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Linha Direta

Para evitar nova moratória, Argentina deve tornar lei acordo com FMI que tende a não ser cumprido

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O Senado da Argentina debate nesta quinta-feira (17) se aprova a autorização para o Estado se financiar com o Fundo Monetário Internacional, tornando lei o acordo financeiro anunciado em 3 de março passado. O acordo, no entanto, é considerado 'light' por economistas e analistas porque não envolve reformas estruturais nem profundos ajustes econômicos. Basicamente, evita que a Argentina entre numa nova moratória e prolonga a atual situação econômica até 2024, quando o país terá um novo governo.

Protesto em frente ao Congresso durante votação para retificar a lei do acordo do governo com o FMI para cerca de US$ 45 bilhões em dívidas. Buenos Aires, Argentina. Quinta-feira, 10 de março de 2022.
Protesto em frente ao Congresso durante votação para retificar a lei do acordo do governo com o FMI para cerca de US$ 45 bilhões em dívidas. Buenos Aires, Argentina. Quinta-feira, 10 de março de 2022. AP - Rodrigo Abd
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Por Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A votação é o aval necessário para a diretoria do FMI também aprovar o refinanciamento de US$ 44,5 bilhões, alargando o prazo de pagamento a 10 anos, com um período de graça de quatro anos e meio, entre 2026 e 2034.

Poucos acreditam que o presidente Alberto Fernández possa cumprir com as metas, devido à falta de confiança no rumo econômico, à falta de apoio da sua própria coalizão e à invasão russa na Ucrânia que altera os preços das matérias primas.

Aval do Congresso

O acordo não precisaria de um aval dos legisladores. Essa não é uma exigência do FMI. No ano passado, o governo aprovou uma lei que obriga o Parlamento a ser sócio desta decisão como o objetivo de dividir os custos de um ajuste fiscal com a oposição.

No entanto, nas eleições legislativas de novembro passado, os governistas perderam a maioria no Congresso. A oposição, agora em paridade de forças, retirou o artigo do texto que incluía uma aprovação da política econômica do governo para cumprir com o acordo. A oposição discorda da atual condução da economia argentina.

"De onde vai sair o dinheiro para reduzir o déficit fiscal? Das exportações agropecuárias? Vamos insistir nas mesmas receitas de fracasso? Este acordo é um 'plano adiar' porque só tenta chegar até o final do mandato e jogar o problema, cada vez maior, para o próximo governo, provavelmente da oposição", explica à RFI o senador opositor Luis Juez.

"Temos um governo que, em 26 meses de mandato, ainda não tem um plano econômico. Não fomos partícipes das negociações, mas o governo pretendeu nos fazer sócios na sua desgraça", acusa Juez.

Por isso, o que se aprova é apenas uma autorização para que o Estado refinancie a dívida de US$ 44,5 bilhões com o FMI, uma dívida contraída em 2018 e que será agora estendida devido à falta de recursos financeiros para enfrentar os próximos vencimentos.

O acordo financeiro não implica novos créditos. Para o refinanciamento, o FMI vai desembolsar, gradualmente, o montante de cada vencimento para que a Argentina pague a dívida antiga, assumindo uma nova dívida com prazos estendidos.

É praticamente certa a aprovação porque, mesmo que a oposição considere o acordo insuficiente para o país, a Argentina tem pressa para não entrar em moratória dentro de cinco dias.

Moratória à vista

Na próxima terça-feira (22), vencem US$ 2,8 bilhões com o próprio FMI. A Argentina não tem esse dinheiro. É provável que, mesmo aprovado o acordo nesta madrugada no Senado, a Argentina entre tecnicamente em moratória, devido aos prazos para a reunião da Diretoria do FMI e a transferência dos fundos para pagamento da dívida antiga. Mesmo que passe do dia 22, o atraso não teria consequências se o acordo já estiver aprovado.

"Tiveram dois anos para negociar e esperaram ficar com a corda no pescoço só para não pagarem o custo de um ajuste fiscal num ano eleitoral", critica o senador Luis Juez.

Sem reformas

O próprio presidente Alberto Fernández anunciou que o acordo não implica nenhuma reforma. Nem trabalhista nem previdenciária nem tributária nem monetária.

