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Rendez-vous cultural

Festival de Avignon questiona o futuro do mundo nos palcos

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Após ter sido cancelado em 2020 por causa da pandemia de Covid-19, o Festival de Avignon decidiu olhar para o futuro em sua 75ª edição. A temática é abordada de diferentes maneiras pelos diretores que participam da seleção principal do evento.

Depois de um ano de pausa por causa da pandemia, o Festival de Avignon faz uma edição focada no futuro, como na peça "La dernière nuit du monde" (imagem da direita)
Depois de um ano de pausa por causa da pandemia, o Festival de Avignon faz uma edição focada no futuro, como na peça "La dernière nuit du monde" (imagem da direita) © Cartaz de Théo Mercier e Foto de Alexander Gronsky
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Silvano Mendes, enviado especial a Avignon

Segundo Olivier Py, diretor do festival, o tema Se souvenir de l’avenir (Se recordar do futuro, em tradução livre) nasceu quando ele soube que a edição do ano passado não poderia ser realizada por razões sanitárias. “Imaginamos essa temática em uma hora bastante sombria, quando nos questionávamos sobre o que queríamos recordar no futuro”, explicou o diretor à RFI. “É uma temática aberta sobre a utopia e a juventude, lembrando que o futuro não pode ser feito sem todas as forças reunidas”, insiste.

O tema é enigmático, filosófico e complexo e, talvez por essa razão, Py pediu a ajuda de Edgar Morin, um pensador da complexidade. O impressionante intelectual francês, que completa 100 anos esta semana e continua produzindo uma obra admirada no mundo todo, participa de uma conversa com a ex-ministra francesa Christiane Taubira na próxima terça-feira (13) no não menos impressionante palco do Palácio dos Papas. Todos esperam uma bela lição, e até mesmo uma definição, do conceito de “se recordar do futuro”.

As companhias que participam desta edição também parecem ter ouvido o recado, pois cada uma aborda a questão à sua maneira, seja nas criações contemporâneas ou nas adaptações de clássicos. Um bom exemplo é o da peça de abertura do festival, “O jardim das cerejeiras”, de Anton Tchekhov, que ganha nova roupagem sob a batuta do diretor português Tiago Rodrigues.  

“É uma peça que mais do que dar respostas sobre o futuro, nos mostra a complexidade, mas também a beleza com que os humanos lidam com a incerteza do futuro”, explica o dramaturgo, que acaba de assumir a direção do Festival no lugar de Olivier Py. “É uma metáfora do fim de um tempo e do início de um outro que não se sabe ainda bem o que vai ser. É um texto que fala das grandes mudanças sociais e das incertezas do futuro. E isso nós, seres humanos de 2021, sabemos muito bem o que é”, insiste o diretor.  

Futuro distópico

Se o futuro do português é nostálgico, o do belga Fabrice Murgia é distópico. Em La Dernière Nuit du Monde (A última noite do mundo), o ator e diretor nos transporta para um mundo que quer funcionar 24 horas, sem parar, e no qual as noites desaparecem. “O dia transborda”, diz em uma cena o personagem principal, interpretado pelo diretor.

Nesse mundo “marcado pelo rolo compressor do neoliberalismo”, o projeto principal da trama consiste em adotar o uso de uma pílula que permita, em 45 minutos de sono, recuperar suas forças como após uma noite bem dormida. Um cenário assustador para muitos, inspirado no livro homônimo do francês Laurent Gaudé, que colaborou com Murgia no projeto cênico.

Mais realista e não menos assustadora, a peça da brasileira Christiane Jatahy fala de futuro analisando o presente. Com Entre Chien et Loup (Crepúsculo, em tradução livre), a carioca se inspira do filme Dogville, do dinamarquês Lars Von Trier, para abordar o tema da aceitação do outro, da perversão da caridade coletiva e, principalmente, dos movimentos extremistas que ganham força pelo mundo.

“Não estou otimista, mas também não estou pessimista”, desabafa a diretora ao ser questionada sobre sua visão do futuro. “Eu acho que a gente está vivendo um momento de encruzilhada.  Essa pandemia tem que nos possibilitar uma transformação. A humanidade não se sustenta mais da maneira como ela se estruturou. A gente não pode mais viver esse abismo social. A gente não pode explorar a natureza da maneira como a gente vem explorando. Essa pandemia é uma resposta a isso. Então eu acho que a gente pode ter um futuro transformador, mas também pode ter um futuro terrível, se não agir”, alerta.

Mas nem todos são tão alarmistas no programa do Festival de Avignon, e alguns espetáculos preferem abordar a questão do futuro com humor e até uma certa leveza, imaginando diferentes cenários para o que nos espera pela frente. É o caso do monólogo La fin du monde va bien se passer (Tudo vai correr bem no fim do mundo, em tradução livre), de Yvon Martin. Em tom de piada, mas com boas sacadas políticas, a peça faz parte do Avignon Off e nos transporta para 2080 – um mundo que, segundo o roteiro, terá menos petróleo, porém será mais solidário e coletivo. Uma outra maneira de refletir sobre o futuro, que não invalida as demais. Apenas as completa.

O Festival de Avignon vai até 25 de julho e o Off continua até 31 de julho.

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