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Linha Direta

Esquerda consegue façanha histórica na Colômbia e novo presidente promete "política do amor"

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Gustavo Petro, aliado de Lula, leva a esquerda pela primeira vez à presidência na Colômbia com o desafio de "um grande acordo nacional" para unir um país dividido. Diante da desconfiança dos investidores com as suas promessas de reformas, novo presidente adota um discurso moderado e prevê aplicar a "política do amor" e "desenvolver o capitalismo".

O recém-eleito presidente colombiano Gustavo Petro (C) discursa em Bogotá, após vencer o segundo turno presidencial em 19 de junho de 2022.
O recém-eleito presidente colombiano Gustavo Petro (C) discursa em Bogotá, após vencer o segundo turno presidencial em 19 de junho de 2022. AFP - JUAN BARRETO
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

"Eu me chamo Gustavo Petro e sou o seu presidente", assim encerrou os 41 minutos de seu discurso de vitória o presidente eleito, responsável por levar a esquerda ao poder pela primeira vez na história da Colômbia. O ex-guerrilheiro, ex-legislador e ex-prefeito de Bogotá conseguiu a vitória na sua terceira tentativa de chegar à presidência. O esquerdista recebeu 50,4% dos votos contra os 47,3% de Rodolfo Hernández.

O discurso de Petro, focado em três eixos - paz, justiça social e justiça ambiental - detalhou seu programa de governo e sua estratégia para conseguir governar, aprovar as reformas e tranquilizar os mercados.

"Este dia é histórico. É uma história que estamos escrevendo neste momento. Uma história para a Colômbia, para a América Latina e para o mundo. Esta é a mudança real. Nela, comprometemos a própria existência. Não vamos trair o eleitorado", prometeu Petro.

A proposta de modelo econômico se baseia em reformas que ampliam direitos num país onde a estabilidade macroeconômica convive com 60% de trabalhadores na informalidade, com 42% de pobreza e com 30% da população que come uma única vez por dia. Para começar a corrigir esse quadro, Petro propõe uma reforma tributária que aumente os impostos sobre os mais ricos para distribuir aos mais pobres, uma reforma previdenciária que pague melhores aposentadorias, uma reforma no sistema de Saúde que garanta acesso a todos e uma reforma agrária sobre latifúndios improdutivos.

Paralelamente, o presidente eleito quer aplicar uma agenda de igualdade de gênero, liderada pela vice-presidente eleita, Francia Márquez, a primeira afro-colombiana no cargo, responsável por comandar o Ministério da Igualdade, a ser criado.

"Depois de 214 anos, conseguimos um governo do povo, um governo popular, um governo das pessoas com as mãos de calos, um governo dos 'ninguém' na Colômbia", discursou a vice-presidente.

No campo ambiental, o próximo governo quer liderar a luta contra as mudanças climáticas com uma transição energética. Petro pretende acabar com a economia extrativista e passar às energias limpas, embora seja a exportação de petróleo, beneficiada pelo aumento da commodity devido à guerra na Ucrânia, a responsável por melhorar as contas públicas da Colômbia. 

Outro desafio será fortalecer o processo de paz, negociando um acordo com o Exército de Libertação Nacional, a última guerrilha ainda ativa no país, depois do acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, em 2016. 

"Este governo, que vai começar no dia 7 de agosto, é um governo que quer construir a Colômbia como uma potência mundial da vida. Se quisermos sintetizar em três eixos no que consiste o governo da vida: a paz, a justiça social e a justiça ambiental", resumiu Petro.

Desafio de unir o país para poder governar 

Na Colômbia, o voto não é obrigatório e 58% dos eleitores foram às urnas, considerada uma alta participação histórica. No entanto, sete de cada dez colombianos não votaram em Gustavo Petro. Do total da população acima de 18 anos, apenas 30% votou em Petro. Os outros 70% ou não foram votar ou votaram em Rodolfo Hernández. 

O voto em Hernández foi, basicamente, um voto anti-Petro. Por isso, o presidente eleito diz estar consciente de que precisa unir a outra metade do país para construir governabilidade.

"Os 10 milhões de eleitores de Rodolfo Hernández são bem-vindos neste governo. Rodolfo Hernández pode dialogar conosco quando quiser. Não vamos usar o poder para destruir o oponente", garantiu o presidente eleito, convocando a "um grande acordo nacional".

"Se me perguntarem para que um acordo nacional, eu responderia que é para construir os máximos consensos que nos permitam as reformas", indicou. "Queremos que seja uma Colômbia e não duas Colômbias. Para isso, precisamos do amor. Entende-se a 'política do amor' como uma política do entendimento, do diálogo, da compreensão", sintetizou.

