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Linha Direta

Eleições no Paraguai podem romper mais de 70 anos de hegemonia do Partido Colorado

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Estados Unidos, China e Taiwan influenciam na acirrada disputa para a presidência do Paraguai, entre dois liberais conservadores. Independentemente de quem ganhar a eleição, o próximo chefe de Estado terá dificuldades políticas para governar.

Santiago Peña, candidato à eleição presidencial pelo Partido Colorado, durante discurso de campanha em Villa Elisa, Paraguai, em 26 de abril de 2023.
Santiago Peña, candidato à eleição presidencial pelo Partido Colorado, durante discurso de campanha em Villa Elisa, Paraguai, em 26 de abril de 2023. AP - Jorge Saenz
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O Paraguai vai às urnas neste domingo (30) para eleger um novo presidente pelos próximos cinco anos, além de deputados, senadores e governadores. Num país onde não existe segundo turno, cada voto conta numa disputa com final aberto.

Continuará o Paraguai sob o comando do Partido Colorado, que está há mais de 70 anos no poder? Ou o país vai mudar, assim como todos os vizinhos, e optar pela alternância?

O que está em jogo é a possibilidade real de o Paraguai ter uma alternância política, marcando uma virada na governança do país há mais de 70 anos governado pelo mesmo partido, o Colorado.

“Esse partido tem 2,5 milhões de filiados. São mais filiados do que votos reais nas eleições, tamanha é a dependência das pessoas desse partido para conseguirem trabalho no Estado”, explica à RFI o analista político Alfredo Boccia.

Os dois candidatos com chances de vitória são Santiago Peña, do Colorado, e Efraín Alegre, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), sigla que lidera uma coligação de vários partidos opositores, da direita à esquerda. Todos unidos com o único propósito de vencer o Colorado.

“Estamos na bifurcação de optar entre a continuidade do modelo ou algum tipo de reforma institucional do Estado”, indica à RFI a historiadora e analista política, Milda Rivarola.

“Não são duas propostas ideologicamente diferentes em disputa. Os dois candidatos são liberais conservadores. Não houve debates sobre propostas nem programas nestas eleições. Mas o que se debate é a possibilidade de frear a corrupção, a penetração do crime organizado nos organismos políticos, nos níveis altos de corrupção”, acrescenta a especialista.

Do ponto de vista ideológico não há diferenças significativas entre Santiago Peña e Efraín Alegre, a diferença está naquilo que representam.

Peña representa o partido que governa o Paraguai desde 1947, inclusive durante os 35 anos do ditador Alfredo Stroessner. O próprio candidato, aliás, elogia o ex-ditador por não ter tido de se preocupar com eleições e ter aplicado seu modelo sem questionamentos.

Somente durante quatro anos, entre 2008 e 2012, o Partido Colorado não governou. Aconteceu durante o mandato do então bispo Fernando Lugo, quem, aliás, foi destituído em poucas horas num procedimento considerado irregular.

Aparelhamento do Estado

O Partido Colorado aparelhou o Estado, condicionando o emprego público aos filiados e fazendo desse clientelismo o seu instrumento de poder.

“As pessoas estão cansadas da corrupção, da falta de serviços de saúde e de educação e da forma de governar dos colorados. A impunidade é outro dos fatores que fazem com que as pessoas vejam com alguma esperança uma mudança de governo. As condições para uma mudança estão dadas. Se a oposição não ganhar desta vez, não sei quando terá outra chance assim”, observa Boccia, colunista político do jornal paraguaio Última Hora.

“O Partido Colorado é um partido clientelista. Não se caracteriza por apresentar boas propostas aos cidadãos, mas por administrar a clientela. Emprego público, contratações, licitações, exceção impositiva aos que não votarem neles”, exemplifica Rivarola.

O economista Santiago Peña, de apenas 44 anos, foi presidente do Banco Central e ministro da Fazenda do ex-presidente Horacio Cartes, quem governou o país entre 2013 e 2018. Com mais de 40 empresas, Cartes é o empresário mais poderoso do Paraguai.

Efraín Alegre tem 60 anos e disputa a Presidência pela terceira vez. Foi ministro de Obras Públicas do governo de Fernando Lugo, destituído com a ajuda do próprio partido liberal, mas agora voltaram a unir-se para derrotar o Colorado.

“A continuidade do Partido Colorado não implica nenhuma mudança positiva. Pelo contrário, aprofundaria os problemas. A alternância incentivaria o interesse pelas transformações estruturais”, avalia à RFI a economista Verónica Serafini.

Pesquisas manipuladas

No Paraguai, é uma quimera acreditar nas pesquisas de intenção de voto. As sondagens são encomendadas pelos partidos políticos e funcionam como instrumentos de marketing eleitoral. São usadas para influenciar os eleitores, indicando que candidato está à frente, de acordo com quem pagou pelo estudo.

A sondagem para a qual todos olham é a da empresa brasileira Atlas. Por ser estrangeira, é vista como isenta.

“Segundo a única pesquisa que não está contaminada e é mais ou menos confiável, temos um empate técnico. As demais, feitas aqui no Paraguai, não são transparentes para ninguém. Dão números absurdos a favor de um ou de outro. São manipuladas”, afirma Alfredo Boccia.

Segundo a brasileira Atlas, Efraín Alegre tem 38% enquanto Santiago Peña tem 36%. Se esses números se confirmarem no domingo, a oposição terá uma vitória histórica. No Paraguai, não existe segundo turno. Um candidato é eleito com apenas um voto a mais do que o seu adversário.

