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O Mundo Agora

Turquia está encurralada entre curdos separatistas e grupo Estado Islâmico

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Quem pode pode, quem não pode se sacode. A Turquia do presidente Recep Tayyip Erdogan deve estar matutando essa velha sabedoria brasileira. Há uma década atrás, quando chegou ao poder com o seu partido islâmico, o AKP, o dirigente turco, junto com o seu ministro das relações exteriores Ahmet Davotoglu – hoje primeiro ministro – queriam fazer da Turquia a grande potência regional, da Ásia turcófona ao mundo árabe sunita. Hoje essa ambição simplesmente naufragou no turbilhão das revoltas árabes, na hostilidade dos vizinhos sunitas e na incapacidade de administrar a violência nas suas fronteiras meridionais e as centenas de milhares de refugiados fugindo da Síria e do Iraque.

Mais de 130 mil curdos sírios se refugiaram na Turquia durante o fim de semana fugindo do Estado Islâmico.
Mais de 130 mil curdos sírios se refugiaram na Turquia durante o fim de semana fugindo do Estado Islâmico. REUTERS/Murad Sezer
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Hoje a Turquia está diretamente ameaçada pelos os terroristas enlouquecidos do dito “Estado Islâmico”. Mas também pela possibilidade de que a implosão do Oriente Médio acabe consolidando um estado curdo independente, pesadelo de qualquer governo em Ancara.

Quem diria? Há três anos, Erdogan galvanizava multidões numa viagem histórica no Egito, Líbia e Tunísia. Era a época das revoluções árabes com partidos islâmicos sunitas chegando ao poder e olhando para o islamismo democrático turco como um modelo. A estratégia regional do AKP era justamente promover e ajudar as forças islamitas vinculadas à confraria dos Irmãos Muçulmanos, mais moderadas e, portanto mais independentes da outra grande potência da região, a Arábia Saudita.

Irã, velho adversário geopolítico

E foi exatamente isso que Erdogan fez no começo da guerra civil na Síria, apoiando abertamente os elementos sunitas moderados da oposição ao governo de Bashar Al Assad. Uma maneira também de enfraquecer a presença do Irã xiita nessa pretensa zona de influência turca. Um Irã, velho adversário geopolítico da Turquia, que era, e ainda é, a principal sustentação do regime sírio e do governo xiita no Iraque profundamente hostil aos sunitas.

Os objetivos eram claros: comandar uma aliança de governos controlados pelos Irmãos Muçulmanos para marginalizar o poder dos sauditas e dos iranianos nessa região que o império otomano perdeu só depois da Primeira Guerra Mundial. Uma ambição que já foi batizada de “neo-otomana”, rompendo com os fundamentos laicos e estreitamente nacionalistas da Turquia moderna criada pelo grande Kemal Ataturk. Dentro e fora do país, Erdogan sonhava em restabelecer a grandeza dos sultões imperiais. Só que querer não é poder. O mundo desse começo do século XXI não tem mais nada a ver com o do século XV.

De saída, a Arábia Saudita, que financia e apóia diretamente as correntes religiosas sunitas mais conservadoras e radicais – como os salafistas – ajudou a combater os Irmãos Muçulmanos. No Egito – que nunca achou graça no domínio turco – apoiando o golpe militar do general Al-Sissi e a terrível repressão contra a Irmandade. Na Síria, financiando grupos extremistas sunitas para combater tanto o regime de Bachar Al Assad quanto os sunitas apoiados por Ancara.

Hoje, os Irmãos muçulmanos que provaram sua profunda incompetência política, foram praticamente alijados do poder e até perseguidos em quase todo o mundo árabe. Enquanto o Frankenstein salafista – e agora os bárbaros do “Estado Islâmico” – financiado por talões de cheques sauditas estão de vento em popa. Pior ainda, a ofensiva desses bárbaros está provocando uma nova onda de refugiados curdos com mais de 130.000 pessoas fugindo para a Turquia. E ainda por cima, os únicos que têm tutano e vontade para enfrentar diretamente esse terrorismo de massa islamita são os curdos e, sobretudo os do PKK, partido que também sempre brigou pela independência das regiões curdas turcas.

Turquia é obrigada a aceitar o armamento dos curdos

Ancara não tem jeito, senão ficar calada quando a comunidade internacional decide que é necessário armar e ajudar os curdos para combater o terrorismo bestial do “Estado Islâmico” que está aterrorizando até os sauditas.

Em vez de brilhos imperiais e renascimento da potência turca, Erdogan e Davotoglu estão encurralados, com toda a fronteira sul explodindo. Em vez de um mundo sunita moderado admirando o AKP turco, eles não sabem mais como enfrentar uma guerra sunita de todos contra todos. E só podem enfiar a carapuça em cima do muro. A grande política externa turca dos últimos dez anos, simplesmente desmoronou. Quem pode pode, quem não pode...

Clique no ícone acima para ouvir a crônica de política internacional de Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris

 

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