Acessar o conteúdo principal
Esporte em foco

Copa de 2023 estabelece novo paradigma para o futebol feminino internacional

Publicado em:

Estádios lotados. Recordes de público semelhantes ao Mundial masculino. Disputas emocionantes que fizeram vibrar milhões de telespectadores ao redor do mundo. A Copa do Mundo Feminina de 2023 mostra ao planeta que um esporte criminalizado no Brasil durante quatro décadas pode trazer dividendos, alegrias e pertencimento a gerações de mulheres, mudando de vez o paradigma do futebol feminino internacional. A comentarista Milly Lacombe e a atacante Ary Borges comentam a conquista e desafios.

A estrela australiana dos gramados, Sam Kerr, uma das principais atrações da Copa do Mundo de 2023, se tornou uma referência para as novas gerações de meninas australianas.
A estrela australiana dos gramados, Sam Kerr, uma das principais atrações da Copa do Mundo de 2023, se tornou uma referência para as novas gerações de meninas australianas. AFP
Publicidade

Márcia Bechara, da RFI

A jornalista, comentarista esportiva e escritora Milly Lacombe acredita que esse Mundial na Austrália e Nova Zelândia  trouxe também a consolidação de uma luta fora dos gramados, num pais - o Brasil - que proibiu o futebol feminino durante mais de quarenta anos

“Acho que algumas coisas ficam consolidadas com essa Copa e é justamente a noção dessa consolidação que está deixando tanta gente emocionada, mesmo quem não gosta de futebol”, diz a comentarista esportiva, jornalista e escritora Milly Lacombe. "Tem uma consolidação a respeito da luta feminista, que é muito eloquente. A luta chegou em algum lugar, não importa se você gosta ou não de futebol, e existem mulheres fazendo um esporte que elas foram proibidas de fazer, que nunca foi legítimo, mesmo quando foi legal, que não foi incentivado, que não teve apoio. Mesmo assim, a gente fez isso aí que está o mundo inteiro vendo", celebra.

Mesmo com toda a falta de incentivo e a proibição, '"a gente fez do futebol um esporte altamente competitivo para mulheres", lembra a jornalista. "Mesmo em países da periferia do capitalismo, como o Haiti, por exemplo, conseguiram ter um futebol feminino sólido. Eu acho que essa consolidação deixa todo mundo meio, abismado. Nós, da luta feminista, quando a gente olha, a gente fala, meu Deus, deu certo, sabe? Então é um incentivo para que a gente continue", comemora Lacombe, que vem comentando diariamente o Mundial para o portal UOL.

Periferia do capitalismo

"O que me deixou muito comovida nessa Copa foi ver a atuação de seleções como Jamaica, Filipinas, Panamá e até a Colômbia, porque a gente não esperava que a Colômbia vencesse como ela venceu... São seleções que estão na periferia do capitalismo, devastadas por séculos de exploração. Aí você vai lá e vê o futebol feminino vigente, positivo, operante, um time bom, um time coeso, com todo o respaldo tático, técnico, e isso me deixou muito emocionada", testemunha a comentarista esportiva.

"E tinha a Zâmbia, com um escândalo vindo do treinador, que está sendo acusado de assédio sexual pelas próprias jogadoras... O cara estava ali à beira do gramado... Então a gente luta não só para ganhar o jogo, mas a gente luta para vencer também esse sistema machista, misógino", pontua.

"Esta Copa estabelece um novo paradigma, em termos de resultados, audiência, comparecimento nos estádios, repercussão. Eu acho que a própria FIFA está um pouco chocada com o que está acontecendo. Nada jamais será como antes no futebol feminino depois dessa Copa", afirma Lacombe.

Legado de Marta

"Foi a primeira vez que eu vi crianças chorando com suas ídolas mulheres nos estádios. Crianças chorando pela camisa da [artilheira australiana] Sam Kerr, por exemplo. Crianças chorando com o gol da [jogadora norte-americana Krista] Ford... A Marta abriu também esse caminho, mas agora nessa Copa do Mundo a gente está vendo que é no mundo inteiro, Quando você vê a Sam [Kerr] entregar a camisa para a criança, e a menina fazer aquela cara de meu Deus do céu, eu não acredito que eu ganhei essa camisa, isso mostra muito como essa conquista não tem volta, porque essa criança vai crescer sabendo que ela pode amar futebol, jogar futebol. A Marta e a Sam foram de uma geração que cresceu achando que a gente não podia, mas fomos mesmo assim, a luta pela luta. Agora a luta conta com um ponto de chegada, um objetivo", diz.

