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Linha Direta

Eleição em Angola: jovens podem pôr fim a 47 anos de governo do mesmo partido

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Cerca de 14 milhões de angolanos são chamados às urnas nesta quarta-feira (24), nesta que está sendo considerada a eleição mais acirrada e tensa desde a primeira votação multipartidária do país, em 1992, com a diferença de que não há mais um ambiente de guerra, e a oposição desta vez está mais organizada e, em parte, unida, na visão de especialistas ouvidos pela RFI.

Os candidatos à presidência de Angola: Joao Lourenço, do partido governista MPLA, e o opositor Aldaberto Costa Junior, da Unita.
Os candidatos à presidência de Angola: Joao Lourenço, do partido governista MPLA, e o opositor Aldaberto Costa Junior, da Unita. © Montage RFI
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Por Vinícius Assis, correspondente da RFI para a África

O cientista político Claudio Silva elogiou a campanha, mas lamentou a falta de debates entre os candidatos e de respeito à lei eleitoral por parte do partido no poder. “[O partido governista] Não tem permitido que os partidos de oposição tenham acesso, na mesma proporção, às mídias estatais. Tem também escolhido fazer propaganda em vez de informar com isenção e verdade”, ele avalia.

Entre a população há uma grande expectativa de mudança nos cenários econômico e social deste segundo maior produtor de petróleo na África e com um forte mercado de diamantes, mas que tem sistemas de saúde e educação que não combinam com um país com tantos recursos naturais. Mesmo na capital é possível ver a desigualdade que marca o país, onde áreas sem saneamento básico contrastam com toda a riqueza ostentada nas luxuosas construções à beira-mar.

Os eleitores devem decidir nesta quarta-feira se põem fim a um longo capítulo da história do país, que tem como protagonista o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido que está no poder desde 1975, ano que a ex-colônia de Portugal conquistou sua independência.

Oito partidos disputam a corrida eleitoral de Angola, uma das seis nações africanas de língua portuguesa. Cada um tenta receber o maior número possível de votos para o Parlamento, porque o líder do partido mais votado conquista a maior quantidade de assentos no Legislativo e se torna, automaticamente, presidente do país. A Assembleia Nacional angolana é formada, ao todo, por 220 deputados.

MPLA x Unita

Dois partidos, siglas tradicionais na política angolana, são os favoritos. Um deles é o MPLA, que, além de ter maioria no Parlamento, com 150 deputados, é o partido do atual presidente, João Lourenço. O outro é a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), a mais potente voz de oposição.

De acordo com a Comissão Nacional Eleitoral, a Unita vem ganhando mais espaço no Legislativo nos últimos anos, principalmente desde o pleito de 2008, o primeiro após o fim da guerra civil que assolou o país. Naquele ano, o MPLA venceu novamente, apesar das acusações de irregularidades e ilegalidades no processo eleitoral, mas veio perdendo assentos desde então.

A Unita atualmente tem 51 deputados, formando a segunda maior bancada da Assembleia Nacional. O partido é liderado por Adalberto Costa Júnior. O presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia, Serra Bango, explica que o grande apoio que a Unita tem não é tanto pelo partido, mas que os eleitores se identificam mais com o candidato. No sentido contrário, o apoio do eleitorado ao atual presidente do país se deve mais à fidelidade ao partido do que por simpatia a ele.

“Portanto, se tivéssemos aqui eleições separadas para o presidente e para o Parlamento, provavelmente teríamos para presidente da República Adalberto da Costa Jr. e para o Parlamento, o MPLA”, explica Carlos Silva à RFI.

Eleição direta para presidente

Ao analisar as propostas dos partidos favoritos, o cientista político conta que algumas são similares, mas a principal diferença é que a Unita propõe uma mudança profunda na estrutura do próprio Estado. “[O partido] Quer mudar a constituição para permitir novamente eleições presidenciais diretas, pretende reduzir os poderes do presidente da República, sugere a separação de poderes entre os órgãos Legislativo, Judiciário e Executivo, visa a despartidarização do Estado angolano e ainda quer implementar eleições autárquicas o mais rápido possível. Já o MPLA aposta na continuidade”, ele afirma.

Neste país com uma das mais altas taxas de natalidade do mundo, cerca de 73% da população tem menos de 30 anos, e boa parte está desempregada. Entre os eleitores, a metade com menos de 35 anos deverá ser decisiva neste pleito. E é, especialmente, o voto dos mais jovens que a Unita busca.

O presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia diz que “o apoio à Unita é visível a olho nu, em todos os cantos, porque os jovens têm uma esperança. Eles perderam a crença no MPLA e, principalmente, no seu candidato. E, por isso, esses jovens acham que é preciso renovar os ares da política em Angola com um outro governo liderado por um outro partido”.

Mesmo sendo um partido que também participou da guerra civil angolana, Serra Bango ressalta que seus líderes não estão diretamente ligados ao conflito, nem seus discursos. Por outro lado, o MPLA viu a bandeira da luta contra a corrupção que levantou nos últimos anos se tornar o “calcanhar de Aquiles” da sigla.

