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Linha Direta

Luis Arce e David Choquehuanca são as novas caras do poder na Bolívia

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O Tribunal Superior Eleitoral da Bolívia ainda contabiliza os votos da eleição do último domingo (18). Mesmo assim, o economista Luis Arce já é considerado o novo presidente do país. Ele foi reconhecido pela presidente em exercício, Jeanine Áñez, e pelo adversário centrista Carlos Mesa, que também estava na disputa eleitoral. A ampla vitória já no primeiro turno do candidato do Movimento ao Socialismo (MAS), herdeiro político de Evo Morales, surpreendeu alguns analistas. 

Luis Arce, à esquerda, e David Choquehuanca, de máscara, celebram os dados das pesquisas de boca de urna que apontaram a vitória da chapa do MAS no primeiro turno da eleição presidencial na Bolívia.
Luis Arce, à esquerda, e David Choquehuanca, de máscara, celebram os dados das pesquisas de boca de urna que apontaram a vitória da chapa do MAS no primeiro turno da eleição presidencial na Bolívia. REUTERS - UESLEI MARCELINO
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Muitos não acreditavam na volta do MAS ao poder. Um economista que assumiu cargos ministeriais entre 2005 e 2017, e que preferiu não ser identificado, explicou à RFI que o país esperava pelo segundo turno, mas, no último momento, os indecisos e a classe média votaram por Arce. "Ele apresentou propostas econômicas e as pessoas acreditaram. Arce é visto como quem pode resolver a economia do país”, destacou. 

Na polarizada Bolívia também paira a frustração dos que esperavam a vitória da oposição. Para a economista Natasha Morales, o governo opositor de Jeanine Áñez foi um dos responsáveis pela vitória do MAS. “Ela entrou com um discurso muito retrógrado, racista, confrontador e começou a fazer perseguições políticas ao estilo do partido de Evo”, disse em referência ao cerco a opositores. 

Pessoas ligadas ao ex-presidente se exilaram no exterior ou pediram asilo na embaixada do México após o golpe de Estado que tirou Evo Morales do poder, em novembro de 2019.

A força política do MAS está nas áreas rurais e indígenas mas, explica a economista, “desta vez o partido ganhou pelo voto da classe média porque o discurso fascista de Áñez gerou rejeição". "O governo provisório buscou dividir, polarizar e fazer perseguições políticas. A análise do povo foi do estilo: se é para ir por aí, preferimos o MAS”, comentou Natasha Morales. 

A crise econômica gerada pela pandemia também incentivou o voto no MAS. O eleitorado associa a imagem de Arce aos anos de equilíbrio econômico, que coincidem com o período em que ele foi ministro de Economia.    

A engenheira comercial Claudia Vasquez, moradora de Santa Cruz de la Sierra, está impactada com o resultado. “Foi um resultado tão rápido, enquanto o Tribunal Supremo Eleitoral ainda está fazendo a contagem dos votos. Como cidadã, que esperava uma mudança na política do meu país, me sinto frustrada”, afirma. 

Perseguição política

A advogada Maria Rivera, moradora de La Paz, reagiu de maneira similar. “Eu pessoalmente estou surpresa por causa da alta votação do MAS depois de anos de burla à nossa Constituição. Com medo da perseguição (política) tem gente procurando vender suas casas.”

Algumas pessoas planejam sair do país antes de uma suposta guinada política rumo ao socialismo e com receio do que isso poderia representar em termos de liberdade política. 

Uma das fontes consultadas pela RFI afirma que nos próximos dias Jeanine Áñez deve se afastar do governo. Ela poderá sair do país ou buscar refúgio em Santa Cruz de la Sierra, departamento que é reduto dos opositores ao MAS. 

Sob influência de Evo, "pero no mucho"

Durante a divulgação da chapa do MAS às presidenciais, Morales afirmou que Arce e Choquehuanca ganhariam no primeiro turno. A declaração pôde ser interpretada como uma demonstração da influência do ex-presidente ao lado dos que foram, respectivamente, seus ministros de Economia e de Relações Exteriores. Críticos de Evo afirmam que ele continuará comandando a Bolívia por meio de Arce. No entanto, de acordo com a fonte ministerial ouvida pela RFI, a influência de Morales será restrita. O motivo seria uma desavença que causou o afastamento entre o ex-presidente e o novo vice-presidente. A fonte acredita que, desta vez, “Evo não terá tanta influência por causa de Choquehuanca”. 

