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Linha Direta

Plebiscito de nova Constituição após ditadura divide o Chile em votação inédita

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Mais de 15 milhões eleitores estão inscritos para participar da votação no plebiscito que aprovará ou não a nova Constituição do país, neste domingo (4). O processo começou em 2019 e deve ser concluído com a aprovação ou rejeição do novo texto. As pesquisas indicam a vitória do “não”, mas a situação pode surpreender.

Os apoiantes da campanha "Eu Aprovo" assistem ao comício de encerramento antes do próximo referendo de 4 de Setembro, onde os chilenos votarão para aprovar ou rejeitar a nova constituição proposta, em Valparaíso, Chile, a 1 de Setembro de 2022.
Os apoiantes da campanha "Eu Aprovo" assistem ao comício de encerramento antes do próximo referendo de 4 de Setembro, onde os chilenos votarão para aprovar ou rejeitar a nova constituição proposta, em Valparaíso, Chile, a 1 de Setembro de 2022. REUTERS - RODRIGO GARRIDO
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Camilla Viegas, correspondente da RFI no Chile

Faltam poucos dias para que os chilenos voltem às urnas e decidam se aprovam ou não o projeto da nova Constituição, que modifica a carta magna herdada da ditadura militar de Pinochet, há mais de 30 anos. Pela primeira vez em uma década, o voto será obrigatório.

A decisão divide o país e, assim como aconteceu na eleição para presidente em 2021, a polarização deste processo eleitoral acirrou ainda mais os ânimos, que já andavam alterados desde os protestos sociais de 2019.

Quando o trabalho da assembleia constituinte começou, em julho do ano passado, tudo parecia indicar que as demandas dos milhares de chilenos que saíram às ruas para protestar em 2019 seriam ouvidas: menos desigualdade social, maior acesso à saúde e uma aposentadoria mais justa, em entre outras questões.

A assembleia constituída de forma paritária, com lugares reservados aos povos indígenas e composta, em sua maioria, por membros identificados com ideias de esquerda, acabou redigindo um texto com muitos dos direitos sociais reivindicados pelo povo, mas, estranhamente, não parece ter deixado os chilenos satisfeitos.

No início do processo constituinte, em 25 de outubro de 2020, cerca de 80% dos eleitores chilenos optaram por uma nova Carta Magna (78%), que fosse redigida por uma assembleia constituinte (79%). No entanto, um ano depois, muita coisa mudou.

Cédula do plebiscito sobre a nova Constituição chilena trará os termos "aprovo" ou "rechaço"
Cédula do plebiscito sobre a nova Constituição chilena trará os termos "aprovo" ou "rechaço" REUTERS - JOSE LUIS SAAVEDRA

O que dizem as pesquisas

As últimas pesquisas publicadas no final de agosto, antes do início do silêncio eleitoral, dão vitória ao não, ou "rejeito" - termo usado na cédula que será entregue aos eleitores.

 A pesquisa da consultoria Cadem, uma das mais conhecidas do país, mostrou que 46% dos consultados rejeitariam o novo texto constitucional, enquanto 37% o aprovariam. Cerca de 17% dos entrevistados disseram ainda estar indecisos sobre a difícil decisão.

Enquanto isso, a pesquisa Pulso Ciudadano constatou que 45,8% dos pesquisados ​​rejeitarão a proposta e 32,9% a aprovarão. Cerca de 15,7% dos entrevistados disseram estar indecisos.

Segundo especialistas, o alto índice de rejeição do texto deve-se, ao menos em parte, às constantes polêmicas em que a Assembleia Constituinte esteve envolvida, somado a alguns pontos polêmicos na proposta da nova Constituição. Entre eles, o conceito de plurinacionalidade, sistemas de justiça indígenas reconhecidos pelo Estado e a eliminação do Senado.

“Creio que há três fatores principais [para o resultado das pesquisas]: em primeiro, a avaliação assembleia constituinte; em segundo, a avaliação do governo de Boric, e, em terceiro, a avaliação do texto. Nesta ordem de importância”, avalia Daniel Brieba, doutor em Ciências Políticas e acadêmico da Universidade Adolfo Ibáñez.

O presidente chileno Gabriel Boric assina o documento que autoriza o plebiscito sobre a nova constituição, em 4 de julho
O presidente chileno Gabriel Boric assina o documento que autoriza o plebiscito sobre a nova constituição, em 4 de julho AP - Luis Hidalgo

Voto obrigatório com inscrição automática

Esta é a primeira vez na história do Chile que o voto é obrigatório com inscrição automática para maiores de 18 anos, assim como acontece no Brasil. Todos os partidos de esquerda apoiam a proposta constitucional, mas alguns políticos de centro-esquerda se juntaram à direita no “rechaço” porque, dizem, o texto é “muito radical”.

