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O Mundo Agora

Ucranianos esperam desesperadamente por um país democrático

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Desde a  "revolução cor de laranja" de 2004, não se via tanta gente manifestando em Kiev, a capital da Ucrânia. E ainda por cima pedindo a cabeça do mesmo político, Viktor Yanukovich. Há dez anos o próprio havia sido eleito presidente graças a uma fraude eleitoral massiva apoiada pelo governo russo. Hoje, porque eleito normalmente em 2010, ele recusou-se, no último minuto, a assinar um acordo de associação com a União Européia, alegando pesadas pressões do Kremlin. Na verdade, a Ucrânia poderia acomodar a famosa frase do mexicano Porfírio Dias a propósito dos Estados Unidos: “tão longe de Deus e tão perto da Rússia”.O Estado de Kiev surgido no ano 1000 – e que é considerado pelos russos como o berço cultural do Império czarista – viveu séculos dividido entre poderosos vizinhos. Mas desde o fim do século XVIII, o território ucraniano foi invadido, ocupado e colonizado pelo governo russo. E passou a viver à sombra do poder e da brutalidade de Moscou. Sangrento campo de batalha durante a revolução russa e a Segunda Guerra Mundial, destruída e explorada durante o período estalinista, e sempre sonhando com uma hipotética independência, a Ucrânia só conseguiu se separar das garras do urso russo depois da implosão da União Soviética em 1991. Só que mais de 20 anos depois desta proclamação histórica, os ucranianos continuam esperando, desesperadamente, por um país moderno, democrático e próspero. Tanto os líderes da “revolução cor de laranja” quanto os seus adversários políticos apoiados por Moscou se mostraram corruptos e incompetentes. Um território riquíssimo, e um dos maiores produtores de grãos do mundo, é hoje uma economia destroçada, esquartejada pelas máfias no poder, com uma democracia fajuta e completamente dependente do comércio com a Rússia e do fornecimento de gás russo. Dependência que Moscou usa e abusa para chantagear o vizinho e tentar recuperar seu poder colonial sobre Kiev. Hoje, a Ucrânia tornou-se a peça chave da estratégia de Vladimir Putin para recriar uma espécie de neo-império russo dentro de uma união aduaneira com o Cazaquistão e a Bielorússia. E para complicar mais o drama ucraniano, o país ainda está socialmente dividido, a população dos territórios orientais que vive da velha indústria pesada da era soviética é mais sensível ao canto de sereia moscovita, enquanto que os que moram na capital e na parte ocidental só anseiam pelo modelo da União Européia.Todas essas tensões tinham que estourar um dia. O presidente Yanukovich, apoiado pelo Kremlin mas que também não esquece os seus próprios interesses e sua reeleição, entrou no jogo de negociar um acordo de associação e livre-comércio com Bruxelas. Isto criou imensas expectativas na população, já que esse tipo de acordo requer profundas mudanças para modernizar a economia, a administração, a justiça e as regras democráticas ucranianas para que sejam compatíveis com os padrões europeus. Só que isto também provocou a ira de Putin que quer o vizinho na algibeira russa. Resultado: o Kremlin começou uma campanha de embargos econômicos e ameaças de suspender o fornecimento de energia ao governo de Kiev. Pelo visto, a pressão deu certo e Yanukovich pediu pinico recusando-se a assinar o acordo com os europeus na última hora. E virou a casaca anunciando que ia negociar com o Kremlin.Até ai, nada mais do que a velha e suja "Realpolítica". O que não estava previsto era a reação explosiva da parte da população ucraniana que sonhava com um país decente e moderno, com menos corrupção, mais prosperidade, mais independência e mais oportunidades econômicas. A União Européia, tão criticada pela incapacidade de administrar a sério a crise financeira e econômica, ainda é um farol de liberdade, democracia e prosperidade para uma Ucrânia cansada do clientelismo ganancioso da sua classe política. Mais ainda do que na época da “revolução cor de laranja”, a mobilização pelas redes sociais provocou manifestações enormes na capital, várias cidades do interior e até em Kharkiv a principal cidade da região fronteiriça com a Rússia. A ponto de ameaçar o próprio Yanukovich intimado a deixar o poder e convocar novas eleições. O problema é que a maioria dos líderes da oposição também estão desacreditados.Os manifestantes ainda podem vencer, mas se não houver lideranças políticas a situação pode se tornar perigosa e dramática. Grupos extremistas e provocadores já entraram em ação e as autoridades já estão preparando o terreno para decretar o estado de sítio e liquidar as manifestações com uma repressão maciça. Como sempre, a tragédia da Ucrânia não tem fim. E como sempre, o resto do mundo, inclusive a Europa, vai ficar assistindo de camarote, com gritinhos de horror mas sem mexer um dedinho para ajudar.  

O presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich
O presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich REUTERS/eu2013.lt/Handout via Reuters
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