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Esporte em foco

Insultos contra Vini Jr.: quais medidas são eficazes para combater o racismo no futebol?

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Os insultos racistas contra o atacante do Real Madrid Vinicius Júnior, no último domingo (21), chocaram o mundo inteiro e trouxeram à tona, mais uma vez, a gravidade do preconceito racial no futebol. Pressionados pelo falta de reação, dirigentes esportivos têm o desafio de trazer soluções para esse problema, estrutural nas sociedades ocidentais, e que se tornou inerente ao futebol. A RFI consultou especialistas sobre a questão.

O jogador brasileiro Vinicius Jr. (centro) aponta para torcedores que o insultaram durante a partida entre o Real Madrid e o Valencia, em 21 de maio de 2023.
O jogador brasileiro Vinicius Jr. (centro) aponta para torcedores que o insultaram durante a partida entre o Real Madrid e o Valencia, em 21 de maio de 2023. © Pablo Morano - Reuters
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Daniella Franco, da RFI

"Macaco", "puto negro", "cachorro", "burro": Vini Jr. ouve esse tipo de ofensa desde outubro 2021, quando foi registrado o primeiro episódio racismo contra o atacante brasileiro, um ano após chegar ao clube merengue. As agressões se intensificaram nos últimos meses: em 26 de janeiro, um boneco representando o jogador foi pendurado pelo pescoço, simulando um enforcamento, em uma ponte de Madri. 

Nesta quinta-feira (25), um tribunal espanhol anunciou que quatro torcedores acusados de crime contra a integridade moral e crime de ódio, detidos para interrogatório no início desta semana, foram responsabilizados pelo ato. Sob liberdade condicional, eles estão proibidos de se aproximar a menos de um quilômetro de qualquer estádio de futebol na Espanha em dia de jogo. 

Com a forte repercussão dos protestos de Vini Jr., que intimou os dirigentes esportivos a tomarem uma atitude diante da intensificação das agressões, a imprensa europeia e brasileira, além de esportistas e políticos, reforçaram o coro.

Na quarta-feira (24) o atacante foi homenageado durante o encontro entre o Real Madrid e o Rayo Vallecano, no estádio Santiago Bernabéu, em Madri, pela 36rodada do Campeonato Espanhol. Antes do início da partida, os jogadores dos dois times exibiram uma faixa com a frase "Racistas, fora do futebol". Toda a equipe do time merengue entrou em campo com a camisa número 20, estampada com o nome Vini Jr.. No vigésimo minuto do jogo, os torcedores também cantaram em apoio ao brasileiro. 

A Federação Espanhola de Futebol decidiu fechar uma seção do estádio do Valência por cinco partidas. O clube também deverá pagar uma multa de € 45 mil. Na quarta-feira, a ONU condenou os ataques racistas contra Vini e anunciou a preparação de um relatório sobre o racismo no esporte. Já a Liga disse que não tem poder de sanção, mas garante ter transmitido à Justiça oito denúncias de ataques contra o brasileiro.

Medidas eficazes contra o racismo no futebol

Em entrevista à RFI, especialistas expressaram seu ceticismo sobre medidas já aplicadas contra o racismo, a maioria delas sem representar nenhuma mudança expressiva. O cientista social e pesquisador do Museu do Futebol, Marcel Diego Tonini, não acredita que multas, banimentos e perdas de mando de campo, por exemplo, poderão trazer resultados concretos.

"Alguns torcedores já foram banidos nas mais diversas ligas no mundo, mas isso não tem efeito prático nenhum porque essas torcidas têm outras dezenas, centenas, milhares de torcedores que pensam e agem igual", observa o especialista. 

Marcel tem outras sugestões, que começam pela admissão do problema e um melhor acolhimento das vítimas. "É preciso primeiro reconhecer a existência do fenômeno, o que não acontece. Depois, é necessário apoiar esses atletas, dar outras oportunidades a essas pessoas dentro da estrutura do futebol, para que eles cheguem a funções de treinadores, de jornalistas, de árbitros, de gestores e dirigentes. Porque ocupando esses lugares elas vão trazer novas formas de enxergar esse problema. Senão vai continuar sendo um bando de brancos, endinheirados, homens, cis tomando decisões por pessoas negras", diz.

O cientista social também defende medidas educativas a esportistas brancos e agressores. "A gente precisa de medidas que não sejam apenas punitivas. Deve existir um trabalho de formação de base desses atletas para eles saberem lidar com isso e pra educar sobretudo aqueles que não são negros. A gente pode adotar um tipo de medida em que esses agressores identificados façam parte de ações em programas de entidades, governamentais ou não, para que eles sejam reeducados para uma sociedade antirracista, antixenófoba, etc", preconiza Tonini. 

A psicóloga Lia Vainer Schucman, especialista em estudos sobre branquitude, defende a mesma ideia. Para ela, prender autores de ataques racistas não é uma medida eficaz. "Eu acho que a prisão não produz um efeito antirracista porque a pessoa que é presa consegue achar, em geral, que ela foi injustiçada e isso produz quase o efeito rebote por não passar pelo processo educacional", avalia.

Por isso, segundo a especialista, a melhor medida é a que propõe uma justiça restaurativa. "É preciso tentar compreender, a partir da pessoa que foi violentada, o que para ela seria reparação. No caso do Vini, perguntar o que ele acha que poderia ser uma reparação. Ele deve ter uma reparação que ele quer da Liga. O Vini foi humilhado socialmente e isso tem um tipo de reparação que está ligada ao reconhecimento e a determinação de medidas reparatórias simbólicas", defende. 

Rápida identificação e punição

Nos últimos dias, autoridades e especialistas vêm pedindo uma identificação e uma punição imediata dos autores dos ataques racistas contra Vini. A justiça espanhola dá sinais de ouvir a demanda: ao menos sete jovens foram presos para interrogatório. 

O sociólogo francês William Nuytens, professor da universidade de Artois e diretor do laboratório Sherpa - que pesquisa a violência no esporte - explicou à RFI porque é preciso agir rápido. "Estudos de sociologia sobre desvios mostram que quando você trata do problema rapidamente, sua resolução tem mais chances de ser efetiva. Quando o gerenciamento pelas autoridades ou pelos clubes desse tipo de situação - racismo, antissemitismo ou violências físicas - é imediato não há espaço para dúvidas. Inculca-se nos imaginários coletivos e individuais que esses incidentes não ficarão sem punição", ressalta. 

Segundo Nuytens, esse tipo de atitude pode ajudar a combater as agressões até hoje banalizadas no futebol. "O incidente do último domingo é muito midiático e é tratado de imediato porque ocorreu no grande Real Madrid e porque Vini é um grande jogador. Mas há incidentes como esses em todos os estádios - na Espanha, França, Itália, Alemanha, Hungria, Polônia, Inglaterra - com jogadores menos famosos. A verdade é que o racismo está instalado nos estádios de futebol, e isso é algo estrutural", denuncia o especialista. 

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