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Linha Direta

Regulamentação do acesso a armas não diminuirá índices de violência no curto prazo, dizem especialistas

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O presidente Lula terá acesso nesta quarta-feira (24) à minuta que o Ministério da Justiça prepara para regulamentar o acesso a armas de fogo pela população civil no país. Especialistas ouvidos pela RFI afirmam que as medidas são fundamentais para combater a criminalidade, mas dizem que o impacto nos índices de violência não ocorrerá a curto prazo, após os incentivos da política do governo Bolsonaro.

Controle de acesso a armas de fogo pela PF gera controvérsias
Controle de acesso a armas de fogo pela PF gera controvérsias REUTERS/Diego Vara
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Uma das propostas do Ministério da Justiça é destrinchar os CACs – sigla que reúne colecionadores, atiradores e caçadores. O objetivo é que cada grupo tenha limites próprios na compra de armas e munição, além de regras mais claras para o registro, como a comprovação de participação efetiva em competições de tiro esportivo.

A facilidade de ingresso nos CACs e a maior liberalidade na aquisição de armas nos últimos quatro anos fizeram desse um dos caminhos de desvio de armas para o crime.

“É preciso acabar com essa farra dos CACs, sobretudo a possibilidade que os CACs tinham de se deslocar com a arma para cima e para baixo. Isso tem que ser eliminado. É preciso maior controle",  afirma Ignácio Cano, especialista em segurança e professor da UFRJ. "No Brasil, já há muitas notícias de casos concretos de CACs que acabavam fornecendo armas para o crime organizado. Criminosos se aproveitam de todas as oportunidades para se armar com o menor custo possível”, completa.

Cano não acredita que o controle maior levará a resultados a curto prazo, mas defende medidas urgentes. “Os resultados virão no médio e longo prazos porque o estoque de armas em circulação é muito grande devido à política do governo Bolsonaro. Então, de imediato, é preciso tentar retirar dos civis todas as armas de calibre que antes não eram permitidas, como as de repetição ou fuzis. Tem uma regra de ouro nessa área que diz que armamento difundido nunca mais volta. Mesmo assim, tem que tentar pelo menos retirar da legalidade as armas de maior potencial ofensivo. E em segundo lugar, endurecer as regras dos CACs”.

Limitações da PF

A polícia federal conduziu o recadastramento de armas determinado pelo Executivo assim que Lula tomou posse. Muitos no governo defendem que a corporação continue à frente do controle de armas, inclusive no caso dos CACs, função que era do Exército na gestão Bolsonaro.

Mas Roberto Uchôa, policial federal e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acredita que o ideal seria um órgão específico para essa tarefa, frente aos desafios já enfrentados pela Polícia Federal.

“Parece que a ideia é centralizar todo o registro e controle de armas na PF. Realmente não sei se isso dará certo. A corporação tem limitações conhecidas de estrutura e pessoal, e nunca teve como atividade-fim o controle de armas. E agora no recadastramento de 50 mil armas de calibre restiro que deveriam ter sido recadastradas, cerca de 12% não foram. São 6 mil armas, dentre as quais muitos fuzis. É uma quantidade que poderia armar um pequeno exército", diz.

O agente federal também cita o aumento na quantidade de armas em circulação nos últimos anos para ilustrar o desafio de regular e monitorar o setor. “O tamanho do mercado brasileiro dobrou. Pulou de 1,5 milhão para cerca de 3 milhões de armas de fogo em circulação. A gente tem conhecimento de que parcela disso foi desviada para o crime. E no governo Bolsonaro a população teve acesso a fuzis, algo que nunca tinha acontecido antes. Uma das maiores fabricantes do país comemorou os números da venda de fuzis nas redes sociais ano passado.”

Bem descartável?

Os especialistas lembram que uma arma de fogo pode durar até cinquenta anos e por isso não se trata de um bem descartável. Nesse contexto, Roberto Uchôa citou à RFI um exemplo de como os efeitos de uma política armamentista podem afetar não apenas números da criminalidade do país, mas a situação dramática de muitas famílias.

“Há uma pesquisa da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que mostra que a presença de uma arma de fogo aumenta sete vezes a possibilidade de uma pessoa dessa residência ser vítima de violência doméstica. E a arma, além de poder ser utilizada potencialmente para um feminicídio, também pode ser usada como ameaça, como forma de impor a vontade do agressor, como forma de manter a vítima sob seu jugo de forma constante”.

Para quem rebate afirmando que, nesses casos, o acesso à arma também assegura à mulher uma forma de se proteger, ele cita números: “Na minha pesquisa acadêmica, frequentando clubes de tiro e fazendo levantamento de pessoas que adquiriram armas de fogo, ficou comprovado que menos de 2% eram mulheres.”

Outro analista ouvido pela reportagem, Cássio Thyone, Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança, afirma que a liberação de armas não é eficaz no combate a crimes, ao contrário, produz mais violência. “Nós, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,.não temos dúvida de que limitar o acesso às armas tem um impacto positivo sobre os índices de violência. Os estudos mostram que quanto mais armas estão circulando, maiores os números da criminalidade.”

“É preciso fechar essa torneira, impedir que armas legais sejam usadas por criminosos. Os primeiros decretos deste ano já mostram uma guinada. Muitas vidas foram poupadas com o Estatuto do Desarmamento e essa a facilidade de aquisição de armas que aconteceu no governo Bolsonaro terá de ser redirecionada para uma política baseada no princípio de não armar os civis”, afirmou Thyone.

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