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O Mundo Agora

Derrotada na 2ªguerra, hoje a Alemanha quer assumir papel de grande potência

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Uma extraordinária metamorfose geopolítica está acontecendo silenciosamente, na moita. Sessenta anos depois do final da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha está com comichões de grande potência independente. País vencido e destruído em 1945, estigmatizado pelos crimes hediondos do regime nazista, a Alemanha passou décadas evitando qualquer forma de ambição internacional explícita. Intervenções armadas no exterior foram totalmente proscritas, e o pacifismo e a culpabilidade da população representavam um poderoso antídoto para todas as veleidades de assumir responsabilidades para com a manutenção da paz no mundo.

A Alemanha começa a preconizar uma participação militar mais ativa em zonas de conflito. Na foto, a Ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen,  junto com tropas alemães e francesas no Mali.
A Alemanha começa a preconizar uma participação militar mais ativa em zonas de conflito. Na foto, a Ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen, junto com tropas alemães e francesas no Mali. REUTERS/Joe Penney
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Para a pequena participação militar alemã nos Bálcãs, depois dos terríveis massacres na Bósnia, foi preciso um verdadeiro drama nacional e as poucas unidades alemães no Afeganistão só foram para lá envergonhadas. Até na Europa, apesar de uma imensa presença econômica, Berlim sempre deixou claro que não queria assumir nenhuma liderança política, contentando-se em atribuir essas veleidades à França.

Uma modéstia ainda mais arraigada logo após a crise financeira de 2008, quando a Europa do Sul, estrangulada pelas políticas de austeridade, começou a xingar a chanceler Angela Merkel de Hitler.
Só que esse comportamento recatado não bate mais com o poderio alemão, uma nação de 80 milhões de habitantes, motor econômico da Europa, um dos maiores exportadores mundiais e um peso político crescente.

Aliás, a própria crise de 2008 mostrou para o mundo inteiro que os alemães eram os verdadeiros patrões da economia do Velho Continente. E que quem mandava na hora do “vamos ver” financeiro eram eles. Não é por nada que Angela Merkel virou saco de pancada dos outros países do continente. Ninguém gosta de um poderoso, sobretudo se ele endurece a maneira de exercer a liderança. Mas a experiência começou a convencer os políticos alemães que chegou a hora de assumir o peso geoestratégico do país.

Devagarzinho, é claro, para não criar uma rejeição generalizada por parte dos vizinhos e aliados.
Dois acontecimentos estão dando oportunidade para Berlim mostrar que tem dentes. O primeiro foi o escândalo do grampeamento, pela a Agência de Segurança Nacional americana, do telefone da chanceler e de praticamente todos os cidadãos alemães.

Para Merkel, que viveu o pesadelo da espionagem generalizada na antiga Alemanha comunista, o trauma foi enorme. A reação agora é a proposta alemã de criar uma infra-estrutura da Internet européia para acabar com o quase monopólio americano e proteger a privacidade dos cidadãos europeus. É provável que isto acabe sendo um sonho impossível.

A Alemanha sozinha não tem condições de criar uma “infra” com dimensões mundiais e será muito difícil convencer os outros países europeus de construir um rede de Internet comum, ou um Google europeu com capacidade de brigar com os gigantes americanos. Além disso, os vizinhos também não estão afim de ter um sistema que seria controlado, em última estância, pelo poder alemão.

E ainda por cima, qualquer conexão deste sistema com os Estados Unidos – o que seria indispensável para que ele tenha algum sentido – continuaria permitindo aos serviços de inteligência americanos de monitorar os europeus. Mas a verdade é que só o fato de produzir essa idéia já é uma sinal inequívoco de que a Alemanha está afim de tomar decisões estratégicas sem ter que consultar primeiro o Tio Sam.

O segundo acontecimento é a revolta popular na Ucrânia. Para a Alemanha, a Europa do Leste é o seu principal espaço estratégico. Ela também não quer engrossar com a Rússia de Vladimir Putin, seu principal fornecedor de gás. Até então Berlim tentou uma mediação européia, mas agora decidiu fazer o trabalho sozinha recebendo os líderes da oposição ucraniana e negociando discretamente com os russos.

E para mostrar que esse novo ativismo diplomático é para valer, o novo governo em Berlim vem fazendo uma campanha interna para convencer a opinião pública que chegou a hora de ajudar a França nas intervenções militares na África.

Claro, Merkel e os seus parceiros social-democratas no governo não querem – nem podem – balançar o coreto das relações transatlânticas ou inter-européias. Mas doravante, e cada vez mais, vamos ver uma Alemanha muito mais assertiva, tomando decisões em base de seus interesses nacionais assumidos publicamente.

A queda do Muro de Berlim permitiu a reunificação do país. Mas hoje, para os alemães, a crise de 2008 parece que vai acabar definitivamente com a Segunda Guerra Mundial.

Clique no ícone acima para ouvir a crônica de política internacional de Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
 

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