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Brasil-Mundo

Para bióloga italiana, custo de preservação da Amazônia não deve recair apenas sobre o Brasil

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A bióloga italiana Emanuela Evangelista trabalha no Brasil desde o ano 2000. Ela vive há mais de 10 anos na comunidade de Xixuaú, na divisa entre os estados de Amazonas e Roraima. Como presidente da organização italiana Amazônia Onlus, ela está na linha de frente da defesa ambiental e ajudou a criar a Reserva Extrativista Baixo Rio Branco Jauaperi. Nesta imensa área, a floresta e os habitantes estão protegidos.

A bióloga italiana Emanuela Evangelista trabalha no Brasil desde o ano 2000.
A bióloga italiana Emanuela Evangelista trabalha no Brasil desde o ano 2000. © Captura de tela
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Gina Marques, correspondente da RFI em Roma

A reportagem da RFI conversou com Emanuela Evangelista no Parque da Caffarella, em Roma. “Nossa organização se dedica à Amazônia brasileira com o intuito de preservar o [meio] ambiente e lutar por esse grande desafio de manter a floresta em pé. A gente faz isso trabalhando em regiões remotas distantes do desmatamento, longe de degradação, em áreas que são ainda de floresta primária intacta e que são habitadas por populações tradicionais. Nosso trabalho é de aliança, de união com as populações tradicionais”, diz ela.

Ela explica que seu trabalho consiste em ampliar, junto com os habitantes, alternativas de renda. “Nosso objetivo é o desenvolvimento sustentável para que as pessoas possam manter esse precioso tesouro que elas têm, a floresta Amazônica, sua biodiversidade, sua cultura e também suas tradições.”

Na avaliação de Evangelista, é preciso ter vontade política e econômica de preservar a Amazônia. A responsabilidade, na opinião da italiana, não deve ser só do Brasil, mas sim "do mundo".

“Acreditamos que a falta de recursos econômicos esteja ligada à vontade política. Os órgãos institucionais foram, de alguma forma, enfraquecidos nos últimos anos, e não houve grande disponibilidade econômica para a Amazônia”, estima a pesquisadora. Ela ressalta que zerar o desmatamento é um desafio complexo, principalmente neste momento em que a taxa de destruição da floresta está muito elevada.

Segundo Evangelista, o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva poderá inserir a proteção da Amazônia entre as prioridades. “Lula pode ter a vantagem de reabrir o diálogo com os países desenvolvidos para atrair ajuda internacional, que eu acredito ser fundamental por dois motivos: em primeiro lugar, porque a Amazônia é um bioma que fornece benefícios ao mundo inteiro. Em segundo lugar, porque boa parte do mundo, inclusive os países industrializados, são responsáveis e participam de alguma forma do desmatamento, da destruição, do que estamos fazendo à Amazônia”.

Ela salienta que é necessário reconhecer a responsabilidade europeia e dos países desenvolvidos, e participar de forma ativa da proteção da Amazônia. “Não é possível continuar dizendo que é um bioma que oferece benefícios ao mundo inteiro, e deixar que caia nos ombros e no bolso do Brasil, exclusivamente, o custo da preservação e de proteção da floresta", argumenta.

Difíceis condições de vida

Mesmo com riquezas naturais inestimáveis, as condições de vida dos ribeirinhos e povos indígenas da Amazônia são difíceis. Muitas vezes faltam estruturas básicas necessárias, como escolas e hospitais.

De acordo com a bióloga, “mais da metade das pessoas residentes na Amazônia vive abaixo da linha da pobreza. Ela constata que há uma necessidade de desenvolvimento econômico importante na região. "Os povos tradicionais vivem isolados das regiões onde existe trabalho e pagam o preço por esse isolamento", observa. "Por um lado é bom, porque se preservam os recursos naturais; mas, por outro lado, torna tudo muito complicado”, destaca a italiana. Ela cita o exemplo de um quebrador de castanha, que deve vender seu produto nos mercados que ficam distantes do local de colheita.

