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O Mundo Agora

Novas tecnologias alimentam desvalorização da política

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A onda de escândalos de corrupção nos governos da França, Brasil, China, Índia, Espanha e inúmeros outros países do mundo tem pouco a ver com um surto repentino de consciência moral na humanidade. Desde que mundo é mundo, poder, política, dinheiro, dissimulação e opacidade sempre andaram juntos. A grande novidade do nosso mundo globalizado é o impacto maciço das tecnologias da informação e comunicação. Na verdade, a nova mídia está simplesmente acabando com o poder dos Estados soberanos e até das próprias classes políticas nacionais.

As novas tecnologias e a informação instantânea alimentam a desvalorização da política e dos políticos.
As novas tecnologias e a informação instantânea alimentam a desvalorização da política e dos políticos. DR
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O fenômeno começou a tomar vulto com o aparecimento das grandes redes de televisão internacionais com programas de informação ao vivo, vinte quatro horas por dia. O espaço das diplomacias de Estado reduziram-se drasticamente. Os responsáveis políticos não tinham mais tempo para pensar e analisar um acontecimento antes que todas as suas opiniões públicas tomassem conhecimento de maneira quase instantânea. Resultado: os governos foram cada vez mais obrigados a reagir no imediatismo, sob pressão não de critérios racionais frios, mas de fortes emoções partilhadas em tempo real com suas populações.

A explosão da Internet e das redes sociais está acabando com o antigo monopólio ou preeminência do poder sobre a informação. Hoje, tudo circula sem filtro: imagens, informações, rumores, comentários, calúnias, piadas... O poder não tem remédio senão correr atrás e perdeu boa parte da capacidade de definir a agenda política nacional.

A confiança nos políticos está praticamente na estaca zero em quase todos os países do planeta. Pior ainda, as pessoas mais preparadas e com condições morais e ideológicas de trabalhar para o bem comum, não querem mais se expor numa participação de governos onde o poder e a margem de manobra real são extremamente limitados. Isto explica a queda brutal do nível intelectual e moral dos políticos. Hoje, o candidato a uma função legislativa ou executiva, sem ilusões sobre as possibilidades de fazer alguma coisa para outros, pensa sobretudo em fazer algo para si próprio.

Esse tipo de conduta também é alimentado pelo fato de que é cada vez mais difícil, sobretudo em época de crise, definir e controlar o orçamento público. Todas as decisões nesse âmbito têm que respeitar as emoções dos mercados e as pressões das instituições financeiras internacionais.

Além disso, as novas tecnologias, conexões e redes, que permitem qualquer denúncia e todas as investigações possíveis para jornalistas corajosos ou oportunistas, também alimentam essa desvalorização da política e dos políticos. Pior ainda, o atual afã moralizador promove a ideia perigosa de uma vida social que teria obrigação de ser totalmente transparente. Todo mundo prestando contas de tudo que fez desde o dia em que nasceu.

Os sistemas de monitoramento de massa, com sanções quase automáticas, estão ameaçando diretamente as liberdades públicas e privadas. Estranho paradoxo: a moral da transparência tecnológica absoluta está favorecendo o advento de um mundo sem política e sem políticos, um mundo totalitário “soft”, onde as pessoas vivem felizes de ter perdido a liberdade. Um pesadelo que Georges Orwell já havia previsto no seu célebre livro “1984”.

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