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Linha Direta

De ex-líder estudantil a presidente: Gabriel Boric toma posse no Chile com muitos desafios

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Nesta sexta-feira (11), Sebastián Piñera passa a faixa presidencial para Gabriel Boric. O novo presidente do Chile foi eleito em dezembro, após o segundo turno, quando conquistou 55,8% dos votos de cerca de 8,2 milhões de eleitores. A cerimônia de posse terá a presença do vice-presidente do Brasil e também de líderes da esquerda. 

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, durante encontro com a imprensa no Palácio Presidencial La Moneda, em Santiago, Chile, em 20 de dezembro de 2021.
O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, durante encontro com a imprensa no Palácio Presidencial La Moneda, em Santiago, Chile, em 20 de dezembro de 2021. REUTERS - RODRIGO GARRIDO
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Camilla Oliveira Viegas, correspondente da RFI no Chile

Gabriel Boric começou sua carreira política protestando contra o governo há pouco mais de dez anos e agora é ele quem assume o cargo mais alto do Chile, o de presidente da república. O ex-líder estudantil chegará ao Palácio de La Moneda aos 36 anos de idade e é o presidente mais jovem da América Latina. Após um processo eleitoral marcado pela polarização política, Boric, de esquerda, venceu o candidato de extrema-direita José Antônio Kast no segundo turno das eleições, que aconteceu em dezembro do ano passado.

Agora, o novo presidente do Chile tem vários desafios pela frente, alguns deles iniciados no contexto dos protestos de 2019, dos quais também participou ativamente, e agudizados com a crise sanitária e econômica decorrente da pandemia da Covid-19. Boric recebeu cerca de 4,6 milhões de votos no segundo turno e, se não conseguir resolver os problemas destes eleitores, ele poderá ser o alvo de novos protestos.

O novo presidente já avisou que vai adaptar alguns protocolos na cerimônia de posse presidencial, que acontece no Salão de Honra do Congresso Nacional na manhã desta sexta-feira (11), na cidade portuária de Valparaíso, que fica a cerca de 120km da capital Santiago. Sob restrições sanitárias, a programação começa às 8h30 na residência presidencial de Cerro Castillo, localizada na cidade vizinha Viña del Mar.

Depois de uma sessão de fotos com os futuros ministros, ele segue para o Congresso Nacional em Valparaíso, acompanhado da primeira-dama, sua namorada Irina Karamanos, que também é líder da Frente Feminista do Partido Convergência Social, o mesmo de Boric.

No Congresso, a cerimônia de posse deve iniciar por volta do meio-dia e depois o presidente recém-empossado voltará à residência em Cerro Castillo, onde almoça com os chefes de Estado convidados.

Boric receberá, além da faixa presidencial, as insígnias da presidência. A mais importante é uma em forma de estrela, que é identificada como “la piocha de O’Higgings”, que relembra a transferência do poder de um presidente a outro fazendo menção ao herói da independência chilena Bernardo O’Higgings, que foi o primeiro presidente do país.

Dilma Rousseff e Hamilton Mourão no Chile

A cerimônia de posse do novo presidente do Chile contará com a presença de 12 delegações oficiais, incluindo Brasil, Colômbia, Argentina, Equador, Paraguai, Uruguai, República Dominicana, Haiti, México, Espanha, Irlanda e Estados Unidos. Ao todo, serão 91 autoridades internacionais no evento.

O vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, chegou ao Chile na última quarta-feira e já se reuniu com Sebastián Piñera e com Gabriel Boric. Também do Brasil, a ex-presidente Dilma Rousseff confirmou presença como convidada especial do novo presidente. Também estarão na cerimônia de posse Juliano Medeiros, presidente do PSOL, e Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco.

O Presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, e o Vice-Presidente do Brasil, Hamilton Mourão, realizam uma reunião bilateral em Santiago, Chile, em 10 de março de 2022.
O Presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, e o Vice-Presidente do Brasil, Hamilton Mourão, realizam uma reunião bilateral em Santiago, Chile, em 10 de março de 2022. VIA REUTERS - CHILE'S PRESIDENT-ELECT PRESS OF

Crise migratória

Depois dos incidentes violentos nos últimos meses envolvendo chilenos e imigrantes no norte do Chile, mais precisamente nas regiões de Tarapacá e de Arica y Parinacota, que fazem fronteira com Bolívia e Peru respectivamente, o presidente Boric terá que resolver o problema da imigração irregular no país. Um tema recorrente na agenda nacional há alguns anos, mas que nos últimos dois tomou grandes proporções.

Manifestantes bloqueiam as ruas enquanto participam de um comício contra migrantes e delinquência depois que um caminhoneiro foi morto por migrantes, de acordo com a mídia local, em Iquique, Chile, 11 de fevereiro de 2022.
Manifestantes bloqueiam as ruas enquanto participam de um comício contra migrantes e delinquência depois que um caminhoneiro foi morto por migrantes, de acordo com a mídia local, em Iquique, Chile, 11 de fevereiro de 2022. REUTERS - STRINGER

A nova lei de imigração, promulgada em abril do ano passado, só entrou em vigência no dia 12 de fevereiro deste ano, quando foi aprovado o seu regulamento pela Controladoria da República. Além disso, uma falha na base de dados do Ministério de Migrações, ocorrida em outubro do ano passado mas recentemente descoberta pela imprensa chilena, apagou os registros de estrangeiros no país. Esses dados permitem a emissão de vistos e o incidente pode ser a razão do atraso na regularização da situação de estrangeiros. Alguns relatam que esperam há mais de dois anos pela emissão do seu visto definitivo.