"O problema é que a Argentina precisa de todas essas. Por isso, o acordo com o FMI serve para ganhar tempo até o final do mandato, mas não resolve nada. Os investimentos não virão e os que estão vão parar ou sair. É o que vem acontecendo", avalia o analista de mercado Claudio Zuchovicki.

O ministro da Economia, Martín Guzmán, reforça que não haverá nenhum ajuste no Estado.

A conclusão lógica é que, sem reformas estruturais e sem redução no tamanho do Estado, a conta será paga por duas vias: pelo lado dos privados, através do aumento de impostos e do aumento de tarifas; pelo lado dos servidores e dos aposentados, através da inflação como aliada, diluindo os salários.

Foi a trajetória dos últimos dois anos, desde que Alberto Fernández assumiu. Foram criados 19 novos tributos e os aposentados receberam reajustes inferiores à inflação.

Mas esse, porém, é um dos compromissos com o FMI: o de atacar a inflação galopante que soma 52,3% nos últimos 12 meses.

Uma das medidas já antecipadas é uma reavaliação dos valores dos imóveis na cidade de Buenos Aires. Os valores devem aumentar em 400%, aumentando a arrecadação via IPTU e via imposto sobre os bens.

A redução do déficit fiscal será gradual até 2025. Em 2022, o déficit primário deverá cair dos atuais 2,9% do PIB a 2,5%. Em 2023, o déficit primário deverá diminuir a 1,9% e chegar a 0,9% em 2024. O déficit deverá ser zero em 2025, tarefa que ficará para o próximo governo que vai assumir em dezembro de 2023.

Falta de cumprimento

Toda a política econômica do governo e a dinâmica do mundo indicam que a Argentina dificilmente consiga cumprir com o acordo.

"Tomara que não cumpram mesmo o acordo com o FMI, tal como o mercado prevê, porque o sinal é de que todo o custo será pago pelos privados", observa Zuchovicki.

A aposta do mercado era que o governo não cumpriria com as metas fiscais a partir do ano que vem, um ano eleitoral. Porém, o impacto da guerra na Ucrânia sobre os preços das matérias primas antecipou essa aposta já para este ano.

Embora a Argentina seja exportadora de commodities agrícolas, é importadora de commodities energéticas, mas o benefício da primeira não compensa o custo da segunda.

Uma das poucas metas estabelecidas com o FMI é a redução de subsídios, principalmente à energia. As tarifas de serviços públicos no país estão congeladas, apesar da inflação de 123%, acumulada nos últimos dois anos do atual governo.

Os aumentos nas tarifas de energia previstos vão de 20% a 130%, dependendo do segmento social.

O risco é de que, por mais aumento que haja, os subsídios não diminuam, mas a inflação aumentem. Com isso, as metas fiscais e monetárias não devem ser cumpridas.

Fogo amigo

Há ainda o risco político. O governo está fraturado e o presidente Alberto Fernández não tem apoio político, nem mesmo da sua coalizão, para aplicar o acordo com o FMI.

O governo enfrenta uma rebelião de legisladores governistas, liderados pela vice-presidente Cristina Kirchner, no Senado, e pelo seu filho, o deputado Máximo Kirchner, na Câmara.

Se o presidente Alberto Fernández dependesse dos aliados, a Argentina iria à moratória. Paradoxalmente, é a oposição que vai salvar o governo.

"O acordo será aprovado não porque a oposição concorde com o acordo, mas porque quer evitar o mal maior: o default. A oposição vota sob a mira da pistola da moratória", ilustra o cientista político, Lucas Romero.

"Ao mesmo tempo, Alberto Fernández ficou dependente da oposição para conseguir aprovar", aponta.

"A oposição não governa, mas é a que está sustentando este presidente porque os seus próprios se esconderam e ameaçam pular do barco", acrescenta o senador Luis Juez.

Dos 35 senadores governistas, apenas 20 devem aprovar o acordo. São necessários 37 votos.

Há uma semana, quando a Câmara de Deputados deu meia sanção, eram necessários 129 votos. O acordo foi aprovado por 202 votos, mas apenas 77 foram votos governistas. Dos 118 deputados governistas, 41 viraram as costas para o governo.

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