerar nesse processo elementos que vieram posteriormente à apresentação da ação pelo PDT, como material apreendido em diligências da Polícia Federal.

“Em razão da natureza da ação, o ministro Benedito Gonçalves, relator, tem entendido que aquela reunião com embaixadores se tratou de um fato consequencial, ou seja, já havia uma tentativa ou indícios de um plano de ruptura institucional. Por isso ele está considerando outros fatos até posteriores, como, por exemplo, a minuta elaborada para um suposto golpe de Estado no Brasil”, disse Ribeiro Júnior, em referência ao documento encontrado na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, que foi alvo de operação pelos atentados do dia 8 de janeiro contra prédios públicos, quando era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

Se essa minuta de fato for incluída como uma das provas contra o ex-presidente, o TSE apontará para uma direção diferente daquela tomada em 2017, quando, por 4x3, assegurou a permanência de Michel Temer na presidência da República ao refutar provas obtidas já com a ação em curso, num processo que acusava a chapa Dilma/Temer de abuso de poder político e econômico. Esse é um dos pontos que têm gerado debate e expectativa no meio jurídico, já que muitos políticos têm consigo se livrar de ações com base nessa interpretação.

“Se o TSE decidir de outro jeito, será uma nova interpretação e é importante estabelecer limites, porque o processo precisa ter início, meio e fim. Essa é uma preocupação no meio jurídico, apesar de estarmos falando de um caso sui generis, um caso com repercussões diferentes, com contextos distintos”, disse o representante da Abradep.

Bolsonaro responde a outros 16 processos que podem-lhe impor a inelegibilidade, entre eles o que contesta benefícios sociais pagos a taxistas e caminhoneiros às vésperas da eleição e o da operação da Polícia Rodoviária no Nordeste no dia do pleito, que prejudicou a votação de eleitores.

Novo marco

Vem daí outra oportunidade que a justiça eleitoral tem de modernizar o olhar sobre acusações que envolvem o principal cargo político do país. A avaliação de especialistas é de que o TSE e mesmo os tribunais regionais eleitorais têm sido mais firmes no julgamento de prefeitos, mas não seguem o mesmo rigor para cargos mais altos.

“É necessário que a Justiça Eleitoral estabeleça esse novo marco, ciente de uma nova realidade, com a evolução na globalização e mídias digitais. Talvez essa ação contra o ex-presidente Bolsonaro tenha chegado agora pela inércia do TSE em julgar temas relevantes em ações contra presidentes em momentos anteriores. É preciso impedir que esses atos, como dar benefícios econômicos a certas categorias nas vésperas do pleito, continuem se repetindo”, defendeu Antônio Ribeiro Júnior.

O advogado Lenio Streck acha que além da questão eleitoral há um conjunto de denúncias que urgem resposta das instituições.“É positivo quando se vê que 1.258 pessoas respondem pela tentativa de golpe do dia 8 de janeiro, em processos que estão num ritmo adequado, mas, por outro lado, ainda há muito débito, como a falta de oxigênio em Manaus, a questão das joias, da Caixa Econômica, da Polícia Rodoviária. Questões que ainda estão na coluna de débito e que as instituições têm de responder”.

A quantidade de processos no TSE e também no STF contra Bolsonaro e seus apoiadores tem esfriado a defesa do presidente por parte dos aliados. A multa milionária aplicada ao PL que contestou o resultado das urnas ainda ressoa no meio político, mas a principal razão é que, de Michele Bolsonaro a Tarcísio de Freitas, o foco maior é ver quem será herdeiro do capital eleitoral do ex-presidente. “Política é assim. Mesmo dentro da direita existem os que torcem para Bolsonaro e os que torcem contra ele. E na política não há vazio, o espaço de alguma forma é preenchido”, avalia Streck.

O TSE, que se reúne nas terças e quintas, reservou três sessões para concluir o julgamento. Assim o resultado pode ser conhecido apenas na próxima semana.

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