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O Mundo Agora

Grécia mostra que austeridade é um remédio que pode matar o paciente

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As políticas europeias de austeridade e o rigorismo alemão bateram na parede. Diante da crise financeira, a Alemanha impôs um diagnóstico: os países que afundaram foram aqueles que se endividaram até o pescoço para comprar a prosperidade econômica sem ter que fazer esforço. Daí a receita: se quiserem ajuda para sair do buraco vão ter que fazer o dever de casa e enfrentar de cara as reformas estruturais, sociais, econômicas e políticas que vinham sendo proteladas há décadas. Os alemães não estavam mais a fim de pagar a conta da corrupção, do clientelismo, da incompetência administrativa, dos lobbies sindicais, ou das burocracias asfixiantes.

Mensagem em um muro da capital Atenas, em imagem registrada um dia antes das eleições legislativas na Grécia, diz: "Acabe com a dívida. FMI vá embora".
Mensagem em um muro da capital Atenas, em imagem registrada um dia antes das eleições legislativas na Grécia, diz: "Acabe com a dívida. FMI vá embora". REUTERS/Alkis Konstantinidis
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Esse rigoroso “toma-lá-dá-cá” fazia todo o sentido. Só que o remédio administrado pelo FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (a famosa “troika”) está quase matando os pacientes. Nos últimos anos, o governo conservador grego conseguiu realizar boa parte do figurino e recebeu uma baita ajuda da “troika”: cortou drasticamente as despesas do Estado e o número de funcionários públicos, abaixou os salários e as pensões, acabou com uma série de vantagens sociais que só podiam existir com dinheiro emprestado e desregulamentou o mercado do trabalho.

População desesperada

A economia grega voltou a crescer devagarinho e já é possível enxergar o fim da austeridade no fundo do túnel. O problema é que a dívida continuou explodindo e que a população pagou um preço altíssimo com uma queda brutal da renda familiar e um desemprego que chega a quase 27%. A vitória avassaladora da coalizão de extrema-esquerda Syriza, que quer renegociar a dívida e acabar com o regime de austeridade, foi a reação previsível de uma população desesperada.

Na Europa todos sabem que a Grécia não terá nunca a capacidade de pagar uma dívida que chega a 170% do PIB. E todos sabem também que em vários países que já fizeram uma parte do dever de casa - Espanha, Portugal, Irlanda e, em parte a Itália - não é possível continuar espremendo o limão.

Sem um novo surto de crescimento econômico, ninguém vai sair do buraco da dívida, nem com coragem política. Sem crescimento, os eleitores europeus vão cada vez mais votar em partidos populistas de esquerda ou de direita, o que poderia provocar a desintegração da zona do euro e da própria construção europeia. Uma perspectiva que certamente produziria outra crise mundial.

Não é por nada que o Banco Central europeu, passando por cima das reticências alemãs, acaba de lançar um programa de injeção massiva de fundos na economia da zona do euro.

Mais dinheiro no mercado

Essa maquinaria de criar dinheiro deu certo nos Estados Unidos e na Inglaterra, os únicos, hoje, que estão dando a volta por cima da crise. Mas vai funcionar na Europa? Nos países anglo-saxões, as reformas financeiras e sociais estruturais já estão muito mais avançadas. Quando os BCs jogam dinheiro no mercado, uma boa parte vai para o investimento e as atividades produtivas. Na velha Europa, paralisada pelas burocracias e o acúmulo de regras, é muito possível que o novo dinheiro vivo vindo do Banco Central acabe na especulação financeira, já que as empresas não tem confiança para investir na produção.

Muita coisa vai depender da renegociação da dívida grega. O problema é encontrar um jeito de salvar a face do novo governo de Atenas, dando-lhe alguma satisfação sobre o pagamento da dívida, sem que isso possa abrir um precedente para que os outros países europeus em crise também comecem a chorar e afrouxem seus próprios programas de reformas estruturais.

Dar um nó nesse pingo d’água não é fácil, mas é possível se os novos líderes gregos, agora no poder e com medo de ter que presidir uma catástrofe econômica, estão dispostos a baixar a bola de suas promessas eleitorais. E se Angela Merkel será capaz de convencer o seu eleitorado de que um esforço maior de solidariedade com a Europa do Sul é também do interesse da Alemanha.

Por enquanto, os mercados estão otimistas. Afinal de contas ninguém está a fim, nem Berlim nem Atenas, de enfrentar uma implosão da zona do euro. Mas quando o problema é fundamentalmente político, as coisas sempre podem dar errado, mesmo sem querer.

* Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, escreve às terças-feiras para a RFI
 

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