Silêncio de Macron alimenta movimento dos “coletes amarelos”, dizem cientistas políticos
Em entrevista à RFI, o cientista político Benjamin Morel explica que membros do movimento social francês têm dificuldade em se estruturar, o que pode atrapalhar o estabelecimento de um diálogo com o governo e entre partidos políticos. Segundo ele, o Executivo por enquanto não visualiza concretamente uma saída para a crise que gerou, no último sábado (1), um dos mais graves protestos dos últimos anos na França.
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Representativo de sua época, o movimento dos coletes amarelos “cultua a horizontalidade”, observa o cientista político, já que uma de suas principais características é a ausência de um líder. Na prática, diz Morel, isso dificulta a nomeação, mesmo informal, de porta-vozes ou interlocutores para negociar com o governo francês. “É pouco provável que seus eventuais representantes tenham uma forte legitimidade no movimento. Para o governo, lidar com isso é muito complicado”, diz.
O Executivo, ressalta, precisa demonstrar, por questões de comunicação, o interesse pelo diálogo, antes de propor medidas que permitam enfraquecer o movimento. Ou, pelo menos, diminuir a mobilização, desencadeada pelo aumento do imposto sobre os combustíveis, que entra em vigor em janeiro. Um sacrifício a mais para cerca de 70% dos franceses, que dependem do carro para suas atividades diárias.
“Em todo o caso, colocar o primeiro-ministro na linha de frente para acalmar a crise não é a solução”, avalia o cientista político. Hoje o premiê francês, Edouard Philippe, recebeu os representantes dos partidos que têm representantes na Assembleia Nacional para discutir a crise social, política e econômica que tomou conta do país.
Preservar o presidente
Por que o presidente Emmanuel Macron não discute diretamente com os parlamentares? De acordo com Morel, há uma vontade de “preservar o presidente da República para que as motivações da contestação não recaiam sobre ele, mesmo que já seja o caso.” Segundo o cientista político, o objetivo é fazer uma distinção entre a política do governo e o chefe de Estado, para que ele intervenha em um dado momento como o “salvador da pátria" e “a solução para a crise”.
“É um roteiro clássico. Em todo caso, a consulta feita aos chefes de partido não vão levar a lugar nenhum”, opina. Membros da oposição criticam a “arrogância” de Macron diante da recusa em receber pessoalmente os “coletes amarelos”. Para Morel, a oposição está cumprindo seu papel e percebeu que uma das forças do movimento é a luta “contra a arrogância e o desprezo dos quais são acusados o governo”, além de uma diminuição paulatina do poder aquisitivo que vêm ocorrendo há alguns anos.
O cientista político ressalta que as duras declarações do chefe de Estado em relação ao movimento deram mais argumentos para seus opositores “e os colocaram lado a lado dos “coletes amarelos”, que não perdem em popularidade”, observa. Uma pesquisa do instituto Harris Interactif, publicada nesta segunda-feira (3), mostra que sete de cada dez franceses apoiam o movimento.
“O que é interessante neste estudo é que 15% da população pensa que os protestos se justificam. Para eles, em um movimento com características insurrecionais, a violência é legítima. Parece pouco, mas esse dado mostra o nível de tensão no país e a exacerbação dessas tensões”, aponta Morel. Por outro lado, 85% dos entrevistados condenam a violência nas manifestações. A mesma pesquisa é uma má notícia para o governo: 90% dos participantes acreditam que o Executivo não administrou bem a crise.
Sentimento de injustiça
Para Frédéric Dabi, diretor do Ifop (Instituto francês de Opinião Pública), a diminuição da APL, ajuda pública para moradia, que permite diminuir o preço do aluguel ou o financiamento na compra de um imóvel, e a reforma do ISF, o imposto sobre a fortuna, alimentaram um sentimento de injustiça em relação ao governo.
Ele ressalta, assim como Benjamin Morel, que a população, neste momento, está à espera de uma reação do presidente Emmanuel Macron. O silêncio do chefe de Estado francês, de certa forma, incitaria os manifestantes à violência ao reforçar esse sentimento. “Sua popularidade e a confiança que a população coloca nele despencaram. Resta para eles os simpatizantes do seu partido, A República em Marcha”, ressalta.
Mas mesmo dentro do seu partido não existe unanimidade. “Há membros que simpatizam e apoiam os “coletes amarelos”. Vemos um mandato que está se transformando em uma batalha para obter resultados que melhorem o poder aquisitivo da população”, conclui Dabi.
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