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O Mundo Agora

Banco dos Brics será « apêndice » do Banco Mundial e FMI

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Agora que baixou a poeira, dá para olhar de maneira mais serena para o novo banco dos BRICS, criado na Cúpula de Fortaleza no dia 15 de julho passado. Os comentários foram exaltados como sempre quando alguma coisa é feita à revelia das potências ocidentais. “Desafio ao Ocidente”, “alternativa ao Banco Mundial”, “o Sul financeiramente independente”, foram algumas das manchetes esperançosas ou angustiadas da mídia do Sul e do Norte.

Criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) pelos cinco países que formam os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)
Criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) pelos cinco países que formam os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) REUTERS/Nacho Doce
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Não há dúvida de que esse novo banco de desenvolvimento serviu – e de maneira espetacular – a sinalizar a profunda insatisfação dos países ditos “emergentes” com a incapacidade da Europa, e, sobretudo dos Estados Unidos, em aceitar reformas do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, nem que sejam modestas. O recado foi simples: já que vocês não querem mudar nada e continuam impondo exigências para tudo, nós vamos fazer as coisas do nosso jeito. Parece até um brado de independência. Mas será isso mesmo? Não seria a primeira vez que montanhas acabem parindo um ratinho... ou um monstrengo.

Banco Mundial já ofereceu conselheiros técnicos

Para começo de conversa o capital do banco – 50 bilhões de dólares – é modesto demais para ter uma influência significativa na massa de financiamentos de infraestruturas ou projetos industriais nos países em desenvolvimento. Hoje a imensa maioria dos fundos para o desenvolvimento vem da iniciativa privada. E essa só se mobiliza junto com governos se obtiver sólidas garantias de seriedade, de boa administração e bons retornos. Garantias essas que são dadas pelas instituições multilaterais criticadas pelos BRICS.

Não é por nada que o Banco Mundial faz questão de declarar que não considera a iniciativa como uma competição, mas como uma maneira de agregar valor aos projetos de ajuda, e – camarada – já está oferecendo conselheiros técnicos para garantir o bom funcionamento do novo banco.

O mesmo pode ser dito do fundo de reservas emergenciais de 100 bilhões de dólares também criados pelos BRICS para ajudar países com problemas sérios de balança de pagamentos e fuga de capitais – uma espécie de mini FMI. A retórica antiocidental não bate com o fato de não querer rasgar dinheiro. Agora que os BRICS têm um banco, não vão querer levá-lo à falência. Portanto, empréstimos e ajudas serão concedidos com critérios praticamente idênticos aos do Banco Mundial e do FMI. Na verdade, quando, e se, começar a funcionar realmente daqui a uns dois ou três anos, o novo banco vai ser uma enésima instituição de desenvolvimento, um quase apêndice do Banco Mundial e do FMI como os atuais bancos de desenvolvimento regionais.

A China é a grande potência do grupo

Mas outro problema ameaça o banco dos BRICS. Em matéria de banco quem manda é a grana. Ora, a China vai controlar mais de 40% do fundo de emergência e não há dúvida de que é a grande potência financeira do grupo, quase hegemônica. Pequim, aliás, impôs que a sede da instituição fosse colocada em Xangai. E basta olhar a política chinesa de ajuda ao desenvolvimento para ver que praticamente todos os financiamentos para infraestrutura na África, na Ásia ou na América Latina estão diretamente vinculados aos interesses imediatos chineses em ter acesso a matérias-primas ou a mercados para os produtos made in China.

O novo banco, sob a batuta chinesa e apesar da retórica de “bonzinho”, vai provavelmente contribuir para favorecer, sobretudo a penetração das empresas chinesas e aumentar a dependência dos países pobres das commodities e do mercado comprador chinês. O banco dos BRICS tem tudo para ser simplesmente uma cobertura institucional para a afirmação da potência emergente chinesa.

Na verdade, o novo banco é mais uma jogada retórica do que substantiva. E serve mais os interesses chineses do que dos outros parceiros do BRICS. Mas a criança só vai crescer se as economias dos BRICS continuarem bombando. Perspectiva duvidosa: os modelos econômicos do Brasil, Índia, Rússia, África do Sul e até da China, estão batendo na parede. E sem a retomada de um crescimento econômico forte, o novo banco vai acabar no vastíssimo cemitério das instituições grandiloqüentes e vazias.

Clique no ícone acima para ouvir a crônica de política internacional de Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
 

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