O novo gabinete presidencial ainda será divulgado. Mas o vice-presidente eleito informou que nenhum ex-ministro voltará a ocupar pastas na nova gestão. 

“Na política, Arce até pode escutar Evo, mas não será assim na parte econômica”, explica a fonte que pediu anonimato à reportagem. 

Outro ponto em suspenso é a possível volta de Morales à Bolívia. Isso pode acontecer a qualquer momento, após a suspensão dos processos judiciais apresentados contra o ex-presidente. Porém, as futuras ações de Morales são uma incógnita. Apesar da denúncia de fraude eleitoral apresentada pela Organização de Estados Americanos, que deflagrou uma série de protestos em todo o país no ano passado, ele poderia afirmar que ganhou as eleições de 2019 e que foi vítima de um golpe de Estado. 

No entanto, o especialista consultado pela RFI garante que “boa parte dos movimentos sociais concordam que Evo volte” e que “não haverá golpe, já que Choquehuanca tem mais acesso do que Evo aos movimentos sociais”. 

Renovação e recuperação 

O ativista social Juan Marcelo Castro vê o partido em outra fase. “Evo gravita no MAS, porém o povo votou por uma mudança no partido. O Movimento não é o Evo. Essas pessoas não votaram por Evo, votaram pelo Movimento ao Socialismo. Arce e Choquehuanca conseguiram uma coesão no MAS.” 

O ativista explica que o primeiro ano de governo será de conciliação porque Arce não é da linha de Morales. "Ele é um tecnocrata. Não é um líder em si”, argumenta.

A Bolívia tem uma das maiores reservas de lítio do mundo, mas se encontra, como a maioria dos países, com sua economia afetada pela pandemia do coronavírus. O metal é usado em baterias de celular e em carros elétricos. Investir na industrialização e na produção de lítio é a aposta do governo de Arce para a revitalização da economia boliviana. Ele espera gerar 130 mil novos postos de trabalho, diretos e indiretos, em mais de 40 indústrias destinadas a esta produção no país.

A dupla Arce-Choquehuanca terá desafios pela frente. A Bolívia atravessa a sua mais profunda crise econômica em quase 40 anos. O país tem uma previsão de contração do PIB de 6,2% em 2020, a pior queda desde os anos 1980, quando experimentou hiperinflação. Além disso, o país tem significativas dívidas com organismos internacionais, tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Um aspecto que pode ser favorável ao próximo governo é o fato de Jeanine Áñez ter mantido a estrutura ministerial da época de Arce como ministro da Economia. 

“Lá estão cerca de 80% de seu pessoal. Acredito que algum desses (profissionais) será seu ministro”, explicou a fonte.

Natasha Morales diz desconhecer a forma como os organismos internacionais vão avaliar o novo governo. Além disso, “em algum momento, a moeda vai se desvalorizar”.

Relações com o Brasil

A economia boliviana sente de imediato os reflexos de qualquer variação econômica brasileira. A fonte ligada ao ministério garante que “Arce não seria irresponsável de cortar relações com o Brasil”. 

No entanto, “Luis Arce tende à linha de trabalhar com a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América e isso não vai mudar. Vão voltar a fortalecer a ALBA, já que Áñez rompeu relações com este bloco”, criado em 2004 e integrado por países de tendência socialista. 

Outra possibilidade para reforçar a área econômica do país é que a Bolívia volte a pedir apoio em termos de crédito à China e, assim, não aprofundar as relações com o Brasil.

Arce, 57 anos, estudou na Universidad Mayor de San Andrés, em La Paz, e fez mestrado na British University of Warwick. Ele trabalhou durante 18 anos no Banco Central e foi ministro da Economia e Finanças durante a maior parte do mandato de Morales. Sob Morales, a Bolívia aumentou seu Produto Interno Bruto de US$ 9,5 bilhões anuais para US$ 40,8 bilhões e reduziu a pobreza de 60% para 37%, de acordo com dados oficiais. Ele deve assumir a presidência na primeira quinzena de novembro, indicou o TSE, sem divulgar a data.

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