A escolha do embaixador Roberto Azevêdo para diretor geral da Organização Mundial do Comércio é antes de tudo uma vitória pessoal. O embaixador é um dos melhores especialistas do Itamaraty em matéria de comércio internacional, um profundo conhecedor dos mecanismos bizantinos da OMC e um sutil e eficaz negociador. Qualidades que não serão demais para tentar tirar a organização do atoleiro em que se encontra há mais de cinco anos. Claro, também trata-se de uma vitória da diplomacia brasileira que mostrou mais uma vez que quando pode, e quer para valer, sabe mostrar-se eficientíssima. Só que, paradoxalmente, não se trata de uma vitória do Brasil.Azevêdo foi eleito com os votos de uma coalizão de países em desenvolvimento e emergentes, mas com votos contrários dos países ricos, particularmente da Europa – tirante o irmão português é claro. Mas numa organização internacional tão abrangente e fragmentada, com 159 países membros e 25 observadores, sem falar na regra da unanimidade para a tomada de decisões, é absolutamente impossível governar só com um bloco. Um diretor geral eleito pelos pobres e remediados vai ter que dar muitos presentes e garantias para os ricos se quiser evitar uma paralisia institucional. O candidato mexicano, que era apoiado pelos países industrializados, teria tido exatamente o problema inverso se tivesse sido eleito. O patrão da OMC tem que ser uma figura a mais consensual possível e esquecer a própria nacionalidade ou o bloco que o apoiou. É claro que também tem que ter tutano para dar provas de coragem e criatividade nos momentos chaves das negociações. Mas isso só poderá acontecer se o conjunto dos estados membros o perceberem como acima das partes e trabalhando pelo bem da organização.E trabalho não falta para colar os cacos de uma OMC em frangalhos esperando a conclusão da Rodada de Doha que vem se arrastando sem perspectivas há quase 12 anos. Hoje a organização que continua sendo o marco regulatório em última instância dos intercâmbios comerciais globais, está praticamente reduzida à sua função de resolução de controvérsias. Função fundamental obviamente, mas que na verdade só cobre o passado, tudo que foi negociado e decidido nas rodadas de negociação anteriores. O problema é que o mundo não para. A natureza dos fluxos comerciais mundiais e das barreiras e entraves ao comércio estão evoluindo rapidamente. A generalização das cadeias produtivas transnacionais e da produção fragmentada, assim como a importância crescente da parte dos serviços no valor acrescentado dos produtos finais, estão mudando radicalmente todos os cálculos de custo-benefício do comércio internacional. Por outro lado, as tradicionais barreiras tarifárias, que continuam sendo o prato quente da Rodada de Doha, estão sendo substituídas por um leque cada vez mais preocupante de barreiras técnicas, ambientais, sanitárias, fantasiadas de justificações morais ou incertos critérios de saúde pública. Com a crise econômica global, os lobbies protecionistas estão de vento em popa em todos os países do mundo. E não é por nada que o comércio internacional vem caindo perigosamente nos últimos três anos, ameaçando acabar de vez com qualquer chance da economia global retomar o crescimento.Clique acima para ouvir na íntegra, a crônica de política internacional de Afredo Valladão.
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