"Política do amor" pode ser descartada

Em entrevista à RFI, o analista político e pesquisador da Universidade Externado da Colômbia, Jorge Ivan Cuervo, acredita que os partidos políticos tradicionais, derrotados pela primeira vez na história, não querem nenhuma "política do amor".

"Todos os partidos políticos tradicionais e o poder econômico estarão contra Gustavo Petro e vão tornar a vida dele impossível. Petro terá muita dificuldade em construir consenso para conseguir as pretendidas reformas. Vão-lhe dificultar muito a governabilidade. Os opositores vão querer que ele fracasse para, em 2026, poderem disputar as eleições como os salvadores do país", prevê Cuervo.

Além de garantir a governabilidade, o presidente eleito precisa convencer os opositores a aprovarem as suas reformas. Com aliados, a coalizão governista tem cerca de 40% do Congresso, uma boa base, mas insuficiente para uma ousada agenda reformista.

"Se Gustavo Petro quiser cumprir com as reformas ao pé da letra, provocará um cenário muito complexo. Acredito que a realidade na gestão pública deve condicioná-lo à moderação para conseguir avançar", explica à RFI Carlos Sepúlveda, reitor da Faculdade de Economia da Universidade do Rosario, em Bogotá.

Nervosismo nos mercados

Na terça-feira (21), o mercado reabre na Colômbia, depois do feriado de Corpus Christi no país nesta segunda-feira (20). Embora o mercado financeiro já tenha avaliado o cenário de vitória de Petro, continua a desconfiança com quem pretende alterar a lógica de livre mercado.

"Tudo vai depender das propostas de reformas estruturais que ele fizer. Serão sinais ao mercado. O programa de governo é bastante cinza. Gustavo Petro indica levar ao Congresso reformas estruturais. São preocupantes a reforma previdenciária e a reforma na Saúde pelo impacto fiscal que teriam nas contas públicas", adverte Sepúlveda. 

O déficit fiscal projetado para 2022 é de 5,6% do PIB, 1,5% inferior ao de 2021.

"Os mercados têm uma forte preocupação diante do governo de Gustavo Petro no que diz respeito à propriedade privada, à independência dos poderes, entre outros aspectos. Haveria uma reação na taxa de câmbio e certo nervosismo à espera das primeiras decisões de governo", visualiza Carlos Sepúlveda, para quem "ajudariam declarações moderadas e os nomes da próxima equipe econômica".

Petro é economista e sabe que precisa gerar confiança. No seu discurso de vitória, disse que "a propriedade privada não está em risco" e que quer "desenvolver o capitalismo na Colômbia não porque o adore, mas porque a Colômbia está numa fase pré-modernidade, uma ainda feudal".

O novo presidente também quer alterar o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos. Isso indica que o próximo governo tende a ser mais protecionista.

"Prevejo um giro lento no seu modelo de desenvolvimento, mais protecionista. Haverá uma forte desaceleração do crescimento no segundo semestre e uma mudança estrutural que vai depender da capacidade de avançar com as reformas", antecipa o economista Jorge Restrepo, da Universidade Javeriana de Bogotá.

Distanciamento dos EUA e aproximação com os vizinhos

A Colômbia deve se afastar um pouco dos Estados Unidos e se aproximar mais dos vizinhos latino-americanos. Petro vai retomar relações com a Venezuela e deve deixar de reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. O líder venezuelano Nicolás Maduro foi um dos primeiro a cumprimentar o presidente eleito. 

Outro que imediatamente cumprimentou o novo chefe de Estado colombiano foi o aliado Lula. Em alusão ao embalo que a vitória de Gustavo Petro pode representar para sua candidatura, Lula disse que "a vitória de Petro fortalece a democracia e as forças progressistas na América Latina".

"A vitória de Petro serve para Lula apontar na sua campanha que, com Gabriel Boric [no Chile] e com Gustavo Petro, pode-se começar a reconstruir uma aliança progressista na América Latina", aponta o analista Jorge Ivan Cuervo.

Petro tem a agenda ambiental como prioritária. No seu discurso de vitória, defendeu os cientistas que advertem sobre o aquecimento global. O presidente eleito anunciou que quer a Colômbia na liderança mundial das ações climáticas e que vai propor a todos os países da América Latina acelerar a transição energética. Também indicou que pretende negociar com Washington uma espécie de financiamento a essa transição já que os Estados Unidos são o país mais poluidor do mundo. 

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