Gás e petróleo estão por trás dos conflitos na Ucrânia e Iraque
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Não tem jeito: vira e mexe, e os conflitos mais importantes no mundo têm um cheiro inconfundível de gás e de petróleo. A questão do acesso a reservas e do fornecimento de hidrocarbonetos paira em torno das crises na Ucrânia ou no Iraque. Claro, não é a única razão. Na Ucrânia, Putin quer deixar claro que a Rússia está voltando a ser uma grande potência e que ela tem todo o direito de definir o futuro dos Estados vizinhos. Enquanto que no Iraque a briga é entre o Irã e a Arábia Saudita. Cada um tentando controlar o governo de Bagdá nessa guerra secular entre xiitas e sunitas. E em cada um desses teatros estratégicos, o objetivo é tentar acabar com a influência dos Estados Unidos. Tirar os americanos da jogada para poder se digladiar em paz com as potências vizinhas.
Cortar o gás da Ucrânia é uma ameaça aos consumidores europeus
Mas apesar destes vários motivos geopolíticos clássicos, gás e petróleo continuam fundamentais. Dois fatos novos estão transformando a equação energética do planeta. O primeiro é o estouro da produção de gás e petróleo de xisto nos Estados Unidos. Os americanos, em pouquíssimo tempo, estão se tornando os maiores produtores do mundo e vão até começar a exportar. O segundo foi a anexação da Crimeia pela Rússia e agora a chantagem de Moscou que decidiu cortar o fornecimento de gás para a Ucrânia que recusa ter que pagar para a Gazprom uma quantia absolutamente absurda que quebraria a economia ucraniana e colocaria o país nas mãos do Kremlin. Essas manobras russas ascenderam uma luz vermelha na Europa que importa da Rússia mais de 30% do seu consumo de gás. Cortar o fornecimento que passa pelo gasoduto que atravessa a Ucrânia, como a Rússia já o fez em 2006 e 2009, é uma ameaça direta para os consumidores europeus. Pela primeira vez os dirigentes europeus estão pensando seriamente na maneira de diminuir drasticamente a dependência com relação ao gás russo. Daí a idéia de que o gás de xisto americano, bem mais barato, poderia um dia substituir parte das importações que vem da Rússia. E daí também, a corrida de Putin para assinar um acordo de exportação com a China para mostrar aos europeus que ele tem uma alternativa.
Queda do preço do petróleo seria uma catástrofe para Putin
Tudo isso são jogos geopolíticos clássicos. Mas na verdade, para a Rússia, são as exportações de petróleo que mantêm o orçamento do país. Mas para isso o barril não pode baixar além dos 100 dólares, senão as contas não fecham. Uma queda dos preços seria uma catástrofe para as ambições de Putin e é uma arma nas mãos de Washington. A produção crescente de hidrocarbonetos nos Estados Unidos e em toda a área atlântica em geral – no Brasil, na Argentina, nas costas africanas e no México – além dos renováveis cada vez mais baratos e no pulo que vêm dando as tecnologias para economizar energia, vai começar a pressionar para baixo os preços mundiais. O mercado está se dividindo em dois sistemas. Os fornecedores atlânticos abastecendo as duas maiores economias do mundo (Europa e Estados Unidos) e os produtores do Oriente Médio vendendo para o Japão, a China e a Ásia emergente. A Rússia, no meio, pode perder muito com isso.
A chave dos preços da energia continua sendo o Oriente Médio com as suas reservas fabulosas. E aí entra a crise iraquiana. A Arábia Saudita também não tem interesse numa queda dos preços. Enquanto houver caos no Iraque, o imenso potencial de produção iraquiano não virá inundar o mercado. E também complica uma solução rápida da questão nuclear iraniana, o que traria de volta ao mercado as grandes reservas iranianas. Não é por nada que fundações sauditas dão dinheiro para grupos islamistas radicais sunitas e que Riad quer ver um governo de união nacional em Bagdá para contrabalançar a influência xiita do Irã. A Rússia também está colocando lenha na fogueira, jogando uns contra outros com armas e apoios políticos. Enquanto os americanos pensam em cooperar com o Irã para salvar a integridade do Iraque e uma farta produção de petróleo. Essa explosão geral na região e a guerra interna na Ucrânia vão determinar a nova geografia mundial do petróleo.
Clique no ícone acima para ouvir a crônica de política internacional de Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris;
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