“Além disso, se você quer que seus filhos estudem e continuem após o quinto ano, que é o que normalmente você encontra nessas comunidades remotas, é preciso se deslocar ou mandar seus filhos para a cidade", explica. As necessidades sanitárias também são importantes, assim como as de educação e geração de renda. "O isolamento dificulta a vida de alguma forma", afirma Emanuela Evangelista.

Amor à primeira vista

A italiana fez a sua primeira viagem ao Brasil no ano 2000 para trabalhar como pesquisadora em um projeto do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), com sede em Manaus. Como bióloga, ela é especialista em mamíferos aquáticos. Segundo Evangelista, a Amazônia foi "paixão à primeira vista".

“Vim ao Brasil para estudar uma espécie de mamífero que é chamada Lontra Gigante, que em português a gente chama de Ariranha. Aí foi amor à primeira vista, né? Eu me apaixonei pela biodiversidade da floresta, pela magia das águas. Essas regiões remotas da Amazônia são únicas. É muito difícil para quem não nasceu no Brasil imaginar tanta beleza.”

Sabedoria dos povos nativos

A bióloga alerta que muitos pesquisadores internacionais não reconhecem a importância da sabedoria dos povos nativos. Segundo ela, a destruição da floresta poderá acarretar a perda de conhecimentos ancestrais das populações locais.  

“O conhecimento dos povos nativos não recebe o justo valor nos países industrializados. Muitas vezes um cientista anuncia ao mundo a descoberta de uma nova espécie, e um ribeirinho diz que ela já era conhecida havia muito tempo”, ressalta.

Reserva Extrativista Baixo Rio Branco Jauaperi

Por iniciativa da Amazônia Onlus e de outras organizações da sociedade civil, a Reserva Extrativista Baixo Rio Branco Jauaperi foi criada em junho de 2018. O território fica na divisa entre os estados de Roraima e Amazonas. São quase 600 mil hectares de floresta, 14 comunidades e 1.500 moradores protegidos para sempre. Mas a luta pelo reconhecimento oficial como área de preservação durou quase duas décadas.

Em 2009, o Ministério do Meio Ambiente emitiu uma avaliação favorável à criação da área para proteger as comunidades da região “de uma série de ações criminosas” feitas por invasores “que buscam a região para a prática de pesca e caça predatórias e grilagem de terras públicas”.

De acordo com o texto, a reserva, localizada nos municípios de Rorainópolis (RR) e de Novo Airão (AM), vai “proteger os meios de vida e garantir a conservação e a utilização sustentável dos recursos naturais renováveis utilizados pelas comunidades tradicionais”. O espaço natural foi então dividido em três áreas.

A primeira delas constitui uma zona de preservação, na qual não é permitida a ocupação nem a utilização direta ou indireta dos recursos naturais ali presentes. Uma segunda zona de uso restrito serve de moradia para as comunidades tradicionais e a tribo indígena Waimiri-Atroari, que podem utilizar a área. A terceira parte da reserva é voltada para atividades de recreação e turismo. A ocupação e o uso direto de recursos naturais, nesses casos, são definidas em um plano de manejo. O Instituto Chico Mendes administra toda a reserva e é responsável por sua proteção.

A ONG Amazônia Onlus trabalha há mais de 20 anos na região do Jauaperi. "A organização contribuiu e participou de uma luta muito importante que foi, em primeiro lugar, a luta do povo residente da região, da população ribeirinha que mora nessa região, porque a demanda partiu deles”, destaca a bióloga italiana.

“Conseguimos realizar o sonho da população, que era de criar uma área protegida de forma legal e robusta", acrescenta Evangelista. Segundo ela, a Reserva Extrativista do Baixo Rio Branco Jauaperi permite às populações tradicionais de continuar a viver na região e usar todos os recursos locais de forma sustentável. "É uma fórmula muito interessante, porque protege ao mesmo tempo a floresta, a cultura e as tradições das populações residentes”, explica.

Emanuela Evangelista recebeu vários prêmios internacionais pela defesa da Amazônia. Em 2020, ela foi condecorada pelo presidente italiano, Sergio Mattarella, com a medalha de Oficial da Ordem do Mérito da República Italiana.

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