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Afeganistão: o desespero de civis com visto internacional que não conseguem deixar o país

O Talibã continua intratável face à evacuação de civis no aeroporto de Cabul. Os novos comandantes do Afeganistão reiteraram na terça-feira (24) sua recusa em adiar a retirada das forças dos EUA em 31 de agosto. Segundo seu porta-voz, Zabihulla Mujahid, apenas estrangeiros poderão sair do país, mas os extremistas preferem aceitar subornos a checar documentos e vistos internacionais dos demandantes de asilo. Os civis agora temem o pior, segundo o correspondente da RFI na capital afegã.

Afegãos são evacuados para o Canadá de Cabul, em 23 de agosto de 2021.
Afegãos são evacuados para o Canadá de Cabul, em 23 de agosto de 2021. via REUTERS - CANADIAN ARMED FORCES
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"É acima de tudo uma mensagem para a comunidade internacional e não muda nada para a maioria dos afegãos que vemos aqui há dez dias", relata o enviado especial da RFI, Vincent Soriau. Ninguém tem coragem de ultrapassar os bloqueios de estradas do Talibã. Depois de vê-los em ação, há poucos minutos, ninguém quer forçar esses bloqueios, muito menos quando você tem um bebê nos braços, porque os extremistas não têm limites.

Um pouco antes, no portão principal do aeroporto, os jornalistas tiveram que correr, porque eles saem chicoteando e batem à toa. São muitas pessoas, os talibãs não sabem como administrar e não estão ali para manter a ordem

Vêem-se centenas de pessoas que têm passaportes estrangeiros, britânicos, por exemplo. Eles mostram aos talibãs, acenam para eles. Esses passaportes são a vida deles, mas eles não podem passar, estão impedidos de fazê-lo e ninguém vai vir buscá-los, porque é muito perigoso. Porque as tropas estrangeiras estão dentro do aeroporto e não estão saindo. Isso significa que milhares de pessoas, talvez dezenas de milhares, que têm documentos ocidentais, que têm vistos, que gastaram tudo para vir a Cabul, todas essas pessoas serão abandonadas à própria sorte. Muitos deles temem por suas vidas, pois a maioria trabalhou para o governo expulso do poder ou para as forças ocidentais.

É o caso de uma ativista dos direitos civis, contatada por Justine Maurel, do serviço internacional da RFI. Originária de Kandahar, ela está presa em frente ao aeroporto há cinco dias, pois o Talibã a impediu de entrar: “Eles me bateram com bastões nas costas. Eu disse a eles várias vezes que sou uma ativista dos direitos civis e que meus parentes estão esperando no aeroporto. Eu disse a eles: Basta verificar meus papéis. Se eles estiverem errados, tenho certeza de que não ficarei no aeroporto. Mas eles não checam. Eles aceitam subornos de pashtuns que não têm identidade, que nem falam inglês, que vêm de áreas remotas, e os levam para o aeroporto", desespera-se.

"Outras comunidades, como hazaras, turcomanos, uzbeques, tadjiques, não têm permissão para entrar no aeroporto. Certamente as defensoras dos direitos das mulheres, as ativistas políticas, serão mortas pelo Talibã porque neste tipo de crise ninguém tem direitos. E esses vistos, essas cidadanias, fazem parte dos direitos das mulheres políticas, defensoras dos direitos das mulheres, daquelas que estão diretamente sob a ameaça do Talibã", insiste a ativista.

Uma data prematura para vários países

Vários países alertaram que o prazo de 31 de agosto não será suficiente para evacuar todos os que o desejarem. A França também pode interromper seus resgates antes do final de semana. O presidente dos Estados Unidos deu a entender a possibilidade de ajustar o cronograma se "isso for necessário". Por exemplo, se o Talibã atrapalhar os esforços de evacuação.

Por sua vez, os russos realizaram suas primeiras retiradas de civis nesta quarta-feira. Moscou está montando uma ponte aérea para retirar cerca de 500 cidadãos da Rússia e de países vizinhos ao Afeganistão. A Rússia anunciou que está pronta para evacuar cidadãos de outros países, disse o Ministério da Defesa russo.

Na Alemanha, o Parlamento é convocado a validar as operações de evacuação de emergência. Angela Merkel, em uma declaração política, delineou as prioridades imediatas da Alemanha e pediu um diálogo com o Talibã em benefício dos afegãos.

“Em primeiro lugar, estamos dando continuidade às operações de evacuação pelo maior tempo possível para permitir que os afegãos que nos apoiaram na promoção da liberdade, segurança, Estado de direito e economia deixem seu país”, disse a chanceler alemã.

"Em segundo lugar, apoiamos as organizações das Nações Unidas no cuidado dos refugiados. A Alemanha está planejando uma ajuda de emergência de € 100 milhões de euros e € 500 milhões a médio prazo para ajuda humanitária no Afeganistão e países vizinhos", continou Merkel. "E, terceiro, não hesitaremos em nos envolver com o Talibã na tentativa de salvaguardar os ganhos para o benefício dos afegãos nas últimas duas décadas e proteger aqueles em risco após o término das operações de evacuação", afirmou Merkel.

Segundo Dominique Trinquand, ex-chefe da missão militar francesa na ONU, é preciso lembrar que o dia 31 de agosto é uma data acertada entre norte-americanos e talibãs. "Os aliados pressionaram os norte-americanos a adiar esta data. Não foi possível, o Talibã aderindo ao acordo que havia sido feito. Assim, os norte-americanos vão ter que repatriar o máximo de pessoas possível até o dia 30 e, no último dia, ou penúltimo dia, repatriar os 6.000 soldados que foram enviados para lá, já que eram eles que garantiam a segurança do aeroporto de Cabul", analisa.

"Obviamente, isso tem implicações para os aliados que acompanhavam os norte-americanos na base e que terão que se retirar com antecedência. Isso tem implicações operacionais muito importantes porque os países aliados não querem ser pegos de surpresa uma segunda vez. Então, se a base for fechada no dia 31, eles farão os arranjos para sair antes", explica Trinquand.

"Precisamos de tropas norte-americanas"

A decisão de Joe Biden preocupa muitos afegãos que ainda estão lá, como um ativista de direitos humanos contatado por telefone em Cabul, e que deseja manter o anonimato.

“É um grande problema para os norte-americanos, para a comunidade internacional. Eles ficaram 20 anos no Afeganistão, eles controlaram o país, eles nos ajudaram. É uma má decisão. Eles não venceram o Talibã, o terrorismo, o racismo que está muito presente no Afeganistão, e esses grandes problemas voltarão ao país. Precisamos de tropas norte-americanas. Se eles partirem, muitas pessoas serão vítimas do terrorismo. Já estamos sofrendo com isso, não sabemos o que será de nós", relatou.

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