E se você tivesse apenas um minuto para contar os fatos mais importantes de 2020?
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Um, dois, três... gravando! E se você tivesse muito pouco tempo para contar tudo de mais relevante que aconteceu em 2020? O cineasta Gunga Guerra fez essa escolha, mostrando que o que realmente importa pode ser dito em um minuto. Temas maiores – e polêmicos! – como a pandemia de Covid-19, o governo Bolsonaro, o descontrole do desmatamento no Brasil e o genocídio indígena figuram em seus curtas de animação, exibidos e premiados em festivais em todo o mundo.
Nascido em Moçambique e naturalizado português, o cineasta vive há décadas no Brasil, e foi o turbilhão de episódios graves vividos pelo país que ele escolheu que o fez retomar a produção audiovisual, depois de anos dedicados às artes plásticas.
“Começaram a surgir ideias para fazer pequenos curtas, como se fossem pequenas crônicas e críticas. Daí aconteceu, veio um atrás do outro,” lembra Guerra, cujo primeiro curta de animação, “Infláveis”, participou do 25° Festival Internacional de Cinema de Contis, na França, em 2020.
A intensidade do trabalho do cineasta não se traduz apenas em concentrar suas ideias em animações de um minuto. Também é a “provocação” que o move. Há 20 dias do fim do processo de inscrição para o 7° Festival de Nanometragem de São Paulo, Guerra trabalhou sem cessar. E tanto, que conseguiu inscrever dois curtas: “Infláveis”, eleito melhor filme do festival, e “Contagiante!!!”.
“No meio dessa loucura de fazer essa animação, já veio a ideia de outra, ligada ao desmatamento e ao genocídio indígena. Eu fiquei desesperado, achando que não iria dar tempo, mas eu consegui me organizar e resolver de maneira simples. [O segundo curta] Também foi para o festival, foi selecionado, e está tendo uma carreira em outros festivais. Foram duas provocações que eu consegui fazer e que começam a me dar vontade de fazer outras, e está acontecendo”, conta.
“Infláveis” também foi eleito Melhor Animação no Festival do Minuto, em São Paulo, e “Contagiante!!!” recebeu o prêmio de Melhor Nano Minuto, além de Melhores Minutos no Concurso Quarentena do mesmo festival.
Curtos e internacionais
A escolha por assuntos tão factuais e polêmicos também contribui para a visibilidade de suas animações em outros países. O nanocurta “(Des)matamento”, por exemplo, recebeu Menção Especial no Asia South East-Short Film Festival, além de participar dos festivais Metricamente Corto (Itália), Festival Bang Awards (Portugal) e Monthly Edition Mindie (EUA). Já “Kuleshov e o vírus” viajou para festivais no Canadá, Índia, Alemanha, Portugal e Estados Unidos.
“(Des)matamento, por exemplo, tem uma mensagem bem universal, então ele foi bem mais entendido e está tendo uma vida mais longa em outros festivais. Kuleshov [e o vírus] também, como tem muito a ver com essa questão que a gente está vivendo, de pandemia, as pessoas entendem. E o interessante dessa parte de fazer áudio e vídeo nos curtas-metragens é essa união que você pode brincar e amplificar a imagem, fazer algumas coisas de contraste com áudio”, observa o cineasta.
Guerra explica que “Infláveis é uma alegoria crítica à postura de censura e ao processo de idiotização sofridos pela Educação e pela Cultura no governo de Jair Bolsonaro. Enquanto (Des)matamento constrói uma analogia entre o desmatamento e o genocídio indígena, também perpetrado pela atual gestão presidencial. Já Contagiante!!! aborda visceralmente a conduta irresponsável e genocida do atual presidente e seus seguidores [em relação à pandemia]”.
Gunga Guerra se soma a tantas outras pessoas que esperam virar a página do ano que passou e ter boas novas em 2021. Mas este cineasta do minuto já avisa que mesmo as boas notícias não devem mudar a pauta de seu trabalho, que promete continuar usando seu minuto de fama para denunciar causas políticas, sociais e ambientais.
“Eu espero ter uma pauta positiva, mas eu trabalho muito nessa contramão, com a crítica, eu preciso das polêmicas, das manifestações. Eu acho que isso é inesgotável, sempre vai ter protestos. Sempre vai ter questões políticas para discutir, questões raciais, questões ambientais. Meu ambiente é esse, é o que me toca. Eu coloco para fora minha revolta com as coisas que eu não gosto, que me incomodam, é o que me alimenta para fazer isso.”
Resta saber agora de que temas serão feitos os 525.960 minutos de 2021.
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