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Linha Direta

Equador vai às urnas polarizado entre direita conservadora e candidato de Rafael Correa

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No próximo domingo (7), o Equador vai às urnas, inaugurando o calendário eleitoral da América Latina em 2021. Além de presidente e vice-presidente, os equatorianos renovam todos os 137 deputados da Assembleia (Congresso unicameral). Dos 16 candidatos à presidência, dois aparecem nas pesquisas como favoritos e representam exatamente o oposto um do outro. O Equador vai decidir se dá uma guinada à direita ou se prefere a volta ao poder da esquerda de Rafael Correa, condenado por corrupção.

São 16 candidatos, mas apenas três têm números expressivos:  o candidato liberal e conservador, Guillermo Lasso,pela esquerda, Andrés Arauz e o candidato Yaku Pérez  indígena e ecologista.
São 16 candidatos, mas apenas três têm números expressivos: o candidato liberal e conservador, Guillermo Lasso,pela esquerda, Andrés Arauz e o candidato Yaku Pérez indígena e ecologista. © Fotomontage com imagens da AP/Dolores Ochoa
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Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

De um lado, Guillermo Lasso (65), candidato liberal conservador, ex-banqueiro e ministro da Economia. Ele é apontado como um dos responsáveis pela crise de 1999 que levou o país à hiperinflação, à posterior dolarização da economia, à falência de 21 dos 42 bancos no Equador e ao êxodo de três milhões de equatorianos.

Do outro, um desconhecido Andrés Arauz, candidato a presidente de apenas 36 anos, o mais novo da história do Equador. O jovem economista é artífice do regresso ao país do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), condenado a oito anos de prisão por corrupção, aliado do chavismo venezuelano, do Movimento pelo Socialismo boliviano e do kirchnerismo argentino.

Também aparece nas pesquisas Yacu Pérez (51), de centro-esquerda. Ecologista e representante de organizações indígenas, ele seduz os jovens pelo estilo, pelo discurso e pelas propostas. Embora não tenha chances de ganhar, seu eleitorado pode inclinar a balança para um lado ou para o outro.

Em jogo, um modelo de poder

"O que está em jogo nestas eleições é a própria Democracia. Estamos diante de uma situação grave no país", define à RFI a cientista política e analista internacional, Ruth Hidalgo, da equatoriana Universidade das Américas.

"A disputa não é apenas entre direita e esquerda, mas entre Democracia com direitos, liberdades, institucionalidade e divisão de poderes, por um lado, e autoritarismo, acúmulo de poder, perda do estado de direito, pelo outro", garante Hidalgo, também diretora da ONG Participação Cidadã, dedicada ao fortalecimento da democracia e à transparência nos processos eleitorais.

Ruth Hidalgo baseia-se nos dez anos em que Rafael Correa foi presidente, ou hiper presidente, dado o acúmulo de poder em detrimento do Legislativo e do Judiciário a que submeteu o país. Correa criminalizou o protesto e proibiu a imprensa de investigar casos de corrupção.

O cientista político equatoriano Simón Pachano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO) também vê o país fraturado com a eventual volta de Rafael Correa, caso Andrés Arauz vença.

"Pode significar reformas na Constituição, feita à medida dos interesses políticos de Rafael Correa e do chamado 'correísmo'. Não podemos descartar o cenário no qual se habilita a reeleição indefinida para Correa ser novamente candidato e tentar perpetuar-se no poder", indica Pachano à RFI.

Uma campanha virtual

Rafael Correa mora na Bélgica desde que deixou o poder em 2017. Foi condenado por corrupção. Não pode voltar ao Equador sem ser preso. Mesmo que não tivesse sido condenado, não poderia ser candidato porque a Constituição, que ele mesmo reformou, só permite uma reeleição, que ele já teve. Mas Andrés Arauz fez campanha em nome de Rafael Correa. Nos cartazes e nas propagandas eleitorais era o rosto de Correa que pedia votos para Arauz.

Devido à pandemia, a breve campanha eleitoral iniciada em 28 de dezembro limitou-se às carreatas, aos meios de comunicação tradicionais e às redes sociais. A campanha virtual favoreceu Correa que parecia presente, mesmo distante. "Arauz presidente, Correa presente", gritavam os militantes do 'correísmo' na quinta-feira (04), último dia de campanha.

"Rafael Correa tem uma condenação, mas foi o chefe da campanha de Arauz", conta Ruth Hidalgo. A estratégia lembrou o de Evo Morales, exilado na Argentina, mas líder da batalha eleitoral que levou Luis Arce à Presidência da Bolívia.

