Semana crucial para o futuro da França. O governo socialista vai tentar convencer o poder legislativo a aprovar um programa de reformas para tirar a segunda economia da zona euro do buraco.
Os economistas mais sérios já calcularam que todos os parâmetros econômicos da França têm se deteriorado sistematicamente há mais de dez anos. Ninguém conseguiu até hoje controlar a gastança do governo, que chegou a 56% do PIB, e há três décadas que o Estado francês não equilibra o orçamento público. Sem falar na carga fiscal que esmaga as empresas, o investimento produtivo e recentemente – com o socialista François Hollande no poder – uma parte importante dos cidadão comuns, sobretudo a classe média. Se no mínimo isto teria servido para manter uma prosperidade aceitável, mas não. A França vem acumulando índices negativos a cada trimestre e o desemprego ultrapassou cinco milhões de pessoas (uma taxa de 11%, o dobro da Alemanha). Sem falar que a dívida começa a se aproximar perigosamente dos 100% do PIB.
No resto da Europa, a preocupação é evidente. A França é considerada o “homem doente” do continente. Só que não é um “paiseco” qualquer. Se não for dado um jeito, o peso brutal da economia francesa pode afundar a Europa inteira. A humilhação para Paris ainda é maior quando comparamos a paralisia da política econômica francesa com os países do sul do continente (Grécia, Itália, Espanha e Portugal), que foram os que mais sofreram com a crise financeira global. No fundo do poço, eles arregaçaram as mangas, promoveram reformas duras e dolorosas, cortaram os déficits na carne e fizeram um esforço hercúleo para recobrar algum dinamismo. Hoje, já podem enxergar a luz no fundo do túnel e recomeçaram a crescer, apesar dos imensos problemas que ainda têm que enfrentar.
Mas a França parou. O FMI já anunciou que o país não vai crescer mais do que 0,7% esse ano. E ninguém pensa que o desemprego possa melhorar antes de 2016. A França parece com o Brasil: “pibinhos” atrás de “pibinhos” e a incapacidade de encontrar uma solução.
O país está cada vez mais exasperado. Os dois grandes partidos de governo, o Partido Socialista e a UMP, da direita, estão se fragmentando, esfacelados. Não há mais nenhum consenso sobre como tentar resolver essa situação de crise permanente. A única que está aproveitando com a raiva dos cidadãos é a Frente Nacional, o partido de extrema-direita, racista e xenófobo de Marine Le Pen, a força política que ganhou o maior número de votos nas últimas eleições para o Parlamento Europeu.
Imprensado contra a parede, o presidente Hollande nomeou um jovem primeiro-ministro, Manuel Valls, conhecido por ser ambicioso, pragmático e com coragem para tentar reformas difíceis sem pruridos ideológicos. Valls, que sonha repetir a façanha do jovem presidente do Conselho Italiano, Matteo Renzi, já anunciou que a única solução para relançar a economia é uma política que beneficie a oferta em vez de continuar querendo aumentar artificialmente a demanda. Privilegiando os empresários, os investimentos, o aumento da produtividade e acabando com os privilégios corporativistas de centenas de categorias que não querem abrir mão de nada.
O problema é que o próprio partido socialista está dividido, com uma esquerda arcaica que não para de denunciar a linha do primeiro-ministro e ameaça não votar as reformas. Os diversos sindicatos, que aliás não representam mais de 7% dos trabalhadores – na grande maioria funcionários públicos –, vêm promovendo greves e mais greves contra a política do governo socialista e ameaçando não participar ao diálogo social lançado por Valls e Hollande, acusando-os de ficar “dando presentes” aos empresários.
Para salvar o seu plano de reformas, o presidente Hollande, homem de esquerda, foi obrigado a passar um pito nos sindicatos e nos dissidentes do PS, declarando que negociações sociais não podiam ser uma corrida permanente para pedir mais e mais. Valls foi mais taxativo ainda dizendo que a “França corre o perigo de se desmanchar” com uma “direita exangue e uma esquerda desorientada”. “Sim, a esquerda pode morrer”, acrescentou ele. O problema é que não é só a esquerda. Se a França for para o beleléu, é a Europa inteira que pode acabar muito mal.
Clique no ícone acima para ouvir a crônica de política internacional de Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
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