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Linha Direta

Novo presidente do Paraguai terá de negociar com Lula preço da energia elétrica

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Nada muda no Paraguai. O conservador Santiago Peña, de 44 anos, será o presidente pelos próximos cinco anos, confirmando a hegemonia do Partido Colorado, que está no poder há mais de 70 anos. O partido conseguiu maioria no Senado, na Câmara de Deputados e 15 dos 17 governadores. A primeira tarefa internacional do novo presidente será negociar com Lula o preço da energia elétrica gerada por Itaipu, determinando se os consumidores brasileiros terão aumento ou redução na conta de luz.

Santiago Peña fala com apoiadores após fim das votações no Paraguai em 30 de abril de 2023.
Santiago Peña fala com apoiadores após fim das votações no Paraguai em 30 de abril de 2023. AP - Jorge Saenz
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

 

A vitória de Santiago Peña significa continuidade para o Paraguai. Com exceção dos quatro anos do ex-presidente Fernando Lugo (2008-2012), o Partido Colorado, desde 1947 no poder, venceu sete das oito eleições no período democrático. O conservador obteve 42,7% dos votos válidos, mas se fosse como nos outros países da região, o Paraguai entraria agora num incerto segundo turno. Entretanto, o sistema paraguaio só prevê um turno.

Já o liberal Efrain Alegre ficou com 27,5% dos votos e o candidato antissistema, Paraguayo Cubas, chegou a 22,9%. Isso significa que, se os dois principais opositores estivessem unidos, teriam obtido 50,4% dos votos.

“Fizemos todos o esforço para conseguir uma mudança, mas o resultado assinala que esse esforço talvez não tenha sido suficiente porque, embora a maioria do povo paraguaio tenha votado numa mudança, a divisão fez com que não possamos chegar ao objetivo de uma mudança, como nos pede essa maioria dos paraguaios”, refletiu Efraín Alegre, na porta da sua casa, ao reconhecer a derrota.

Do outro lado, ciente de que os opositores são maioria, o eleito Santiago Peña pediu a união de todos os paraguaios, apelando ao sentimento patriótico.

“Aos que acreditaram em outros projetos, digo-lhes que, para além das cores partidárias, somos filhos de uma mesma mãe: a pátria paraguaia. Convoco a união e o consenso para atingir o nosso destino de bem-estar coletivo e de prosperidade sem exclusões. Antes de tudo e sobretudo, somos paraguaios”, conclamou Peña no seu discurso de vitória.

Ao conseguir maioria na Câmara de Deputados e no Senado, o presidente eleito evita o risco de um “impeachment” durante o seu mandato. 

Para o mundo, as mudanças são poucas: no próximo mandato, o Paraguai deve voltar a ter relações com a Venezuela. O atual governo do presidente, Mario Abdo, não reconhece a legitimidade de Nicolás Maduro. Com Santiago Peña, o Paraguai continuará como o único país na América do Sul a reconhecer Taiwan, mesmo que isso signifique perder o mercado chinês para as exportações agropecuárias. A Embaixada de Taiwan respirou aliviada diante do risco de perder um dos 13 países que ainda resistem à pressão da China.

“Parabéns ao povo paraguaio que mostra ao mundo o poder democrático dos cidadãos através do voto. Continuaremos a trabalhar nesta relação frutífera de parceiros de prosperidade”, publicou a Embaixada nas redes sociais.

Peña no governo; Cartes no poder

Santiago Peña é um economista liberal, formado na Universidade Católica de Assunção e na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Integrava a diretoria de um banco que pertence ao ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), quem o tornou ministro da Fazenda. Cartes é o padrinho político de Santiago Peña e o presidente eleito responde diretamente ao ex-presidente. A lógica é Santiago Peña no governo e Horacio Cartes no poder nos bastidores.

“Sem Horacio Cartes, Santi Peña não é ninguém no Partido Colorado. Ele é basicamente um empregado de Horacio Cartes. Literalmente empregado porque trabalhava no banco de Cartes. E não tem nenhum tipo de autonomia. Essa é a sua fraqueza”, explica à RFI o analista político paraguaio, Alfredo Boccia.

“Será muito difícil para Peña governar com autonomia porque ele não é um líder natural e nem tem a simpatia da metade do seu partido”, reforça a historiadora Milda Rivarola, em entrevista à RFI.

Colisão com os Estados Unidos

A sombra de Cartes sobre Peña põe o próximo governo em rota de colisão com os Estados Unidos. O Departamento de Estado norte-americano classificou Horacio Cartes como “significativamente corrupto” e o Departamento do Tesouro aplicou-lhe sanções econômicas. O próximo passo seria do Departamento de Justiça com um pedido de extradição.

“Logicamente, Horacio Cartes está desesperado com a possibilidade de ser extraditado aos Estados Unidos. Essa é uma ameaça e uma maneira de se proteger. Todos nós temos a certeza de que a Corte Suprema de Justiça, responsável por conceder a extradição, não se oporá a um pedido dos Estados Unidos. Os ministros da Corte são mais independentes e o Paraguai não tem força para se opor aos Estados Unidos”, reflete Alfredo Boccia.

O outro embate será com o Brasil em torno da tarifa da energia de Itaipu. O presidente Lula desejou boa sorte a Santiago Peña e manifestou o desejo de trabalharem juntos.

“Boa sorte no seu mandato. Vamos trabalhar juntos por relações cada vez melhores e mais fortes entre nossos países, e por uma América do Sul com mais união, desenvolvimento e prosperidade”, desejou Lula ao presidente eleito.

