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O Mundo Agora

Decisões de Obama são pura e cínica "Realpolítica"

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Para países ou movimentos pouco poderosos é difícil entender e aceitar que na hora do “vamos ver” eles são só fichinhas das grandes potências. Nada mais humano do que achar que os próprios problemas são importantíssimos e merecem ser tratados com cuidado e respeito. A frustração é grande quando, de repente, são sacrificados no altar dos interesses maiores dos mais poderosos.

O presidente norte-americano Barack Obama
O presidente norte-americano Barack Obama REUTERS/Kevin Lamarque
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O secretário de Estado americano acaba de dar um cavalo de pau geopolítico declarando que na Síria vai ser necessário negociar com o presidente Bachar Al Assad. O mesmo que Washington não parou de denunciar e tratar de assassino pelos horrores cometidos pelo regime de Damasco: mais de 200.000 mil mortos e 4 milhões de refugiados nos últimos quatro anos, sem falar na destruição completa do país e na promoção dos terroristas do dito grupo “Estado Islâmico” para enfraquecer a oposição mais moderada. Oposição que os americanos apoiam.

Na Ucrânia, Putin anexou a Crimeia, invadiu e ocupou um pedaço do Leste do país, ameaçando toda a ordem mundial do último meio século que estabelece o respeito às fronteiras nacionais. Mas Barack Obama recusou-se a armar o governo pró-ocidental de Kiev, contentando-se em estabelecer algumas sanções quase simbólicas contra alguns manda-chuvas do Kremlin. Nada de confrontações sérias com Moscou. Quanto aos venezuelanos é difícil, à primeira vista, entender porque subitamente o presidente americano declara que o regime bolivariano é uma ameaça para os Estados Unidos e impõe sanções contra alguns de seus dirigentes. Uma jogada aparentemente sem nexo, já que só serviu para fortalecer os poderes autoritários de Nicolás Maduro e para prejudicar a oposição que os americanos pretendem ajudar. Quem acredita que a Venezuela se desmanchando numa crise interna sem fim possa representar um perigo para alguém?

O problema é que essa sucessão de atitudes que parecem incoerentes não é só incompetência crassa do presidente Obama, como acusam os Republicanos no Congresso em Washington. Todas essas decisões são pura e cínica Realpolítica. E tem nome e endereço: Irã e, subsidiariamente, Cuba. Está claro que para a diplomacia americana, a atual prioridade absoluta é conseguir um acordo sobre o programa nuclear iraniano para poder restabelecer boas relações com Teerã. Com um Oriente Médio sunita se fragmentando em dezenas de conflitos locais sangrentos que alimentam terrorismos transnacionais, e até países inteiros desaparecendo – a Síria e o Iraque – a potência xiita iraniana aparece como um pólo de estabilidade.

O Irã e as milícias xiitas iraquianas aliadas estão na primeira linha do combate contra os terroristas sunitas. Não há aliança formal com o coalizão ocidental, mas sim uma evidente convergência de interesses. O Irã na Síria, graças ao seu aliado xiita, o Hezbolah libanês, tornou-se único sustentáculo do regime de Bachar Al Assad, também ajudado pelos russos. Esse famoso “arco xiita” é também o único contrapeso sério às políticas erráticas da Arábia Saudita e dos Emirados do Golfo, que financiam o radicalismo islâmico e, ao mesmo tempo, pedem proteção ao Pentágono. Recuperar uma boa relação com o Irã é um trunfo nada desprezível para a política americana nessa região perigosa e em frangalhos. Só que sem a Rússia não pode haver acordo nuclear com Teerã. Então, a coisa é não engrossar demais com Putin: evitar enfrentamentos na Ucrânia e declarar que vai haver conversa com Al Assad.

Essa surpreendente reviravolta na relação com Damasco é também uma maneira de reconhecer publicamente que os Estados Unidos aceitam a influência e a presença do “arco xiita” na região. Um docinho para convencer Teerã a aceitar o acordo nuclear. Quanto à Caracas, é só uma gesticulação da Casa Branca para dar algum alpiste para os Republicanos do Congresso. Uma maneira barata de mostrar que Obama também pode tomar decisões de “machão”. Além do mais, as sanções contra o regime bolivariano transforma a crise venezuelana em questão que terá de ser tratada diretamente pelos Estados Unidos e Cuba, agora em plena nova lua de mel. Isso tira de campo a UNASUL e todos os outros latino-americanos. E não importa se a oposição venezuelana fica pendurada na brocha. Mundo multipolar é isso aí: quem não tem cacife para sentar na mesa acaba no cardápio.
 

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