Estados Unidos influencia no resultado

Nos últimos anos, aumentou a violência no país, com o crime organizado do tráfico de drogas com facções brasileiras como o Comando Vermelho e o PCC atravessando a fronteira paraguaia.

Por outro lado, o Paraguai teve um bom crescimento econômico, mas esse “boom” não chegou à população. A informalidade no mercado de trabalho chega a 64% da população (no Brasil, 40%; na América Latina, 53% em média).

“O crescimento econômico paraguaio baseou-se na produção e na exportação de commodities de pouco valor acrescido e com escasso efeito distributivo. Apesar de muitos anos de crescimento, foi altamente volátil e a imprevisibilidade afeta a qualidade dos investimentos. A expansão da fronteira agrícola teve efeitos negativos no meio-ambiente. Por outro lado, o baixo investimento público em saúde, educação e serviços públicos não melhoraram a qualidade do crescimento”, analisa a economista Verónica Serafini.

Na percepção popular, no entanto, o maior flagelo é a corrupção, apontada em todas as pesquisas de opinião. E esse ponto atinge o ex-presidente Horacio Cartes e, por consequência, o seu atual candidato, Santiago Peña. Primeiro, o governo dos Estados Unidos classificou Cartes como “significativamente corrupto”, acusando-o de desenvolver um sistema de subornos generalizado a legisladores, juízes e políticos do próprio partido. Para o analista Alfredo Boccia é o “mensalão paraguaio”.

“Tanto no âmbito político quanto no judicial, uma quantidade nunca vista de corrupção. Uma quantidade gigantesca de promotores e juízes que, pelo menos, até pouco tempo recebiam um salário fixo do próprio Cartes. Podemos também dizer que ele comprou o Partido Colorado”, considera Boccia.

Em janeiro, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos aplicou sanções financeiras a Horacio Cartes. Acredita-se que o próximo passo virá do Departamento de Justiça: um pedido de extradição.

“Isso afetou a campanha de Peña. É a primeira vez que vemos uma campanha com mais cartazes de candidatos opositores do que de colorados. Há protestos nas bases coloradas porque não recebem dinheiro para a campanha. Nota-se na austeridade dos colorados a falta de dinheiro”, descreve Boccia.

Segundo a analista Milda Rivarola, essas sanções, além de prejudicarem o financiamento de campanha de Santiago Peña, fizeram com que os empresários começassem a preferir uma vitória da oposição por temerem ser afetados por essas represálias.

“O que está acontecendo por trás de toda essa campanha é que, pela primeira vez, setores empresariais estão apoiando a oposição. Os empresários sempre apoiaram o partido colorado, mas agora uma parte apoia a oposição. Temem que as sanções internacionais possam afetá-los e olham para a alternância política com menos receio”, aponta Rivarola.

“Claro que Horacio Cartes está ajudando o seu candidato nos bastidores porque uma maneira de se proteger das sanções é que Santiago Peña ganhe, mas Cartes não aparece”, sublinha Alfredo Boccia, lembrando que o atual presidente paraguaio, Mario Abdo, também sumiu de cena por ser um opositor interno de Cartes.

Enquanto Santiago Peña ficou solitário na sua campanha, Efraín Alegre criou o slogan “pátria ou máfia”.

China e Taiwan jogam cartas geopolíticas

O Paraguai tem uma particularidade para o mundo, especialmente neste momento de disputa entre Estados Unidos e China, no contexto da invasão russa na Ucrânia.

Desde 1957, o Paraguai é um dos 13 países no mundo que reconhece a independência de Taiwan e que não tem relações comerciais formais com a China.

Para tentar melhorar a relação com os Estados Unidos, o candidato Santiago Peña diz que nada vai mudar se ganhar as eleições: o Paraguai vai continuar a reconhecer Taiwan, algo que incomoda a China.

Do outro lado, Efraín Alegre promete rever essa questão. O Paraguai é um grande exportador de soja e de carne, mas não pode exportar à China, perdendo o maior mercado mundial.

Para chegar ao mercado chinês, o Paraguai precisa exportar através de empresas brasileiras e argentinas. Ao mesmo tempo, o país importa muito da China, tendo um considerável déficit comercial. 

“Efraín Alegre promete romper relações com Taiwan ou, pelo menos, iniciar relações com a China comunista. E Santiago Peña diz que vai manter o ‘status quo’ com Taiwan. A política diplomática de Taiwan é uma política de carteira. Acreditamos que há muito suborno a políticos por parte de Taiwan”, explica Alfredo Boccia.

“Essa aliança com Taiwan é muito cara para o Paraguai, sobretudo para os setores exportadores. Mas Taiwan é apoiado pelos Estados Unidos e o Paraguai nunca tomou decisões fortes contra o seu aliado do Norte”, pondera Milda Rivarola.

No mês passado, esse caminho foi seguido por Honduras, que rompeu relações com a ilha, adotando o conceito de uma só China.

Foi o quinto país na América Latina a romper com Taiwan, depois do Panamá, El Salvador, a República Dominicana e a Nicarágua.

Governabilidade em risco

Ganhe quem ganhar, o risco de turbulências políticas para o próximo governo é alto.

“Santiago Peña é um CEO, um gerente de empresa. Não é um dirigente político. Tem como tutor alguém muito mais poderoso do que ele, Horacio Cartes. Se ganhar, ele não vai governar. Quem vai governar é Cartes. E sem Cartes, ele também não vai poder governar porque não tem poder próprio no partido colorado”, indica Milda Rivarola.

“No caso de Efraín Alegre, a sua coalizão é muito ampla. São 23 partidos e movimentos. Terá de governar com todos e satisfazer a demanda desses eleitores, algo, no mínimo, desafiador”, conclui a historiadora.

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