Estados Unidos mantêm hegemonia dividindo inimigos e aliados
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O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Ashton Carter, não brincou em serviço. Durante a conferência anual do Diálogo de Shangri-La, ele foi curto e grosso. Primeiro, intimando a China a cessar as provocações no Mar da China meridional com a construção de bases militares em pequenos arrecifes reivindicados por vários outros países da região. Segundo, reafirmando o papel “crucial” da marinha americana na região e a determinação de continuar navegando e sobrevoando livremente qualquer pedaço de território considerado águas internacionais, queira ou não Pequim. Um aviso explícito e duro imediatamente aplaudido pelo Reino Unido, a União Europeia, Singapura, Austrália e a própria associação dos países do sudeste asiático – a Asean. Eles pedem em coro que a China aceite um código de conduta para aliviar as tensões nas águas em disputa.
O tempo está cada dia fechando mais na Ásia oriental e mais uma vez a administração Obama aproveitou para explicar a sua doutrina em matéria de política internacional. Essa pode ser resumida de maneira simples: os Estados Unidos não vão se retirar do mundo ou voltar para o seu tradicional isolacionismo, mas também não vão mais intervir diretamente a torto e a direito. Tropas americanas terrestres só entrarão em conflitos diretos no caso em que os interesses americanos “vitais” estiverem ameaçados. Quando se tratar só de interesses “estratégicos” locais, a responsabilidade é das potências regionais. E não contem com a velha cavalaria americana que vem salvar todo mundo no fim do filme. No máximo poderão ter alguma ajuda da aviação e da marinha do Tio Sam, e, mesmo assim, quando convier aos interesses da Casa Branca. Chegou a vez dos principais interessados e aliados em cada região de arriscar guerras e morrer combatendo. Que se virem!
Os últimos acontecimentos no Oriente Médio ilustram perfeitamente essa “doutrina Obama”. Ashton Carter declarou que é perfeitamente possível derrotar os terroristas do dito “Estado Islâmico” ou Daesh em árabe. Mas que “mantê-lo derrotado” é trabalho para o pessoal que vive na região. Foi mais uma resposta ao coro dos desanimados após os últimos avanços do Daesh em Palmira e Ramadi, que reclamam aos brados uma intervenção terrestre das tropas americanas. São os mesmos que não são capazes de se entender e montar uma força combatente eficaz e ao, mesmo tempo, denunciam o “imperialismo americano”. E não é só o governo iraquiano, as monarquias do Golfo e os europeus que choramingam. Até os iranianos começaram a reclamar da ausência do Grande Satã na batalha campal contra os terroristas islâmicos. Mas pelo visto Washington não está nem aí.
Prioridade de Obama é o Irã
A prioridade de Obama é chegar a um acordo com Teerã para congelar o programa nuclear dos aiatolás e, ao mesmo tempo, reduzir drasticamente o poder político-militar do Irã na região. Por enquanto, um Daesh ameaçador mas não vencedor pode ser um instrumento muito interessante para enfraquecer os dois pilares do poderio iraniano no Oriente Médio: as autoridades xiitas de Bagdá e o regime de Bashar al-Assad na Síria, sustentado pela milícia xiita libanesa armada e “aconselhada” pela Guarda Revolucionária iraniana. Travar a aventura nuclear de Teerã e obrigar os aiatolás a abandonarem Assad é o sonho de consumo da Casa Branca.
Um sonho, aliás, que merece bem uma pequena concessão a Moscou, o outro grande aliado de Bashar. Recentemente, representantes americanos resolveram afrouxar um pouquinho a pressão sobre Putin. O objetivo é obter o apoio de Moscou às negociações com o Irã e convencer o Kremlin a abandonar Assad. Em contrapartida, deixar a invasão russa da Ucrânia na surdina, se os russos cumprirem a promessa de cessar-fogo. Pelo visto, a ideia não é tão improvável, já que a Rússia parece já estar se retirando da Síria.
Tudo isso não é nada mais nada menos do que a velha geopolítica de manter a hegemonia equilibrando e dividindo inimigos e aliados. Obrigando uns e outros a compartilhar o peso da manutenção da ordem nos seus espaços regionais. Tanto na Ásia-Pacífico, quanto no Oriente Médio, na Europa ou na África. Acabou o “almoço de graça”. Só que o preço para o resto do mundo pode rapidamente tornar-se exorbitante.
Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, escreve às terças-feiras para a Rádio França Internacional.
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