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Rendez-vous cultural

Manter teatros fechados é injusto e sacrifica setor cultural, protestam artistas na França

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Silêncio, resiliência, desastre... As palavras escolhidas por artistas entrevistados pela RFI para resumir a situação do setor cultural na França são diferentes, mas todos deploram a decisão do governo de manter fechados os teatros, salas de espetáculos e museus, enquanto lojas, centros comerciais e locais de culto funcionam normalmente. Os artistas criticam essa estratégia incompreensível que cria incertezas e ameaça o futuro de muitos grupos e estruturas, apesar das ajudas governamentais.

O Teatro Saint Georges de Paris, fechado como todas as outras salas de espetáculos da França desde 30 de outubro.
O Teatro Saint Georges de Paris, fechado como todas as outras salas de espetáculos da França desde 30 de outubro. REUTERS - BENOIT TESSIER
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Os teatros e salas de espetáculos estão fechadas ao público desde 30 de outubro, quando começou o segundo lockdown no país para lutar contra a pandemia de Covid-19. Inicialmente, a reabertura estava prevista para 15 de dezembro, mas o governo alegou que a circulação do vírus ainda estava alta e decidiu manter os estabelecimentos fechados. Nesta quinta-feira (7), novo adiamento, agora, por tempo indeterminado.

O setor cultural francês, que emprega 670 mil pessoas e garante aplicar todos os protocolos sanitários, se sente sacrificado. O governo diz que destinou milhões de euros para a cultura e garantiu, pelo menos até agosto de 2021, o salário dos artistas que integram o sistema de apoio aos profissionais do espetáculo. Normalmente, as pessoas têm que comprovar um certo número de cachês para ter direito a esse auxílio.

As salas estão fechadas ao público, mas um grande número de artistas continua trabalhando, ensaiando. Esse é o caso da atriz Flávia Lorenzi. Ela começou o ano de 2020 estreando uma peça sobre o bailarino Nijinski como diretora, no prestigioso Théâtre du Soleil em Paris, antes do início da pandemia. Em seguida, pôde integrar, como colaboradora, a célebre trupe de Ariane Mnouchkine. “Foi contraditório, mas por incrível que pareça eu trabalhei muito”, conta Flávia.

A atriz e diretora de teatro Flávia Lorenzi, ao lado do bailarino Alex Sander dos Santos, no momento da estreia da peça "Nijinski ou la dernière danse du deiu bleu", em fevereiro de 2020.
A atriz e diretora de teatro Flávia Lorenzi, ao lado do bailarino Alex Sander dos Santos, no momento da estreia da peça "Nijinski ou la dernière danse du deiu bleu", em fevereiro de 2020. RFI/Adriana Brandão

A equipe do Soleil vive esse momento de crise sanitária ensaiando e preparando o próximo espetáculo sobre o Japão, ainda sem título, mas as incertezas podem comprometer a estreia, prevista para abril. “É tão difícil acreditar em alguma coisa neste momento. Quando a gente fala em futuro, está muito difícil de prever. Está todo mundo trabalhando, de máscara, para na hora que abrir estar pronto”, diz a atriz. Ela entende o fechamento dos teatros, mas pergunta: “Por que fechar os teatros e deixar aberto certas coisas onde há também o fluxo de pessoas? Tem que achar um equilíbrio!”

Para Lorenzi, é necessário ter “humildade para entender que a gente tem que se repensar como sociedade e a nossa maneira de estar no mundo, mas também resiliência e perseverança”.

Música

O setor cultural francês não é o único atingido. Salas de espetáculos em outros países europeus também estão fechadas o que impede as turnês. O francês Baptiste Lopez é primeiro violino da Orquestra de Câmara da Basileia, na Suíça, e também toca com quartetos na França. Contratado na orquestra suíça, ele teve o salário mantido, está gravando agora um disco, mas todos os concertos foram cancelados e não há previsão de retomada. Baptiste acredita que até abril “nada vai voltar ao normal e haverá um impacto a longo prazo”.