A jornalista, comentarista esportiva e escritora Milly Lacombe.
A jornalista, comentarista esportiva e escritora Milly Lacombe. © Arquivo pessoal

Transição sem Marta

A comentarista esportiva comentou falou também sobre os próximos passos da seleção feminina de futebol: "Eu acho que a seleção precisar agora encarar a transição sem a Marta, porque talvez ela jogue a Olimpíada, mas não acredito que ela jogue a próxima Copa", avalia. 

"Essa transição precisa ser feita. A gente vai precisar fazer essa transição dentro de casa também. A CBF vai precisar ter um departamento de futebol feminino", critica. Também seria necessário fazer uma coisa que nem o masculino tem, que é saber responder à pergunta 'quem queremos ser em campo?' Essa pergunta precisa ser respondida esportivamente, filosoficamente, porque a partir dessa resposta que a gente pode trazer, por exemplo, um treinador como o Arthur Elias, que é o treinador do Corinthians, é um cara altamente vencedor", aponta Lacombe.

"É um cara que trabalha exclusivamente com o futebol feminino desde o início da carreira dele. Fez do Corinthians o melhor clube do Brasil e o melhor clube da América Latina, um técnico com muita inteligência e que sabe o que é ser mulher dentro do campo. Então eu começaria por aí, tentando entender quem a gente quer ser em campo", acredita.

Críticas a Pia

“A Pia [Sundhage, técnica sueca da seleção feminina] nunca entendeu quem éramos, quem era o Brasil em campo, ela nunca se viu dentro do time, ela não fala português, então isso pra mim é um absurdo. É um absurdo ela ter feito uma convocação em inglês, uma língua que não é nem a dela, nem a nossa. Para mim era um sintoma. Ela morou 4 anos no Brasil”, ataca Lacombe, que também criticou bastante desde o início a não escalação de Cristiane para a esquadra brasileira.

Rivalidades construtivas e Olimpíada

Milly Lacombe também fez suas apostas para o futuro das jogadoras brasileiras. "Acho que para seleção brasileira vai depender muito de como a CBF vai agir até daqui a 12 meses, que é o tempo que a gente tem para recomeçar o trabalho para o futebol feminino mundial", considera.

"Eu acho que algumas rivalidades vão sendo estabelecidas e rivalidade faz muito parte da construção do esporte. Vimos aí, Inglaterra e Austrália, Suécia e Espanha, França e Marrocos, Colômbia e Inglaterra, acho que tem muito também desse embate colonizador-colonizado, sabe? Eu acho que tem coisas boas nascendo aí... Rivalidades sendo germinadas. E isso é. Bom para a Olimpíada. Vamos colocar a barra um pouco mais alta na Olimpíada para o futebol feminino", conclui. 

A atacante da seleção brasileira Ary Borges.
A atacante da seleção brasileira Ary Borges. © Thaís Magalhães/CBF

O "furacão" Ary Borges

Segundo a jovem atacante da seleção brasileira e revelação deste Mundial feminino, a jogadora Ary Borges, " ter jogado uma Copa do Mundo foi a realização de um sonho muito grande". "Foi algo que eu sempre desejei na minha carreira. Infelizmente, o resultado não foi o que a gente esperava, mas óbvio que dá para tirar lições desse momento", disse Ary Borges em entrevista à RFI.

"A Copa reúne as melhores seleções do mundo, e essa última mostrou como o nível das equipes tem melhorado. O que eu tiro de lição [desse Mundial] é poder me preparar cada vez mais para esse nível de competição", afirmou a jogadora. "Ainda não estou pensando muito na Olimpíada, até porque tem o final de temporada agora com meu clube, mas eu quero trabalhar muito para poder estar lá e realizar mais um sonho e, com certeza, tentar um resultado diferente do da Copa. O que eu espero para a Olimpíada é buscar uma medalha enquanto jogadora da seleção", concluiu o jovem talento do futebol brasileiro.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.