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A Semana na Imprensa

Como os últimos governos promoveram o declínio econômico, político e intelectual da França

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A representatividade da França no cenário internacional, assim como seus valores democráticos e seu papel de potência econômica parecem ser colocados em xeque sob o governo de Emmanuel Macron. O posicionamento do líder centrista no conflito entre Israel e o Hamas expõe ainda mais o país.

O presidente francês, Emmanuel Macron, durante coletiva de imprensa no segundo e último dia de uma cúpula da União Europeia, em Bruxelas, em 27 de outubro de 2023.
O presidente francês, Emmanuel Macron, durante coletiva de imprensa no segundo e último dia de uma cúpula da União Europeia, em Bruxelas, em 27 de outubro de 2023. AP - Omar Havana
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O declínio da chamada 5ª República Francesa não é uma exclusividade do atual presidente. Nesta "tragédia francesa", a reportagem de capa da revista Le Point desta semana também inclui no "clube dos demolidores" ex-chefes de Estado como Édouard Balladur, François Mitterrand, Nicolas Sarkozy, François Hollande, Jacques Chirac e o ex-primeiro-ministro Lionel Jospin.

A reportagem é inspirada no livro do jornalista e escritor francês de origem americana Franz-Olivier Giesbert, que narra a "história íntima" do governo francês de 1981 aos dias de hoje, e como o país afundou em um naufrágio econômico, político e intelectual.

Do esplendor à miséria, do general Charles de Gaulle (1944-1946) à atualidade, a França vive uma história escrita por diferentes governantes, e não por uma composição celestial ou uma conjuntura externa, mas por uma sucessão de políticos eleitos democraticamente, por "sete cavaleiros do declínio", na opinião da publicação.

Segundo Le Point, a derrocada francesa é contínua, como se respondesse a uma programação mecânica e irreversível: a aposentadoria anteriormente fixada aos 60 anos, o descontrole de políticas migratórias, renúncias republicanas, a desintegração do ensino, a adoção da carga horária de 35 horas de trabalho semanais, a cegueira das elites, o abandono das classes operárias, o aumento do antissemitismo e o recuo da laicidade. E, neste contexto, a esquerda exerce um importante domínio moral no país.

Para a reportagem, até a gestão Sarkozy (2007-2012), a direita não passava de "uma esquerda que amava os agricultores e a polícia".

Imigração

Encabeçando a lista dos autores do declínio, em ordem cronológica, o "pai fundador e talvez espiritual" da catástrofe em que o país se encontra hoje, estaria François Mitterrand (1981-1995), e sua teoria de "Gastem [os recursos públicos]! E tudo ficará bem". Ideia que seria reproduzida por muitos de seus sucessores.

Além disso, para a revista, quando o assunto é imigração, a esquerda teria prestado um desserviço ao país, ao exercer sobre a direita um "terrorismo intelectual", levando a França a uma política migratória quase socialista. O consenso era de ser preciso acolher os estrangeiros, mas quantos e a que ritmo eram critérios que não pareciam ser contemplados pelo governo, critica a publicação. Uma questão que por muito tempo não pode ser colocada no centro do debate público, sob o risco de acusação de racismo.

Uma ausência de projeto político que teria causado o que muitos chamariam de uma "invasão". Mas, para Mitterrand, a "força civilizatória" da França seria o bastante para equacionar a questão.

Já quanto às relações trabalhistas, outro assunto sensível, principalmente em uma França que acaba de passar por uma mudança na Previdência, a questão é ligada, no texto, à decisão de Chirac (1995-2007) de suspender a reforma dos chamados "regimes especiais de aposentadoria", nos anos 1990, dando novo fôlego ao mercado de trabalho. Mas a reportagem enfatiza que decisões como a aposentadoria aos 60 anos e a redução da carga horária semanal são medidas até hoje questionadas quanto à sua eficácia na geração de novos postos de trabalho.

Conjuntura internacional

A revista aponta um certo descompasso do governo francês em relação à conjuntura internacional. Mesmo sob o impacto dos atentados terroristas de 11 de setembro em Nova York, Chirac ainda se mostrava incrédulo de possíveis confrontos de civilizações, escaladas de violência, o crescimento econômico da China ou o avanço do islamismo no mundo, afirma Le Point.

Em linha com Chirac, Hollande (2012-2017) também sustentaria em sua gestão um discurso de competitividade alheio às mudanças do cenário internacional.

As tensões em Gaza, entre palestinos e israelenses, sempre encontraram reflexos em território francês. Em 2014, quando a guerra explode no Oriente, um desdobramento do conflito tem como cenário a região parisiense. Sob a inabilidade dos serviços de inteligência e da polícia francesa, árabes e judeus entram em confronto em Garges-lès-Gonesse e em Sarcelles, chamada de "a pequena Jerusalém", nos subúrbios ao norte de Paris.

Chegando aos dias de hoje, Macron é apontado como uma antítese de Mitterrand, que "não era narcísico, mas egocêntrico". Macron, por sua vez, não precisaria de ninguém, ele sozinho se bastaria em suas tomadas de decisão, considera a publicação.

Mas o sétimo presidente da 5ª República não é necessariamente a última parada da via-crúcis francesa, visto que as questões nacionais mais polêmicas não devem encontrar soluções no curto prazo – um rastro de destruição em que se encontram as finanças, a economia, a indústria, a educação, a justiça e a autoestima da população.

Pré-revolução

Não menos fatalista, a capa da L'Express é sucinta e afirma no título: "Mélenchon, o desastre", acusando o líder da esquerda radical de fazer uso de uma "estratégia imoral" para chegar ao poder, para quem, sob o signo da ambição, a fome presidencial justifica todos os meios.

Jean-Luc Mélenchon não esconde suas escolhas, enfatiza o texto, quando o líder da França Insubmissa defende os palestinos, mas sem classificar os atos do Hamas de terroristas, argumentando fazer apenas um apelo à paz, e nomeando os assassinatos de crimes de guerra, como se fosse algum jurista do direito internacional.

Este "multicandidato" reforça seu clã - um eleitorado formado por camadas populares vindas dos subúrbios, de maioria muçulmana - onde ele deduz haver uma simpatia cega pela causa palestina, alheia às vidas israelenses ceifadas.

Os excessos de Mélenchon já haviam sido criticados durante as violentas manifestações após a morte do jovem Nahel, assassinado pela polícia em junho deste ano. O político de esquerda nunca se pronunciou a favor do retorno à ordem e pelo fim dos tumultos que se espalharam pelo país.

Acreditando que a França vive uma situação "pré-revolucionária", Mélenchon, na opinião da L'express, sonha ser Robespierre e também Danton, figuras maiores da Revolução Francesa.

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