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O Mundo Agora

Uso de armas químicas na Síria é a gota d'água

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De repente o mundo inteiro parece estar de acordo que o uso de armas químicas na Síria é a gota d’água. Até os aliados do poder sírio, Rússia e Irã, pressionaram o presidente Bashar Al-Assad para que ele aceite a presença dos inspetores da ONU no local dos bombardeios tóxicos, qualificados de crime contra a humanidade pelo Secretário-Geral das Nações Unidas.

Especialistas em armas químicas das Nações Unidas visitam hospital com vítimas do suposto ataque em Damasco, nesta segunda-feira, 26 de agosto de 2013.
Especialistas em armas químicas das Nações Unidas visitam hospital com vítimas do suposto ataque em Damasco, nesta segunda-feira, 26 de agosto de 2013. REUTERS/Abo Alnour Alhaji
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Mas uma gota d’água que transborda implica um copo cheio até a borda. E no caso da Síria trata-se de um copo cheio de cadáveres: quase 200.000 pessoas foram massacradas nos últimos dois anos, sem falar nos milhares de prisioneiros e desaparecidos e nos milhões de refugiados. Isto sem nenhuma reação por parte da dita “comunidade internacional”, paralisada pelo bloqueio russo do Conselho de Segurança e pelo medo dos grupos islamistas radicais dentro da oposição síria. Assad pôde portanto assassinar em massa e bombardear as cidades do seu próprio país sem que ninguém levantasse um dedinho.

Resultado: o conflito interno sírio transbordou para os Estados vizinhos. Hoje são todos os equilíbrios políticos e até as próprias fronteiras da região que estão ameaçados. E é nesse contexto que o uso de armas químicas vira um precedente intolerável. Ninguém, e sobretudo os países do Oriente Médio, pode aceitar um conflito regional generalizado com armas de destruição de massa. Assad não tem condições de ganhar a guerra interna e a oposição está cada vez mais organizada. Com os bombardeios químicos na periferia de Damasco, dois dias depois de uma nova ofensiva do Exército Sírio Livre, ele está provavelmente testando a capacidade de reação dos vizinhos e das grandes potências ocidentais. Se tudo ficar como dantes no quartel de Abrantes, ele não hesitará mais em empregar gases tóxicos de maneira massiva.

Só que dessa vez vai ser difícil tapar o sol com uma peneira. Não fazer nada é sempre uma opção, cínica, porém, confortável. Mas de repente, fazer alguma coisa tem um custo menor do que lavar as mãos como Pôncio Pilatos. A questão é que a falta de uma intervenção nos últimos dois anos, transformou o problema interno sírio num drama regional e mundial envolvendo todos os grandes atores estratégicos do planeta.
Se as últimas declarações de Washington, Paris, Londres e Áncara podem ser levadas a sério, alguma ação de força contra o regime sírio está sendo preparada.

Bashar Al-Assad e seu aliado Vladimir Putin vão tentar ganhar tempo paralisando o Conselho de Segurança e alimentando o debate sobre a veracidade ou não do uso de gases, ou acusando a oposição de ser responsável pelo massacre. Portanto, diante do “niet” intransigente de Moscou, qualquer uso da força contra o regime de Damasco deverá ser deslanchada à revelia de um mandato da ONU. Já existe um precedente: a intervenção da OTAN nos conflitos dos Bálcãs. A Turquia, membro da Aliança poderia evocar a ameaça vital à sua segurança representada pelas armas químicas sírias.

Só que, no Oriente Médio, uma intervenção puramente ocidental não teria nenhuma legitimidade política e o tiro poderia sair pela culatra. O presidente americano e seus aliados - britânico e francês- estão claramente tentando montar uma ampla coalizão de Estados para dar cobertura a uma intervenção. Com a derrocada da Irmandade Muçulmana no Egito a tarefa tornou-se mais factível. Os militares egípcios precisam manter boas relações com Washington para continuar recebendo a ajuda dos Estados Unidos. A Arábia Saudita, inimiga figadal da Irmandade e da aliança entre o Irã e Bachar, está aproveitando o momento para substituir os “Irmãos” e o Qatar como maior fonte de apoio à oposição síria não radical.

Os pequenos emirados do Golfo que apoiavam a Irmandade e que também sempre foram hostis ao governo de Damasco também vão ter que mostrar que podem se adaptar aos novos tempos. O governo islamista turco aparece como o maior defensor de uma ação de força contra Assad, inclusive sem o aval da ONU. A Jordânia já está emprestando o seu território para o treinamento do Exército Sírio Livre.

Tudo isso, somado aos principais países ocidentais, já constitui uma base sólida de uma coligação com legitimidade política e capacidade de agir diretamente contra Bashar Al-Assad. Mas isso ainda não quer dizer que o uso da força vai acontecer. Todo esse rufar de tambores também pode ser uma derradeira tentativa de convencer a Rússia para que ela aceite negociar uma solução política excluindo Bachar e seu bando. Se não der certo, Barack Obama e os europeus não vão poder protelar uma intervenção por muito tempo. É uma questão de credibilidade: ninguém pode brincar impunemente com armas químicas. A hora do “vamos ver” está cada vez mais iminente.
 

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