Fraude eleitoral

O professor de História da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, Justin Pearce aposta em outra derrota da Unita. “Eu penso que, muito provavelmente, o MPLA vai ganhar mais uma vez, seja por meios fraudulentos ou não. Neste caso, o primeiro desafio para o governo do MPLA será restabelecer sua credibilidade perante acusações inevitáveis de fraude eleitoral”, destacou.

Pearce também é jornalista e viveu em Angola após o fim da guerra. Ele acompanha assuntos ligados ao país e sabe que o desafio mais importante para o próximo governo será reduzir a pobreza, a desigualdade social e o desemprego. “Para resolver essas questões será necessária uma mudança profunda na economia de Angola, para acabar com a dependência da economia petrolífera que domina Angola neste momento”, ele conclui. O país acaba sendo totalmente refém da volatilidade do preço internacional da commodity.

Pela primeira vez, eleitores angolanos no exterior também poderão votar, pelo menos aqueles que vivem em 12 países específicos. “Parte deste eleitorado tem nível superior, outra forma de ver o mundo, não é tão influenciada pela propaganda do MPLA como os que estão em Angola. Parte considerável da diáspora tem mais simpatia com partidos como a Unita”, descreve Gustavo Plácido dos Santos, analista de risco político.

Mas Santos também acredita na derrota da Unita mais uma vez. “O próximo governo, muito provavelmente, será o governo do MPLA, que ainda deve manter sua maioria absoluta no parlamento”, acredita. O especialista também concorda que “diversificar a economia seria bom para o MPLA, em seu futuro político e para Angola”.

Desigualdade, China e corrupção

A eleição será acompanhada por observadores internacionais e o mandato presidencial em Angola é de cinco anos. Uma lei aprovada no ano passado centraliza, agora, a contagem final de votos nacionais e internacionais na capital, Luanda, o que aumentou o temor de fraude. “É neste percurso onde está o maior receio de que possa acontecer algo estranho”, alertou o presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia, que destacou ainda que partidos estão reclamando sobre a falta de credenciamento de seus fiscais para acompanhar este processo.

A sofisticada Avenida 4 de Fevereiro, na capital, conhecida como Avenida Marginal, ilustra as cifras bilionárias que entraram para os cofres públicos angolanos nos últimos anos, mas sabe-se que muito dinheiro também desapareceu das contas do Estado. Além de organizações não-governamentais, o Fundo Monetário Internacional também chegou a pedir mais transparência em Angola. Porém, sem fazer as mesmas exigências, a China tem se tornado um importante parceiro para o governo angolano, financiando grandes projetos no país, além de ser seu maior importador de petróleo.

É público e notório que meio à pequena elite que se beneficiou de toda essa riqueza vinda principalmente do petróleo está a família do ex-presidente José Eduardo dos Santos, que governou o país por 38 anos. Em sua trajetória, ele fez de Angola uma das principais potências militares e políticas na África Austral. O ex-presidente morreu no mês passado, na Espanha, e seu corpo chegou em Luanda no último fim de semana. Uma das herdeiras, Tchizé dos Santos, que quer que o pai seja enterrado na Espanha, onde passou os últimos anos exilado, acusa o atual presidente, João Lourenço, de usar o corpo do pai como ferramenta de campanha.

“Não é o regresso do corpo do ex-presidente que vai mudar a intenção de voto da vasta maioria do eleitorado”, acredita Claudio Silva. O analista político afirma ainda que “José Eduardo dos Santos é o arquiteto da corrupção em Angola”, e que quando o atual presidente começou sua luta contra corrupção, ele decidiu perseguir justamente os filhos do ex-presidente. “Ele e os filhos se beneficiaram da corrupção em Angola”, sintetiza.

Luanda Leaks

Dos dez filhos de José Eduardo dos Santos, quem esteve no centro de um escândalo internacional há dois anos foi sua filha Isabel dos Santos. Duas décadas de negócios corruptos fizeram dela a mulher mais rica do continente africano, mas deixaram Angola entre os países mais pobres do mundo, de acordo com o Luanda Leaks, investigação conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), publicada em 2020.

O especialista angolano Claudio Silva lembra que as pessoas estão votando nesta quarta-feira por mais democracia, educação e saúde. “Questões fundamentais”, ele classifica, lembrando também da urgência de se reduzir a pobreza e de se resgatar a qualidade de vida do maior número pessoas. “Nós vivemos uma realidade nesse país muito aquém das reais possibilidades que Angola no oferece, muito aquém das riquezas que Angola produz. É necessário mudarmos este cenário para o bem da nossa população”, concluiu.

As primeiras eleições multipartidárias angolanas aconteceram em 1992. A guerra civil no país, considerada uma das mais sangrentas, com cerca de 1 milhão de mortos e 4 milhões de deslocados e refugiados, terminou em 2002.

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