Fantoche político?

Se Arauz for eleito, isso significa que Correa poderá voltar ao poder? O candidato prometeu que, se sair vitorioso das urnas indultará Rafael Correa, que será seu principal assessor. Ele também anunciou que convocará uma Assembleia Constituinte.

"Com Arauz, Rafael Correa voltará ao país. Ou os juízes encontrarão alguma figura jurídica que anule os processos por corrupção, a exemplo do que vimos na Bolívia com Evo Morales, ou a Assembleia votará uma anistia. Um presidente não pode indultar porque os crimes por corrupção não são passíveis de indulto", explica Simón Pachano.

Arauz também avisou que não vai cumprir com o acordo fechado pelo atual presidente Lenín Moreno com o Fundo Monetário Internacional e que 'desdolarizará' a economia. No Equador, a moeda oficial é o dólar americano.

Lenín Moreno não concorre à reeleição. Publicamente, não apoia ninguém, nem ninguém quer o seu apoio. Com apenas 5% de popularidade, se apoiasse alguém, esse candidato provavelmente perderia votos.

"Lenín Moreno foi apenas um presidente de transição e bem fraco. Permitiu e favoreceu o combate à corrupção, mas faltou-lhe liderança e conhecimento para avançar mais em fortalecer a democracia e as instituições", observa Ruth Hidalgo. "Foi uma transição pela metade", sintetiza.

"Foi o mais fraco governo desde o retorno da Democracia em 1979", concorda Simón Pachano.

Guillermo Lasso, na sua terceira tentativa de chegar à Presidência, opõe-se à desdolarização e ao aborto, mesmo em casos de estupro. Denuncia que "Arauz transformará o Equador em uma nova Venezuela".

Sondagens e tendências

Existem sondagens para todos os gostos. A maioria indica uma liderança do candidato da esquerda, Andrés Arauz, do União pela Esperança (UNES) com cerca de 30%.

Duas, no entanto, apontam para uma liderança de Guillermo Lasso, do Criando Oportunidades (CREO, na sigla em espanhol num trocadilho com 'creio'). Mas segundo a maioria das sondagens, ele teria em torno de 26%.

Yacu Pérez, o terceiro na disputa e fiel da balança num eventual segundo turno, aparece com cerca de 15%. A disputa ainda está aberta porque 14% continuam indecisos e 17% dos eleitores pretendem anular o voto.

No Equador, para ser eleito no primeiro turno, basta superar os 40% dos votos, desde que a diferença com o segundo colocado seja de, pelo menos, 10 pontos. Algumas pesquisas, colocam Arauz perto dos 40%.

"Acredito que haverá segundo turno. Embora Rafael Correa tenha muitos votos cativos, a sua capacidade de transferir votos é limitada. Além disso, existe muita resistência ao seu nome", avalia Pachano.

"Yacu Pérez consegue roubar votos da esquerda de Arauz. Dentro da própria esquerda, há um setor que é anti-Correa, que teve uma péssima relação com as organizações sociais quando era governo. Os protestos sociais foram reprimidos e criminalizados", sublinha.

"Também acredito que haverá segundo turno. Tenho feito muitas investigações nesta reta final e tenho visto sinais de desgaste na campanha de Arauz. Uma reportagem divulgada pela revista colombiana "A Semana” deve um grande impacto, afirma Ruth Hidalgo. A matéria denuncia que a guerrilha do Exército de Libertação Nacional (ELN) financiou a campanha de Arauz, que negou a acusação.

Onda de esquerda

Tanto Simón Pachano quanto Ruth Hidalgo acreditam que o Equador possa ser a próxima peça de esquerda de um dominó político que começou pelo México em 2018, seguiu pela Argentina em 2019 e continuou pela Bolívia no ano passado.

"Se Arauz ganhar, acredito que seja parte de uma nova virada à esquerda na região, mas devemos considerar que não se trata de um grupo majoritário de países à esquerda. É minoritário", sublinha Pachano.

Hidalgo acredita que o Equador pode ser um ponto de inflexão: ou confirma uma onda de esquerda que se propaga pela América Latina ou será o país onde essa onda se rompe.

"Esse é outro desafio dessas eleições: se o Equador vai romper ou avançar com essa expansão pela América Latina. Se romper, será um ponto de inflexão na região e pode ser também um ponto de partida para a direita avaliar novas propostas para corrigir o que tem errado e levado as pessoas a preferirem voltar a determinadas políticas", conclui.

 

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