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O Mundo Agora

Volta a regime militar não é solução para Egito, diz analista

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O presidente do Egito Mohamed Mursi está “cai não cai”. Enfrentar um ultimato de mais de 10 milhões de pessoas na rua dando 48 horas para ele “cair fora” já não é fácil. Mas receber outro ultimato, desta vez do comando das Forças Armadas, exigindo que ele resolva a crise política do país já, senão os militares apresentarão o seu próprio plano, está parecendo o último prego do caixão. Mais uma vez o Egito está à beira do caos e de um golpe militar.

Manifestantes dormindo na praça Tahrir depois dos protestos contra o governo do presidente Mohamed Mursi na noite desta segunda-feira, 1° de julho de 2013.
Manifestantes dormindo na praça Tahrir depois dos protestos contra o governo do presidente Mohamed Mursi na noite desta segunda-feira, 1° de julho de 2013. REUTERS/Suhaib Salem
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Tudo isso só surpreende aqueles que esqueceram que as revoluções não são “banquetes de gala” como dizia um entendido no assunto, o grande ditador comunista chinês Mao Tse-tung. Revoluções são sempre acontecimentos tumultuosos que levam alguns anos antes de se assentarem em regimes políticos mais estáveis. E a “primavera árabe” no Egito, que derrocou a ditadura de Mubarak, foi uma autêntica revolução.

As primeiras eleições livres da história do país em 2012, com uma participação eleitoral relativamente fraca, só podiam favorecer os representantes da Irmandade Muçulmana, a única grande força política organizada que havia sobrevivido durante os governos militares da era Mubarak.

Os irmãos muçulmanos haviam construído uma imensa rede de assistência social no país inteiro, sobretudo nos grotões esquecidos pelo poder público. Foi portanto quase naturalmente que uma parte importante da população votou neles. E mesmo assim a vitória dos “irmãos” nas eleições foi bastante apertada e só foi possível com o apoio de grupos islâmicos salafistas mais radicais e graças à extrema divisão da oposição laica.

O próprio Mursi, representante direto da Irmandade, só chegou à Presidência por poucos votos e mesmo assim com a mobilização de setores laicos e liberais que temiam a volta do antigo regime representado pelo outro candidato do segundo turno.

O problema é que anos de clandestinidade e de trabalho assistencialista não haviam preparado os irmãos muçulmanos para administrar nem a complexidade de uma economia nacional em crise, nem o jogo democrático num pais tão diverso como o Egito, com uma população ansiosa por mudanças profundas depois de décadas de imobilismo ditatorial.

Balanço

O balanço da gestão de Mursi depois de um ano de poder é simplesmente catastrófico. A economia está afundando com inflação alta, falta de energia e combustível, desemprego explodindo, indústrias paradas, dívida pública insuportável e aumento da violência urbana.

O turismo, riqueza fundamental do país, entrou em crise aguda. O símbolo maior da incompetência do governo islâmico foi ter nomeado para o governo de Luxor, onde se encontram os famosos templos faraônicos, um antigo chefe de um grupo extremista terrorista responsável pelo massacre, em 1997, de dezenas de turistas estrangeiros dentro do templo de Hashepsut.

Pior ainda, sem saber o que fazer para resolver a débacle econômica, Mursi e a Irmandade entraram em paranóia, considerando que qualquer crítica da oposição era uma tentativa de golpe dos partidários do antigo regime. E a emenda saiu muito pior do que o soneto. Os “irmãos” tentaram meter a mão em todos os cargos públicos e concentrar todo o poder. A Irmandade hoje ainda tem uma massa de seguidores, mas está cada vez mais cortada do resto do país.

A explosão era inevitável: como no Brasil todos os descontentamentos, todas as reivindicações se misturaram e se mobilizaram através das redes sociais. Juventude laica que não quer saber de uma “islamização” da sociedade e de uma imprensa controlada pelo poder, minoria cristã que se sente ameaçada, uma massa de pobres que votaram na Irmandade mas que não agüentam mais o descalabro econômico, gente do antigo regime que ainda sonha em voltar atrás e até islâmicos radicais que acham Mursi “moderado” demais: milhões de pessoas que foram de novo às ruas em todo o país.

O problema é que, por enquanto, no Egito ainda existe uma Constituição. Por mais incompetente e autoritário que ele seja, Mursi foi legitimamente eleito. E derrubar pela pressão das ruas um presidente democraticamente eleito não é um bom sinal.

Mais inquietador ainda é o ultimato das Forças Armadas – ultimato feito, ainda por cima, em nome das reivindicações populares. A volta a um regime militar também não é uma solução e só será mais lenha na fogueira.

Não há saída pacífica sem uma verdadeira negociação entre Mursi e o conjunto da oposição. Só que por enquanto os irmãos muçulmanos não demonstraram nenhum apetite para isto – uma incompetência política ainda maior que a incompetência econômica. Sem um entendimento, o processo revolucionário vai continuar e engolir novamente todos os seus protagonistas. Resta esperar que o resultado final não seja de novo uma forma de autoritarismo militar – uma velha tradição egípcia desde os Faraós.
 

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