Durante um trezentos anos, até o final da Guerra Fria, a Europa foi o centro do mundo. A civilização europeia dominava o planeta. Mas os terríveis enfrentamentos internos no Velho Continente repercutiam de maneira brutal na vida da humanidade inteira. Até durante o grande confronto planetário entre o comunismo e o capitalismo liberal, a União Soviética e os Estados Unidos, a Europa destruída por duas guerras mundiais continuava sendo o campo de batalha central.
A queda do muro de Berlim marcou a derrota definitiva do urso soviético. Até ocupada pelos russos e dependente do guarda-chuva militar americano, a Europa mantinha a sua condição de eixo estratégico do mundo. Só que a implosão do inimigo soviético também acabou com a importância dos assuntos europeus. Claro, o Velho Continente ainda tinha alguma relevância, sobretudo do ponto de vista econômico e comercial (afinal de contas a economia europeia ainda é a segunda maior do mundo).
Mas, do ponto de vista estratégico, os atentados do 11 de setembro em Nova Iorque e Washington transferiram os grandes problemas de segurança para o Oriente Médio. O terrorismo islamita, as intervenções americanas no Afeganistão e no Iraque, o programa nuclear iraniano e a explosão da primavera árabe, tudo isso em volta das maiores reservas petrolíferas do mundo, fortaleceram a ideia de que a Europa como espaço central já era. Sem contar com a “emergência” da China e da Índia.
A Ásia-Pacífico é hoje uma região chave para o bem-estar econômico do planeta inteiro e qualquer tensão mais forte entre os Estados da região pode ter conseqüências catastróficas para o mundo inteiro. Na própria região, os países vizinhos do Sudeste Asiático e a Coreia do Sul estão preocupadíssimos com a volta da rivalidade e das provocações entre Pequim e Tóquio, e a atitude arrogante das Forças Armadas chinesas no Mar da China Meridional.
Novo cenário internacional
Foi nesse novo ambiente internacional que Barack Obama foi eleito presidente – o primeiro presidente americano sem laços históricos e afetivos com a Europa. Herdando um país cansado de guerra, Obama, nascido no Havaí e educado em parte na Indonésia, queria ser o primeiro presidente “asiático” dos Estados Unidos. A sua estratégia diplomática era tirar o corpo fora do Oriente Médio e se voltar para a Ásia. Para isto era necessário neutralizar as tensões no mundo árabe, repatriar as tropas, negociar com o Irã e, paralelamente, garantir a segurança dos vizinhos da China que bradam por uma maior presença militar americana na Ásia-Pacífico.
Obama não queria mais saber de guerras e até inventou o famoso conceito de “liderar na retaguarda”, deixando aos aliados a responsabilidade das intervenções mais musculosas. Para o presidente americano, os grandes problemas da guerra e da paz deviam ser tratados pela cooperação e o diálogo, às vezes com sanções econômicas, e se possível de maneira multilateral. As repetidas tentativas de criar boas relações com a Rússia foram um dos eixos importantes desta nova visão política.
Putin ganha espaço
Só que aí aconteceu a Ucrânia. Com a invasão da Geórgia em 2008, Vladimir Putin fez um teste do tutano de Obama. E não houve nada. O presidente russo decidiu continuar, dando asilo a Edward Snowden e armando e protegendo o carniceiro Bachar Al-Assad. Quando Obama recuou na hora de castigar o presidente sírio por ter usado armas químicas. Putin achou,então, que podia tentar qualquer negócio. A invasão da Crimeia e sua anexação pela Rússia representam o maior desafio de segurança à ordem mundial implantada depois da Segunda Guerra Mundial.
O problema é que este desafio foi feito na Europa. E quando se mexe em fronteiras no Velho Continente tudo – e até o pior – podem acontecer. Hoje, Obama é obrigado a colocar a Europa no topo de suas prioridades e a pensar de novo em termos de relações de força e de contensão da Rússia. A visão de um mundo cooperativo sem grandes ameaças militares está se acabando rapidamente. O fim do mandato de Obama e o começo de mandato do futuro inquilino da Casa Branca serão, no mínimo, de “tensão fria” permanente. Maus tempos para quem ainda acredita no multilateralismo e também para a Europa que volta a ser um espaço de guerra estratégico.
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