Já os partidos políticos que defendem a aprovação da nova Constituição anunciaram recentemente um acordo para reformar alguns dos aspectos mais polêmicos do texto, caso ela seja aprovado, mas a medida não parece ter surtido efeito, pelo menos é o que indicam as pesquisas.

“O problema com a assembleia constituinte é que as pessoas não avaliaram que foi um espaço de trabalho no qual se buscaram acordos. [...] Os vários episódios de pouco profissionalismo ou com mentiras [...] foram debilitando a confiança das pessoas e alguns dos constituintes mais visíveis estavam muito mal avaliados pelas pessoas”, explica Brieba.

Processo aberto

Seja qual for o resultado, em 4 de setembro, uma coisa é clara: o processo não termina nesse dia. Todas as pesquisas mostram que a maioria dos chilenos que opta pela aprovação da nova constituição quer que o documento seja modificado. Quem o rejeita defende uma nova constituição, mas diferente da que foi proposta pela assembleia constituinte.

Há atualmente dois acordos políticos. O primeiro diz respeito à vitória da aprovação do texto, onde os partidos que apoiam o presidente Boric se comprometem a ajustar alguns pontos polêmicos da nova Constituição. O segundo, realizado por partidos de oposição, se compromete a realizar amplas reformas na atual carta magna do país ou impulsionar um novo processo constituinte.

O acordo dos partidos que apoiam o atual governo não ajudou a diminuir a diferença entre as duas opções de intenções de votos nas pesquisas.

“O acordo entre partidos oficialistas é mais visto como um acordo entre elites, isso significa que não é algo que chegue a uma audiência menos politizada. A isso se soma a pouca confiança que os partidos políticos têm”, explica Rodrigo Espinoza Troncoso, doutor em Ciência Política e académico da Universidade Diego Portales.

O presidente Gabriel Boric disse que "vai apoiar com força um Chile unido por uma nova Constituição, seja ela aprovada ou rejeitada”. Além disso, assegurou que concorda em promover um novo processo constituinte caso o texto seja rejeitado.

Repercussão no governo

A decisão final ficará nas mãos do Congresso chileno e a ideia parece ter amplo apoio entre os legisladores, muitos dos quais consideram a atual Carta Magna "morta".

De qualquer forma,o processo pode repercutir no governo de Boric, cujos membros – inclusive o próprio Presidente – apoiam o “aprovo”, razão pela qual muitos veem a votação de domingo como uma espécie de plebiscito sobre os seis meses em que Boric está no poder.

“A respeito do governo de Boric, as pesquisas mostram que ele tem, mais ou menos, a mesma aprovação que a assembleia constituinte, e isso mostra uma relação do governo com a aprovação da nova constituição. Isso, por um lado, o ajudou, mas por outro lhe colocou um certo limite, já que as pessoas que não apoiam o governo de Boric dificilmente votarão pela aprovação desta nova constituição”, explica Daniel Brieba, doutor em Ciências Políticas e acadêmico da Universidade Adolfo Ibáñez.

Controvérsias

Há muito em jogo, mas os últimos dias da campanha foram marcados por polêmicas que atrapalharam o processo.

No último domingo (28), apenas uma semana antes da votação, um grupo de pessoas vestidas com um traje tradicional chileno, partidários do “rejeito”, foram protagonistas de um incidente envolvendo um grupo de ciclistas que protestavam no centro da capital a favor da aprovação da proposta constitucional. Vídeos divulgados nas redes sociais mostraram como uma charrete quase atropelou o grupo. Alguns dos ciclistas atiraram pedras contra os ocupantes da charrete e isso gerou ferimentos leves nos envolvidos.

 

Outra polêmica envolveu os apoiadores do “aprovo”, quando uma apresentação artística de um grupo de travestis, em um ato na cidade de Valparaíso (no litoral do país), chamou a atenção pela performance com a bandeira chilena.

Logo após o início do ato, um dos protagonistas virou as costas para o público e abaixou a cueca enquanto seu parceiro no palco fingia puxar uma bandeira entre suas pernas no meio de frases obscenas. “Esses eventos não apenas ofendem nossos símbolos nacionais, mas também atacam crianças e adolescentes, por isso pedimos que o vídeo não seja transmitido”, disse a porta-voz do governo, a ministra Camila Vallejo.

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