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Turquia/Eleições

Apesar de tensão, Turquia não deve garantir maioria a Erdogan nas eleições de domingo

A Turquia vai às urnas neste domingo (1) sob forte tensão, principalmente no sul do país, onde a maior parte da população é curda. Se as pesquisas estiverem corretas, essas eleições legislativas antecipadas, convocadas depois que o AKP, partido do presidente Recep Tayyip Erdogan abdicou de formar um governo de coalizão, devem repetir o resultado do pleito de julho. Naquela ocasião, o partido pró-curdo HDP ultrapassou a barreira dos 10% de votos necessários para eleger deputados e quebrou a maioria absoluta do AKP, enterrando o projeto de Erdogan de criar o que se convencionou chamar na Turquia de "hiperpresidência". Na prática, significa garantir plenos poderes ao presidente.

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan, fotografado no dia 29 de outubro no mausoléu de Mustafa Kemal em Ancara, no aniversário da República
O presidente turco Recep Tayyip Erdogan, fotografado no dia 29 de outubro no mausoléu de Mustafa Kemal em Ancara, no aniversário da República REUTERS/Umit Bektas
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Frustrado, o presidente lançou uma campanha virulenta contra opositores. Nos últimos dias, redes de televisão de oposição foram fechadas e aconteceram vastas campanhas de intimidação. Por isso, todos os partidos contrários à proposta da hiperpresidência mobilizaram suas militâncias para impedir fraudes. A região mais tensa é no chamado Curdistão turco, para onde Ancara enviará a maior parte dos quase 400 mil soldados que devem, segundo o governo, garantir a segurança do pleito. Os pró-curdos acusam o presidente de querer mobilizar as forças de segurança para dificultar os votos da minoria.

A ofensiva de Erdogan é tão agressiva que conseguiu um fato raro: fazer Libération e Le Figaro, respectivamente os principais jornais de esquerda e de direita da França, concordarem. Em suas edições deste sábado, as duas publicações afirmam que o presidente turco foi longe demais em sua escalada autoritária e em sua estratégia de incitar deliberadamente o caos.

Sultão à deriva

No editorial intitulado "a deriva do sultão", Le Figaro se pergunta onde foi parar o líder "esclarecido", que levava a Turquia pelo caminho das reformas, fazia surgir uma nova classe média, reduzia a influência política do exército e abria as negociações de paz com os curdos?

Essa imagem, associada ao primeiro ministro Erdogan do início dos anos 2000, que chegou a ser apontado pela imprensa ocidental como um farol democrático para o Oriente Médio, contrasta com a atual: um "sultão" que ocupa um caríssimo palácio de 200 mil metros quadrados e ordena a repressão violenta a seus inimigos, de rivais políticos à mídia independente, passando pela juventude, pelos funcionários públicos, a oposição curda e até por crianças. Em uma de suas matérias, Le Figaro lembra que dois meninos de 12 e 13 anos foram presos em Diyarbakir, cidade de maioria curda no sul do país, por depredar um cartaz com a foto do mandatário. Se condenados pelo absurdo artigo penal que tipifica o crime de "insulto ao presidente", eles podem pegar até quatro anos de prisão.

Neste contexto de polarização radical, este "autocrata", como escreve Le Figaro, "envia os turcos às urnas para obter o que lhe foi negado há quatro meses: a maioria parlamentar que lhe permitiria mudar a Constituição e instaurar um regime presidencialista". Como as pesquisas de intenções de voto não apontam grande diferença em relação ao cenário que elegeu 13% de deputados da sigla pró-curda HDP, o diário conservador prevê uma Turquia imersa na crise política, na violência, na desaceleração econômica, na ameaça jihadista e no êxodo sírio. A Europa conta com este homem para enfrentar o fluxo migratório, mas entrar na barganha com ele - que quer acelerar o processo de adesão turca à União Europeia e facilitar a obtenção de vistos para turcos - é, para o jornal, um "erro funesto, que substituiria um perigo imediato por uma bomba-relógio".

"Todas as formas de luta são válidas"

O Libération entrevista uma deputada do HDP, que expressa um pouco o estado de desilusão que vive a esquerda curda depois que Erdogan atirou o país no caos para reverter a reviravolta que sofreu nas eleições de julho. Enise Guneyli diz que seus correligionários sempre souberam que uma derrota do AKP, o partido do presidente, geraria provocações e conflitos e que ele não vai tolerar não vencer a disputa deste domingo. Erdogan e seus partidários têm jogado com esse clima de terror, atribuindo a guerra que ele próprio lançou contra o PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, à vitória eleitoral da sigla pró-curda.

Mas isso cria, claro, um descrédito absoluto na política como via de mudança - um sentimento que o enviado especial do Libération a Diyarbakir captou em uma associação da juventude curda. Sob retratos de ícones nacionalistas de esquerda como Nelson Mandela, Ghandi e Malcolm X, a militante Besra afirma que "ganhar assentos no parlamento significa que você integra o sistema, que você trabalha por ele, mesmo que esteja na oposição. A Turquia é uma democracia só no papel. As últimas eleções não trouxeram avanço nenhum, os curdos não ganharam nenhum direito por integrar o parlamento", diz a jovem de 24 anos, acrescentando que "todas as formas de luta contra a invasão do Curdistão são válidas".

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