Acessar o conteúdo principal
Reportagem

A “tribo dos ratos”, os excluídos do milagre econômico chinês

Publicado em:

A segunda potência do mundo se construiu graças a eles, os excluídos, os mal-afamados, cidadãos de segunda classe, a encarnação do paradoxo chinês. Nesta entrevista, o jornalista francês Patrick Saint-Paul comenta o seu livro sobre esses marginais

Capa do livro "Le Peuple de rats" de Patrick Saint-Paul.
Capa do livro "Le Peuple de rats" de Patrick Saint-Paul. edition grasset
Publicidade

Wang Xiuqing, 54 anos, sobreviveu durante uma década num bueiro de esgoto da cidade de Pequim. Durante esse capítulo de sua vida, Wang viveria uma relação duradoura de gato e rato com a polícia chinesa. Camponês-operário, Wang abandonou sua cidade natal em busca de um trabalho que garantisse a subsistência de sua família.

Sua rotina foi alterada quando a China sediou os Jogos Olímpicos em 2008 e quis mostrar ao mundo o milagre econômico vivido pelo país. Wang foi expulso de seu bueiro - apelidado ironicamente de “paraíso” - e conduzido à delegacia, na mesma caixa do cão policial que fora utilizado na operação de expulsão.

O correspondente francês em Pequim do jornal Le Figaro, Patrick Saint-Paul, investigou as condições de vida desses verdadeiros párias do sistema econômico chinês. Camponeses que deixam as regiões agrícolas, em busca de uma vida mais próspera nas megalópoles chinesas.

Entre 1979 e 2002, mais de 400 milhões de camponeses abandonaram as zonas rurais. Um milhão de trabalhadores oriundos desse êxodo rural vivem atualmente nos porões insalubres de Pequim - antigos refúgios antiaéreos construídos durante a Guerra Fria, quando Mao Tsé-toung temia um ataque da antiga URSS. Esses trabalhadores, considerados como cidadãos de segunda classe, são conhecidos como a “Tribo dos Ratos”.

Em seu livro, "Le Peuple de rats", o correspondente francês descreve seus encontros, suas descobertas e as táticas adotadas para driblar a censura chinesa. Tudo começou com uma reportagem que ele fez para o Le Figaro. Sua primeira tentativa de abordagem desse universo não funcionou, ele foi rapidamente expulso das galerias clandestinas.

“Eu compreendi que seria uma reportagem extremamente complicada. E esse interesse acabou virando uma obsessão, eu os via em todos os lugares. Eles são um milhão em Pequim, e ocupam os postos mais humildes: entregadores, auxiliares de limpeza, etc”, constata Saint-Paul.

O correspondente do Le Figaro descobriu um universo paralelo subterrâneo embaixo do próprio prédio onde mora. Esse acaso, funcionou como uma porta de entrada às entranhas da cidade e seus habitantes.

A explicação para esse fenômeno urbano são os preços exorbitantes dos aluguéis das grandes metrópoles chinesas. Os quartos subterrâneos, ainda que desprovidos de luz natural, água corrente, banheiros e janelas, acabam sendo a única solução viável para esses trabalhadores precários. O aluguel de um quarto de cinco metros quadrados é de € 70 (cerca de R$ 280).

Famílias separadas de Pequim

Enquanto os pais trabalham nas cidades, os filhos vivem na roça. O jornalista francês que visitou algumas dessas famílias desmembradas, explica que o motivo dessa separação forçada é a ausência do “hukou” - um registro civil que serve como permissão de residência na China. Esse documento existe para impedir a avalanche de emigrantes na cidade.

Logo, os emigrantes que não possuem o “hukou” são obrigados a abandonar os filhos, já que todos os direitos do cidadão dependem desse documento. Existem atualmente, entre 61 e 65 milhões de crianças que foram deixadas nas zonas rurais, cinco por cento delas vivem sozinhas.

“A irmã mais velha de 14 anos vai à escola, acompanha os irmãos menores, faz as compras, prepara a comida, etc., e os pais enviam dinheiro todos os meses e os visitam uma vez por ano”, explica o jornalista. Essa engrenagem social, onde crianças crescem longe dos pais, acaba gerando importantes problemas sociais. Além dos casos de suicídio e depressões, há casos de delinquência juvenil cada vez mais presentes na China.

Ao longo de sua reportagem, Patrick Saint-Paul buscou compreender as motivações profundas dessa população:
“O que os motiva na vida são os seus filhos, bem como a ideia de viver melhor que seus próprios pais, constatar que o nível de vida progrediu e quanto a isso, todos dizem a mesma coisa, que a vida atual é mais clemente do que ela foi com seus pais ou avós.”

Como base de comparação, a “tribo dos ratos” menciona o período terrível da grande fome durante o perído de Mao Tsé-Tung, quando 30 milhões de pessoas morreram.

Mas apesar dessa visão otimista, o correspondente do Le Figaro afirma que muito embora eles não ousem criticar abertamente o sistema, eles tem consciência, graças à internet, das diferenças existentes entre a China e o resto do mundo.

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.