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Rendez-vous cultural

Livrarias francesas resistem a fechamento imposto por lockdown e mostram que livros são indispensáveis

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A decisão do governo francês de não considerar os livros produtos essenciais e de manter as livrarias de todo o país fechadas neste segundo lockdown para frear a propagação da Covid-19 provocou indignação entre profissionais do setor e clientes. Abaixo-assinados pedindo a reabertura das livrarias foram lançados e já tiveram a adesão de mais de 200 mil pessoas. Mas até agora o governo não cedeu.

Clientes fazem fila na porta da livraria "Les Cahiers de Colette" para recuperar as encomendas de livros feitas pela internet ou telefone.
Clientes fazem fila na porta da livraria "Les Cahiers de Colette" para recuperar as encomendas de livros feitas pela internet ou telefone. © RFI/Adriana Brandao
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Para garantir sua sobrevivência e enfrentar a concorrência das grandes plataformas da internet, os livreiros franceses se organizaram e adotaram a alternativa do “click&collect” (encomende e retire na loja). Como todo comércio “não essencial”, as livrarias francesas estão fechadas desde 30 de outubro, início da segunda quarentena para frear a propagação da Covid-19.

Nenhum cliente pode entrar, mas com o click&collect podem pedir os livros pela internet, em sites coletivos montados pelos livreiros independentes, por e-mail, ou pelo telefone. Os clientes aderiram e fazem fila na porta para buscar as encomendas, como Didier Lauru. “Esse sistema é muito bom. Sou a favor de apoiar as livrarias. Os livros têm que ter visibilidade e todo mundo deve poder ler o que tem vontade, principalmente neste momento em que todo mundo está trancado em casa”, diz Lauru em frente à “Les Cahiers de Colette”, uma das livrarias independentes de maior prestígio de Paris.

Mas a estratégia não é rentável. As lojam registram entre 30% a 50% das vendas em relação a um período normal. Mesmo assim, a alternativa vale a pena e ajuda a diminuir o prejuízo.

“Faço um terço do meu volume de negócios, o que não é enorme, mas é melhor do que nada. Efetivamente, não é o mesmo trabalho. As pessoas sabem o que querem, não podem olhar, escolher. Não é a mesma coisa, mas digamos que, assim, continuamos vivos”, afirma Colette Kerber, da “Les Cahiers de Colette”, que até rebatizou a estratégia de “click&colette”.

Colette Kerber, da livrarria "Les Cahiers de Colette", antende uma cliente que encomendou um livro pelo "click&collect".
Colette Kerber, da livrarria "Les Cahiers de Colette", antende uma cliente que encomendou um livro pelo "click&collect". © RFI/Adriana Brandao

Karine Henry, diretora da “Comme un Roman”, também no histórico bairro do Marais, no centro de Paris, confirma o prejuízo. “O volume de vendas é realmente muito baixo em relação ao trabalho que isso exige. Mas antes de mais nada, propomos esse serviço para que as pessoas entendam que também estamos presentes on-line”, explica, à reportagem da RFI.

Concorrência dos gigantes da internet

Na França, 70% dos livros são comprados em livrarias tradicionais. Manter este mercado é essencial e os livreiros independentes podem contar com o apoio dos clientes.

“Privilegio as livrarias independentes porque há cada dia menos estabelecimentos como estes. Temos que apoiá-las e não comprar livros nas plataformas gigantes da internet que não gostam dos livros, um produto que, para elas, é simplesmente um objeto de consumo e lucro”, critica Didier Lauru.

Anne Folkmann até aumentou seu consumo neste segundo lockdown. “Não gosto de comprar pela internet. Preciso de ter contato com uma pessoa. Estou comprando mais do que antes porque tenho medo de ficar sem nada para ler, principalmente neste momento em que temos tempo de sobra”, conta na fila da “Les Cahiers de Colette”.

Mas estratégia combativa e de sobrevivência do “click&collect” deixa muitos livros pelo caminho. Como os clientes não podem entrar nas livrarias, obras de autores menos conhecidos ou lançamentos recentes têm pouca visibilidade e correm o risco de ficar encalhados nas prateleiras.

Livros encalhados

“O click&collect favorece muito mais os livros que estão em evidência na mídia. Como não temos a possibilidade de olhar as estantes, de folhear os livros, isso é prejudicial aos livros mais antigos, mais especializados e mais secretos”, indica Anne Folkmann.

Colette Kerber concorda. Ela diz que os clássicos se mantêm, mas neste momento até livros vencedores dos prestigiosos prêmios literários franceses estão sendo penalizados.

“As novidades não têm visibilidade. Além da pandemia, com o suspense que envolveu as eleições americanas quase não se falou dos prêmios Médicis e o Femina. Os mais vendidos são os livros que já eram conhecidos, os grandes clássicos e os ensaios, e os romances da rentrée littéraire, como ‘Yoga’, de Emmanuel Carrère, e ‘Chavirer’, de Lola Lafon”.

O livro "L'Arabe du Futur 5" é destaque e o mais vendido de todas as livrarias neste segundo lockdown na França.
O livro "L'Arabe du Futur 5" é destaque e o mais vendido de todas as livrarias neste segundo lockdown na França. © RFI/Adriana Brandao

Entre as novidades, uma única exceção, o último volume da série “L’Arabe du futur”, de Riad Sattouf. “As pessoas estão vindo à livraria por causa desse livro. As vendas explodiram”, atesta a livreira. O romance gráfico autobiográfico que conta a história de Sattouf, filho de um pai sírio com uma mãe francesa que cresceu entre a Líbia de Kadhafi e a Síria de Hafez Al-Assad, se tornou o livro desse segundo lockdown, enquanto durante a primeira quarentena, entre março de maio de 2020, um dos livros mais vendidos na França foi “A Peste”, de Albert Camus.

Colette Kerber não acredita que o governo vá ceder a todas as pressões e abaixo-assinados pela reabertura das livrarias. ”Não seria justo com os outros pequenos comércios”, pondera. Enquanto isso, as livrarias vão continuar resistindo e mostrando que os livros são “indispensáveis.”

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