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O Mundo Agora

Para continuar crescendo, China deve liberalizar mercado financeiro

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As autoridades chinesas querem convencer o mundo e os mercados que as reformas econômicas anunciadas pelo Partido Comunista em novembro passado são para valer. Elas sabem perfeitamente que não dá mais para manter o crescimento da economia só exportando para os países ricos. Se o mercado de consumo interno não acelerar, o sucesso econômico obtido até hoje pode ir para a cucuia. Mas para que isto aconteça a condição impreterível é a liberalização do mercado financeiro. Acabar com a prática do partido e dos bancos chineses de fornecer crédito a preço de banana para os amigos, as empresas estatais nas mãos dos amigos, e os governos locais controlados por colegas do partido.

Chinês mostra moeda comemorativa do ano do cavalo, enquanto pessoas fazem fila diante de banco; a aceleração do consumo interno é um dos objetivos das autoridades chinesas para garantir o crescimento do país.
Chinês mostra moeda comemorativa do ano do cavalo, enquanto pessoas fazem fila diante de banco; a aceleração do consumo interno é um dos objetivos das autoridades chinesas para garantir o crescimento do país. REUTERS/China Daily
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Como é que o consumidor chinês vai começar a gastar e as empresas privadas vão poder investir, se conseguir crédito é uma verdadeira escalada do Himalaia? E se a remuneração dos depósitos bancários é próxima de zero? Quem ganha um dinheirinho na China sai correndo comprar um bem imobiliário, alimentando uma bolha especulativa inquietadora.

Foi por essa preocupação que o novo líder chinês Xi-Jinping empurrou goela abaixo do Comitê Central a idéia de que é o mercado quem vai decidir. O novo programa do partido definiu uma liberalização progressiva do crédito – até agora estreitamente controlado pelo Estado –, um sistema de garantia dos depósitos bancários, regras para obrigar as autoridades locais a administrar os orçamentos públicos de maneira transparente e uma minúscula abertura do câmbio. Tudo muito bonitinho na papelada oficial. Só que na prática essa ambiciosa reforma financeira já está batendo com a cara na parede.

Já em junho de 2013, o Banco Central chinês teve que socorrer o sistema financeiro com uma injeção maciça de dinheiro para compensar uma tremenda falta de liquidez no mercado interbancário. Cada banco morria de medo de emprestar dinheiro para outro e os juros quadruplicaram em poucos dias ameaçando um derretimento geral.

O paradoxo é que essa crise de liquidez tinha muito a ver com a vontade de liberalizar. Quando a crise bateu, o Banco Central estava tentando provocar uma subida gradual dos juros. O objetivo era lutar contra a tramóia dos bancos estatais que levantavam créditos baratíssimos a curto prazo para financiar investimentos arriscadíssimos a longo prazo favorecendo os cupinchas das estatais e dos governos locais.

Tudo isso num sistema bancário paralelo cuja legalidade é mais do que duvidosa. Basta saber que a soma dos créditos no “black” mais os clássicos equivale a 200% do PIB chinês. Uma bomba-relógio para a estabilidade econômica do país, sobretudo por causa do fato que esses empréstimos paralelos são feitos sem nenhuma garantia e que a solvabilidade dos beneficiários é das mais incertas.

O problema é que o Banco Central foi obrigado mais uma vez a atuar como bombeiro para tentar apagar o mesmo tipo de incêndio. Mais uma vez o crédito interbancário secou e os juros dispararam do dia para a noite, deixando vários bancos pendurados na brocha. E, desta vez, o presente de Papai Noel para quem estava à beira da falência foi de quase 50 bilhões de dólares. Até para o Tio Patinhas chinês é muita grana!

Mas o pânico foi tamanho que o Banco Central fez questão de anunciar que estava intervindo, em menos de 24 horas e até pelo Twitter, sem esperar os trâmites habituais. É verdade que a Bolsa de Xangai despencou pelo nono dia consecutivo – o pior desempenho das últimas duas décadas.

Mais preocupante a longo prazo para os mercados foi a censura chinesa ordenando que os jornais econômicos não dessem destaque a essas notícias. Até agora, o governo de Pequim só censurava notícias políticas ou sociais consideradas perigosas para a reputação e a legitimidade do Partido Comunista.

As informações financeiras escapavam da tesoura porque é preciso provar para os investidores internacionais que o mercado financeiro chinês é tão transparente quanto os outros no resto do mundo. O que, aliás, é uma das condições básicas para que a reforma econômica dê certo. Pelo visto, o tiro saiu pela culatra e na hora do aperto é a propaganda escrachada que volta à tona.

Tudo isso só faz aumentar a desconfiança com relação à sustentabilidade da bicicleta econômica chinesa. Há anos os dirigentes falam em criar um grande mercado interno para compensar a queda das exportações. Mas há anos o consumo doméstico não passa de 35% do PIB – um dos desempenhos mais baixos do planeta. E se a liberalização do sistema financeiro não acontecer, esse número também não vai mudar e a China continuará vivendo com a ameaça de uma “aterrissagem forçada”.

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