“Eu acho que o governo de Piñera, inclusive nos seus últimos dias, sabe que a forma que lhe resta para seguir somando pontos políticos é mostrando operativos onde expulsam a estrangeiros em situação irregular, usando macacões brancos e rodeados pela polícia. Esses operativos de expulsão, no geral, não geram grandes mudanças no fenômeno migratório, mas é o que eles podem mostrar", explica Francisco Bustos, acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade do Chile, especialista em Direitos Humanos e integrante da Cátedra de Racismos e Migrações da mesma universidade. "O presidente Boric vai ter muitos desafios e vai precisar converter esses pontos em uma migração segura, organizada e regular. Onde se saiba quem está entrando e que sejam respeitadas também certas proibições”, acrescenta

Violência na Araucanía

Há anos, os conflitos entre comunidades indígenas e grandes empresas agrícolas e florestais são frequentes no sul do país, mais precisamente na região da Araucanía. Essas grandes empresas exploram as terras que são consideradas ancestrais para os povos indígenas chilenos, que têm na etnia mapuche seu maior expoente.

Pode-se dizer que, como em outros países da América do Sul, o conflito de terras e o desrespeito aos povos originários remonta desde o início da colonização, tendo o seu ápice no final do século XIX. Em 1861, depois de décadas de conflitos entre indígenas e colonos, o governo decidiu ocupar a região da Araucanía, criando um plano de ocupação progressiva do território mapuche, impulsado pelo Estado. Um episódio que ficou conhecido como a “Pacificação da Araucanía”.

Membros da convenção constituinte e apoiadores do povo mapuche manifestam em rejeição à militarização da região da Araucania no sul do Chile, protesto que aconteceu em frente ao Palácio La Moneda, em Santiago, em 4 de novembro de 2021.
Membros da convenção constituinte e apoiadores do povo mapuche manifestam em rejeição à militarização da região da Araucania no sul do Chile, protesto que aconteceu em frente ao Palácio La Moneda, em Santiago, em 4 de novembro de 2021. AFP - MARTIN BERNETTI

Mais recentemente, nas últimas décadas, houve uma ecalada dos conflitos violentos causando a morte de um grande número de indígenas nas mãos de agentes do Estado e de policiais em conflito com grupos armados, além da prisão de vários líderes indígenas.

Desde o dia 12 de outubro do ano passado, o presidente Piñera promulgou um estado de exceção na região, que colocou militares armados nas principais cidades e estradas a fim de garantir a diminuição dos episódios de enfrentamento e violência. Boric já disse que quer “chamar para o diálogo” empresários e líderes indígenas.

Crescimento da economia

Após os protestos sociais de 2019, a economia chilena estancou e, poucos meses depois, a pandemia da Covid-19 terminou sepultando esse crescimento: o PIB do país contraiu 5,8% em 2020, segundo o Fundo Monetário Internacional. E, apesar de do crescimento de 11% no ano passado, para 2022 espera-se um crescimento tímido de 2,5%. Esse percentual poderia diminuir ainda mais devido ao contexto internacional, como a guerra entre Rússia e Ucrânia.

Nesse cenário, o crescimento econômico pós-pandemia será um dos grandes desafios para Boric, que necessita fazer crescer a arrecadação fiscal para financiar o conjunto de reformas sociais previsto em seu programa de governo.

O conflito na Ucrânia será especialmente complexo para uma economia tão aberta como a do Chile e o novo governo deverá enfrentar a alta inflacionária que isso provocará, especialmente nos preços dos combustíveis e alimentos.

“O presidente Boric já deu sinais importantes para tranquilizar o setor privado. A nomeação do ministro da Fazenda, Mario Marcel, com muita experiência no governo e no Banco Central, é um exemplo. O presidente e sua equipe econômica têm enfatizado, principalmente desde o segundo turno, a importância do crescimento econômico com desenvolvimento social", afirma Mireya Dávila, acadêmica do Instituto de Asuntos Públicos da Universidade do Chile e Doutora em Ciências Políticas.

"Ele deve combinar a gestão macroeconômica com políticas pró-emprego e apoio aos setores econômicos afetados, como as pequenas e médias empresas. Isso em um contexto internacional complicado pela recente guerra na Ucrânia, que afeta o comércio mundial. A combinação de políticas será a chave para o sucesso da gestão governamental. A economia política da reforma tributária também será um fator-chave na gestão econômica do governo”, diz.

Nova constituição

Boric foi um dos políticos que liderou o acordo que resultou no plebiscito pelo qual foi aprovado o processo de redação de uma nova Constituição no Chile, mas, paradoxalmente, esse será um dos maiores desafios dele. O presidente de esquerda terá que apoiar um novo texto que pode mudar radicalmente a composição dos poderes do Estado, inclusive do Executivo.

O rascunho da nova Constituição ainda não está pronto, mas os homens e mulheres que o estão redigindo podem decidir reduzir significativamente os poderes do presidente, o que pode afetar sua capacidade de levar adiante as reformas que prometeu durante sua campanha.

Além disso, sendo um dos que lideraram as primeiras etapas do processo e um ferrenho defensor da "aprovação" no plebiscito constitucional, a votação pela qual a Carta Magna deve ser aprovada, quando estiver pronta, pode se tornar uma espécie de referendo sobre seu mandato poucos meses depois de tomar posse.

“Existem vários desafios para Boric. Primeiro, tentar influenciar, na medida do possível, para que a Assembleia Constituinte produza um documento relativamente razoável e evite que ele seja rejeitado, o que seria complexo para Boric. Em segundo lugar, lidar com essa rejeição do texto, se ocorrer, e decidir se se deve iniciar um novo processo constitucional. E, terceiro, se a nova Constituição for aprovada, Boric terá que implementá-la”, disse Robert Funk, acadêmico do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile e Doutor em Ciência Política.

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