Ele salienta que as máscaras obrigatórias nos ensaios e gravações complicam o trabalho: “você perde muito da expressão e da comunicação ao tocar música com outros instrumentistas de máscara, mas não tem muita escolha.” Ao contrário de outras pessoas que viram nessa crise algo de positivo, o violinista acha a situação muito dura. “Na música, eu tenho que estar com pessoas e fazer junto é difícil, principalmente para os cantores. A gente conseguiu tocar um pouco, mas os que cantam não puderam continuar com máscara e parou tudo. Quem não tem a sorte de ter uma estrutura que mantém isso, teve que achar soluções que não tem nada a ver com a música. Eu tenho amigos, na Alemanha, Bélgica e Holanda, que são países de economia mais liberal, que viraram motoristas de táxi.”

O violinista francês Baptiste Lopez.
O violinista francês Baptiste Lopez. © Arquivo Pessoal

Os artistas temem que com tantos cancelamentos muitos espetáculos não conseguirão mais espaço e datas para se apresentarem e não terão nenhuma visibilidade. “Os grupos menores serão os mais impactados. Haverá um colapso”, prevê Baptiste Lopez.

Medidas radicais

Denise Namura, bailarina da companhia “À Fleur de Peau”, que existe há mais de 30 anos, também teme as consequências dessa falta de projeção. “Os programadores estão duas temporadas atrasados. É como se 2020 não tivesse existido!”, avalia.

A companhia “À Fleur de Peau”, criada por ela e por Michael Bugdahn, conseguiu se manter em 2020 graças à parte pedagógica que desenvolve, com cursos e workshops, mas também pelo salário do setor cultural e pela ajuda que recebe do governo durante a crise.

A parte de criação, de espetáculos, ficou praticamente parada. “Tem um freio emocional que está muito difícil das pessoas continuarem. Não tem a luz no fim do túnel. O que adianta estar num projeto de criação? Temos alguns projetinhos que a gente nem tem colocado na internet onde está tendo uma overdose de coisas. Acho que agora é um momento que eu pregaria mais o silêncio do que o barulho. Nós estamos indo no ritmo dos nossos desejos”, detalha.

Diante de tantas incertezas, a bailaria defende atitudes mais radicais, como um novo lockdown generalizado: “Talvez um pouco mais de coerência seria melhor. Talvez não abrir nada até não sei quando para reorganizar tanto a questão econômica quanto a emocional.”

Exceção cultural

A exceção sanitária não deve acabar com a exceção cultural francesa. José-Manuel Gonçalves é diretor do “104”, um dos centros culturais mais importantes de Paris, que corre o risco de ficar sem um quarto de seu orçamento de € 16 milhões, garantido pela bilheteria, se não reabrir este ano. Por isso, ele prefere o "stop & go" (parar e andar) do que a paralisia total.

Gonçalves, português radicado na França, foi um dos iniciadores, em dezembro, de uma queixa coletiva pedindo a reabertura dos teatros, até agora sem sucesso. O diretor do “104” não entende a estratégia do governo que vai contra a imagem da França, terra de cultura.

“A França é um dos países que reivindica a cultura como um ponto central de sua própria definição. (...) A ajuda financeira não é suficiente para mostrar que temos uma rede de profissionais culturais que é única no mundo. Esse orgulho eu tenho. A gente não pode levar essa bandeira só em campanhas turísticas. Não entendo o que está acontecendo agora”, critica.

Os artistas franceses continuam mobilizados contra a decisão governamental que consideram injusta e desigual. A diretora do Teatro do Soleil Ariane Mnouchkine lançou um manifesto, que já obteve grande adesão, criticando a lenta campanha de vacinação do governo e pedindo a aceleração da imunização no país, que possibilitaria a rápida reabertura dos locais de espetáculos.

 

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