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O Mundo Agora

O Mercosul está em coma

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Não adianta tapar o sol com peneira. O Mercosul está em estado de coma, a Unasul perdeu relevância e o sonho de integração sul-americana não vai nada bem das pernas. Esse sonho aliás é sobretudo um sonho brasileiro: o de organizar o subcontinente em volta do Brasil-potência. Uma potência benigna, simpática, mais para mediador do que propriamente líder regional. O Mercosul devia ser o pivô dessa ambição: uma união aduaneira criando um mercado preferencial para a indústria e os serviços made in Brazil e impondo uma disciplina coletivo favorável aos interesses políticos e econômicos brasileiros.

Reunião da cúpula de chefes de estado do MERCOSUL e Estados Associados. (Mendoza-ARG, 29/06/2012)
Reunião da cúpula de chefes de estado do MERCOSUL e Estados Associados. (Mendoza-ARG, 29/06/2012) Roberto Stuckert Filho/PR
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O problema é que o Mercosul está se desintegrando e que boa parte dos países da região não estão afim de brincar de coadjuvantes do projeto brasileiro. Há vários anos que as divergências comerciais com entre Brasília e Buenos Aires vêm minando as bases e as disciplinas da união aduaneira. A Tarifa Externa Comum, de tanto esburacada que está, parece cada vez mais com um queijo suíço. As barreiras ao intercâmbio comercial entre os países membros constituem uma piada de mal gosto para a ideia de um mercado comum. Onde já se viu uma união aduaneira onde um dos países – a Argentina, no caso – penaliza as exportações e investimentos brasileiros em favor de uma terceira parte, não membro, como a China?

Já o Uruguai está claramente perdendo a paciência de poder um dia conciliar os seus próprios interesses nacionais com a briga entre seus dois grandes vizinhos. Os dirigentes uruguaios vêm namorando a ideia de poder negociar acordos comerciais próprios sem ter necessariamente de passar pelo Mercosul e a disciplina do bloco. Aliás, o Uruguai não é só observador na recém criada Aliança do Pacífico (que reúne o Chile, o Peru, a Colômbia e o México), e cujo projeto de desenvolvimento pela abertura comercial e a integração econômica com a América do Norte e a Ásia é antitético à visão brasileira-mercosulina. As autoridades de Montevideo já declararam que desejam ser membros plenos desta nova aliança.

Mas o tiro de misericórdia no Mercosul foi dado pelo verdadeiro golpe interno promovido pelo Brasil e a Argentina suspendendo a participação do Paraguai e fazendo entrar a Venezuela pela janela, desrespeitando todas as regras e trâmites internos da organização. A próxima cúpula do Mercosul foi postergada e a presidência de turno uruguaia prolongada para que os Paraguaios possam ser reintegrados sem ter que engolir o insulto de ter a Venezuela como presidente rotativo. O problema é que o Parlamento paraguaio nunca quis aprovar a entrada dos venezuelanos no bloco e não vai ser fácil enfiar isso goela abaixo do novo governo em Assunção. Mesmo que o Paraguai seja um pequeno país pobre e portanto extremamente vulnerável às pressões dos poderosos vizinhos. De qualquer maneira, Assunção também vem namorando a ideia de se bandear para a Aliança do Pacífico.

O problema com este Mercosul a beira da desintegração é que o mundo não espera. Os Estados Unidos lançaram duas grandes negociações de acordos de livre comércio com a maioria dos países asiáticos emergentes fora a China – a Parceria Trans-Pacífica – e com a União Europeia. Um processo que pode transformar profundamente os fluxos de comércio e de investimentos globais. Quem ficar de fora desta nova realidade vai se dar mal e é o que muito bem entenderam os países latino-americanos da Aliança do Pacífico.

No Brasil, pela primeira vez, os representantes da indústria estão se pronunciando publicamente por uma mudança na política comercial do país e reclamando um maior empenho em negociar acordos com os grandes mercados dos países do norte, que foram abandonados pela estratégia de tentar acordos sul-sul sem nenhuma relevância. Só que isto significa se desvencilhar das disciplinas do Mercosul que impõem de só negociar como um bloco. Está na cara que será impossível negociar acordos de livre comércio com os Estados Unidos e a Europa, tendo que carregar membros profundamente hostis às aberturas comerciais como a Argentina e a Venezuela – sem falar na próxima entrada da Bolívia e do Equador. Mas até o governo de Quito também já está olhando para a Aliança do Pacífico.

A América do Sul está claramente dividida por projetos político-econômicos distintos e incompatíveis. Não adianta continuar declarando que essa diversidade não tem importância e que tudo isso vai no mesmo sentido. Não vai. Mais uma vez, e como sempre, os esforços de integração regional ficam mesmo é na retórica. E, paradoxalmente, é o país mais poderoso – o Brasil – que acaba amarrado por laços que ele mesmo criou. Como um Gulliver na praia de Lilliput, refém dos anões do atraso kirschnerista e bolivariano.

Clique acima para escutar a crônica de Alfredo Valladão, do Instituto de Ciências Políticas de Paris.

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