Brasil e Paraguai discutirão preço da energia

Brasil e Paraguai terão de definir o preço da energia elétrica gerada pela binacional Itaipu. Essa negociação terá impacto direto na conta de luz dos brasileiros que moram nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste. O Paraguai quer aumentar o máximo possível. No sentido contrário, o Brasil quer diminuir. 

“Essa discussão será a primeira tarefa do próximo governo porque o tratado venceu agora (26 de abril). O Brasil já tomou a decisão de baixar o custo da energia porque o Paraguai já pagou toda a dívida. Isso prejudica o Paraguai porque a maior parte do excedente é vendido ao Brasil. Acho que essa é uma batalha perdida para o Paraguai”, considera a analista paraguaia Milda Rivarola.

Nesse ponto, a vitória de Santiago Peña tende a ser positiva para o Brasil. Historicamente, os políticos do Partido Colorado costumam ser pró-Brasil e são menos rigorosos quando negociam com o país.

Os paraguaios também preferem negociar com Lula. Isso porque em 2009, no segundo mandato do presidente, o então presidente paraguaio, Fernando Lugo, conseguiu que Lula triplicasse o custo da energia para os brasileiros. Santiago Peña, por exemplo, disse que “está otimista” com a perspectiva de negociar com o presidente brasileiro.

Espera de 50 anos

Em fevereiro, depois de 50 anos, o Paraguai quitou a dívida com o Brasil pela construção da represa, que era responsável por 60% do preço pelo kilowatt. Portanto, pela lógica, o preço agora deveria baixar sensivelmente.

No dia 26 de abril, o tratado para construção de Itaipu completou 50 anos e segundo o documento, quando a dívida fosse quitada, Brasil e Paraguai poderiam rever o preço da energia.

Toda a energia produzida pela hidrelétrica é dividida em porções iguais entre os dois países. Porém, o Paraguai não consome toda a sua parte e vende a maioria ao Brasil.

O Paraguai tem interesse em aumentar ao máximo a tarifa por dois motivos: porque vai vender mais caro ao Brasil e porque esse dinheiro gerado é usado como caixa para obras, para assistência social, mas também para a política.

O Brasil quer diminuir a tarifa de energia, mas não totalmente. Também quer usar o dinheiro de Itaipu para obras no estado do Paraná numa espécie de caixa público paralelo.

“Provavelmente, Itaipu seja o assunto mais importante da agenda com o Brasil. Esse tratado precisa ser renegociado. Sempre é negociado com muito pouco patriotismo, com pouca firmeza por parte dos colorados. Os colorados são mais fáceis de lidar com o Brasil”, avalia Alfredo Boccia.

Segundo estudos, o kilowatt poderia custar 10 dólares. O governo Bolsonaro tinha reduzido para 12,67 dólares. O Paraguai queria 20,75 dólares. Provisoriamente, o atual governo Lula fechou na metade entre esses dois valores: 16,71 dólares. O preço definitivo virá da negociação a partir de 15 de agosto, quando Santiago Peña assumir o cargo.

Desafios sociais do novo governo

Os desafios sociais de Santiago Peña passam pelos combates à pobreza, à desigualdade, à corrupção e à violência contra o crime organizado. Esses quatro pontos, aliás, estão interligados. Para combater o crime organizado, o novo governo precisará agir com o Brasil. Criminosos do tráfico de drogas atravessaram a fronteira paraguaia para controlar a rota da cocaína.

“Toda essa criminalidade na zona de fronteira: tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, contrabando de armas, matadores de aluguel vão precisar ser combatidas com a colaboração do Brasil”, prevê Rivarola.

“Também temos todo o Comando Vermelho e o PCC representando o crime organizado no nosso país. Nesse sentido, o Paraguai é como mais um estado anárquico do Brasil. O Paraguai se tornou um refúgio do pior do Brasil. Estamos vendo assassinos contratados e violência narco em Assunção, algo que antes só víamos nas cidades de fronteira”, descreve Boccia.

O Índice de Percepção da Corrupção da ONG Transparência Internacional coloca o Paraguai como o segundo país com mais corrupção da América do Sul, apenas atrás da Venezuela.

Quanto à pobreza e à desigualdade, o desafio é fazer com que o crescimento econômico do Paraguai chegue à população. A economia paraguaia cresceu, em média, 4,4% entre 2003 e 2018, graças às exportações de carne, soja e milho. E, mesmo impactada pela pandemia, a economia cresceu 0,7% entre 2019 e 2022.

“Precisamos de um novo modelo econômico que gere empregos de qualidade e arrecadações tributárias que financiem as políticas para melhorar as condições de vida. Precisamos deixar para trás um modelo extrativista de pouco valor acrescido e pouco diversificado, mas a continuidade do Partido Colorado não implica nenhuma mudança positiva. Pelo contrário, aprofunda os problemas. Como não há um castigo nas urnas, os políticos apostam em manter o status quo, mantendo a população empobrecida e dependente, econômica e politicamente”, analisa a economista Verónica Serafini em entrevista à RFI.

Segundo o Banco Mundial, a previsão de crescimento econômico para este ano é de 5,2%, o maior crescimento previsto para um país da América Latina. A inflação prevista é de 4,7%. O Paraguai tem recursos de sobra em pontos estratégicos como energia, água e alimentos. No entanto, a pobreza atinge 27% dos paraguaios. Apenas 1,6% da população é dona de 80% do território.

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