Acessar o conteúdo principal
Esporte em foco

Participação de atletas trans em competições gera polêmica entre federações esportivas na França

Publicado em:

No último 17 de maio foi celebrado o Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia, uma data de luta contra a discriminação, mas que para o esporte tem sido sinônimo de polêmica. No dia 23 de março deste ano, o presidente da Federação Internacional de Atletismo, Sebastien Coe, anunciou a exclusão das mulheres trans das competições internacionais, afirmando que a participação de atletas transgênero fragiliza o esporte feminino.

A velocista trans Halba Diouf em treinamento no Sul da França.
A velocista trans Halba Diouf em treinamento no Sul da França. © REUTERS/Gonzalo Fuentes
Publicidade

Antes, a World Athletics exigia um acompanhamento biológico das atletas para saber como o nível de testosterona se mantinha ao longo do ano. Mas a regra mudou e a instituição passou a proibir a participação nas competições de mulheres transexuais que tenham passado pela puberdade masculina.

A decisão é provisória e pode ser ajustada pela WA em um ano, mas o anúncio repercutiu de forma negativa e colocou nos holofotes a única atleta trans em nível nacional da França. Aos 21 anos, a velocista Halba Diouf, é uma das atletas francesas mais promissoras nos 60 e nos 200 metros, e acabou se tornando porta-voz da causa. Negra, muçulmana e trans, ela não entende a decisão da federação e quer ser ouvida, disse em entrevista à rádio France Culture.

"Eles excluem pessoas que já estão excluídas da vida em geral. É implacável. Não podemos ser banidas assim. Não somos animais de feira. Então, eu tenho que falar, tenho que mostrar que as mulheres transexuais estão aqui, que nós somos fortes, que nós somos inteligentes. É preciso lidar com isso", afirmou.

A ministra francesa dos Esportes e dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, Amélie Oudéa-Castéra, falou recentemente sobre o assunto e reconheceu as dificuldades que envolvem o tema. Mesmo assim, ela reforçou, em conversa com a rádio France Info, que é preciso lutar pela inclusão das pessoas trans.

"É uma questão difícil, que é complexa, que é objeto de regulamentos que evoluem e que são diferentes de uma federação para outra. Ainda assim é preciso liderar essa luta pela inclusão. Quero que as pessoas trans se sintam bem em praticar um esporte, sejam amadores ou profissionais”, disse a ministra. 

As "vantagens" masculinas

Uma das maiores polêmicas quanto à participação de atletas transgênero em competições diz respeito às possíveis vantagens físicas dos homens com relação às mulheres, o que faria com que as esportistas trans saíssem sempre na frente. No imaginário popular, as mulheres trans, que viveram uma puberdade masculina, manteriam capacidades superiores às cisgênero, já que os homens apresentam normalmente uma massa muscular mais importante e uma capacidade pulmonar maior, entre outras vantagens.

Entretanto, estudos sobre o tema mostram que as mulheres trans perdem esses "benefícios" ao fazer a chamada transição, que consiste em um severo tratamento hormonal. Halba Diouf conta que precisou parar todos os treinamentos em 2020 quando passou por esse momento.

“No primeiro ano, a transição te derruba. Eu comecei com os bloqueadores de testosterona, de estrogênio, da progesterona. Atualmente eu parei com os bloqueadores de testosterona, porque eu não tenho mais o hormônio, mas isso me derrubou porque eu não conseguia mais treinar quatro vezes por semana, era impossível. Tudo isso combinado com as minhas duas faculdades… Eu não dormia quase durante a noite, mas agora eu consigo controlar", explica. "Na verdade, você precisa negociar com o fato de performar e de fazer um tratamento hormonal que vai diminuir a sua capacidade esportiva. Não é evidente e é preciso encontrar um equilíbrio. É preciso trabalhar três vezes mais”, diz a atleta francesa. 

FFA cria comissão para tratar o tema

Apesar da decisão da Federação Internacional, a FFA, Federação Francesa de Atletismo, criou recentemente uma comissão específica para tratar da questão dos atletas transgênero e deve autorizar Halba Diouf a competir em nível departamental.

Esse olhar mais específico da FFA deve ser um alívio para quem sempre teve que lutar para ser aceito e para compreender sua própria identidade. De família senegalesa e muçulmana, Halba Diouf fala de seus desafios. 

“Eu tentei fazer com que a minha mãe compreendesse que eu me sentia muito mal pelo fato de viver em um corpo de menino, mas ela não conseguia entender. Eu sempre tive o apoio da minha mãe, nós sempre fomos próximas, mas a barreira da religião e o fato de eu ser de cultura senegalesa e muçulmana não facilitou as coisas", conta. "Eu não tenho contato com o meu pai. Nas poucas vezes que o vi, ele me ensinou um Islã aberto e benevolente. Para mim foi bastante contraditório, entre a sua filosofia de vida e o fato de ele não aceitar a minha diferença. Eu passei por tudo isso sozinha”, diz Halba Diouf.

Acolhimento no esporte e ódio nas redes sociais

Antes de fazer 18 anos, a atleta deixou a mãe na Normandia para morar em um clube de atletismo no Sul da França, em Aix-en-Provence, onde encontrou uma segunda família.

“Fui muito bem recebida, com benevolência, gentileza, amor, tolerância. Isso me fez muito bem. Eles me conheceram sob minha antiga identidade por dois ou três meses. Stéphane Lazarini, meu treinador, foi muito gentil comigo, ele realmente fez o papel de pai. Foi ele quem me deu ainda mais confiança. Eu realmente acho que sem Stéphane e sem essas pessoas (do clube), eu não estaria aqui”, diz.

Depois de ser exposta por conta da polêmica com a proibição da Federação Internacional, a atleta começou a vivenciar o ódio e ser massacrada nas redes sociais. Mas ela diz não se importar e indica que vai continuar lutando por um espaço ao sol.

"Eu realmente não me importo. Eu não leio nada, não tenho tempo para críticas. Com toda a seriedade, eles estão perdendo seu tempo", afirma. 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.