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Linha Direta

“Prioridade é defender os usuários”, diz especialista sobre PL que lista deveres das 'Big Techs'

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Pressão de todos os lados, sugestões de última hora, dúvidas acerca do placar. Nesse cenário tenso, a votação do PL das Fake News foi adiada até que o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), feche um texto de maior consenso. Analistas ouvidos pela RFI afastam a tese de que a proposta possa significar censura e defendem maior transparência das grandes empresas de tecnologia.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (centro), na sessão que previa a votação da PL das Fake News, mas foi adiada, representando uma derrota para o governo.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (centro), na sessão que previa a votação da PL das Fake News, mas foi adiada, representando uma derrota para o governo. © Agência Brasil/Lula Marques
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

O ponto de maior entrave para a votação da proposta recai sobre quem irá fiscalizar o setor e aplicar as punições à luz da nova legislação. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi sugerida por vários parlamentares para tal função porque já tem estrutura e corpo técnico, mas também é criticada por outros pois é vista como uma entidade reguladora de mercado e não de conteúdo.

Além disso, ouve-se muito nos bastidores o comentário de que a agência é mais ligada aos interesses das empresas, no caso as teles, que ano após ano encabeçam a lista das companhias com mais reclamações nos órgãos governamentais, do que aos pleitos dos usuários. A pedido do próprio relator e de partidos políticos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), adiou a votação que estava prevista para essa terça-feira.

“Eu acredito que com um pouco mais de tempo, de conversa, nós possamos produzir a máxima convergência. E o que for polêmico – há matérias outras que são polêmicas –, elas podem ser definidas no plenário. Agora, para esse tema, da entidade responsável pela supervisão, é muito importante que tenhamos uma maioria mais sólida", explicou Orlando Silva.

A professora de Direito Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV/Rio, disse à RFI que assegurar uma fiscalização imparcial é peça-chave para garantir transparência no setor. “É preciso haver uma autoridade independente, imparcial, com recursos adequados, com efetivo, com pessoal técnico para fiscalizar e regulamentar a atuação das plataformas, para evitar abuso, arbitrariedade, ou leniência em relação ao cumprimento da legislação.”

Curzi lembrou que não se trata de um mercado no qual o internauta tem um leque amplo de escolhas, o que torna imperial a regulamentação do setor. “É importante lembrar que a proteção dos direitos dos usuários deve ser a prioridade do Estado. Deixar o mercado se autorregular não é uma perspectiva eficiente nem realista, tendo em vista o nível de concentração do mercado, que faz com que essas empresas atuem praticamente sozinhas. E precisamos de regras claras para entender como esses mecanismos internos das plataformas operam, já que é praticamente impossível compreender como esses algoritmos de recomendação funcionam sem a abertura dos dados.”

O advogado e professor de Direito da UnB Henrique Costa destacou o intenso tráfego de dados e informações na internet em todo o planeta para também defender um texto que detalhe deveres e obrigações no mundo virtual. “O tema desse projeto não é apenas sobre fake news, mas sobre uma infinidade de temas das nossas vidas. Não é apenas sobre redes sociais, mas também sobre ferramentas de busca e aplicativos de mensagem. É uma lei que vai tocar em temas constitucionais, de consumidor, de saúde pública, de concorrência, de publicidade, etc.  É uma emergência de múltiplas dimensões. Isso se não falarmos de inteligência artificial, que é outro assunto quente e que vai gerar mais debates em breve.”

Ataques em escolas elevou cobrança

Mochilas escolares foram colocadas no gramado da Esplanada dos Ministérios para lembrar as vítimas dos atentados em colégios no Brasil, assunto que reverberou no Congresso em favor da regulamentação das plataformas digitais de informação, diante do crescente acesso de jovens a conteúdos de violência. As grandes empresas da área, as 'big techs’, por sua vez, fizeram lobby pesado e também usaram as próprias plataformas para potencializar informações contrárias ao projeto, o que para muitos provou a necessidade de regras mais claras.

“É natural que eles tentem influenciar esse processo legislativo em seu favor, tendo em vista que grande parte do lucro dessas empresas vem de anúncios, de impulsionamento. E já está bastante evidenciado nas pesquisas empíricas que conteúdos ultrajantes, nocivos e falaciosos possuem maior engajamento, possuem mais atenção dos seus usuários e, portanto, são mais recomendados. É preciso mais transparência para compreender como isso funciona”, afirmou  Yasmin Curzi.

Para Henrique Costa, a briga entre o Ministério da Justiça e o Google no dia em que estava prevista a votação do PL das Fake News na Câmara demonstrou a complexidade do assunto. “Eu não vejo problema no fato de o Google manter uma página com seu editorial, defendendo sua visão, seus interesses. Mas o patamar de importância que a primeira página do Google alcançou nesse ambiente se tornou tão forte que não pode ser tratado como um ambiente puramente privado. Mesmo que essa página seja do Google, ele não pode usar como bem entende. Ao menos esse é o recado do Ministério da Justiça.”

Sem censura

Ao contrário dos críticos da proposta, que apontam risco de censura com o texto em discussão no Congresso, os analistas ouvidos pela reportagem dizem que o projeto visa aprimorar a legislação já existente.

“Não vejo censura. Vejo uma resposta a problemas reais que precisam ser enfrentados. E a proposta em discussão me parece razoável”, afirmou o professor da UnB.

Para Yasmin Curzi, a acusação de que o projeto pode levar à censura é completamente infundada. "O PL vai ter como objetivo não apenas combater a desinformação. Vai combater especificamente atores que lucram economicamente com a disseminação da desinformação. Ele vai falar muito mais sobre regras de transparência, regras claras para a moderação de conteúdo. Traz deveres das plataformas em relação aos direitos dos usuários. Enfim, traz uma série de regras. Não é um PL das Fake News, é um PL da reponsabilidade e transparência das plataformas.”

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