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França

A vida sobre o Rio Sena: 1.200 pessoas moram em barcos em Paris

Você sabia que cerca de 1.200 pessoas vivem em barcos na região parisiense? As chamadas “péniches” são verdadeiras opções de moradias: famílias inteiras vivem nessas “casas-barco” no Rio Sena, em Paris e seus arredores. A reportagem da RFI mostra o cotidiano de dois "moradores fluviais" na região parisiense.

"Péniche" próxima à Ponte Alexandre III, no centro de Paris.
"Péniche" próxima à Ponte Alexandre III, no centro de Paris. Daniella Franco/RFI
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Os moradores das "péniches" vivem tranquilamente no cais do Rio Sena, em Paris e cidades da região metropolitana, passando geralmente  despercebidos durante boa parte do ano. Nas épocas de chuvas e enchentes - como a enfrentada até semana passada - eles voltam ao noticiário e às páginas de jornais, junto com os supostos perigos de morar em um barco em épocas de chuvas intensas.

Mas, segundo Danielle Payen, da Federação das Associações de Defesa do Habitat Fluvial, não há motivos para preocupações. Segundo ela, nenhuma embarcação sofreu danos durante a enchente de janeiro ou foi inundada, a exemplo de várias residências da região parisiense.

O jornalista e escritor inglês Rupert Morgan reforça a ideia. Ele é proprietário de um barco estacionado na cidade de Meudon, no sudoeste de Paris. "As cheias são menos problemáticas para os barcos do que para as pessoas que moram em casas perto dos rios. Se o barco está bem amarrado, não há problema, porque ele vai apenas subir com as águas durante a cheia", diz.

O principal problema, salienta, é quando a água invade o cais e as passarelas não alcançam mais a terra. Mas, segundo Morgan, os proprietários de "péniches" são equipados de um pequeno barco, com o qual fazem a comunicação entre a péniche e a terra firme, em períodos de inundações. É o caso dele neste momento.

A vida nos barcos: apenas vantagens

Para o jornalista britânico, há apenas vantagens de morar em um barco. "Aqui tenho todas as vantagens de viver próximo à cidade: estou a dois passos do Champs-Elysées, mas também tenho a natureza perto de mim, cisnes, patos, um céu imenso para admirar... é muito diferente de morar em um apartamento. Temos mais espaço e mais qualidade de vida", ressalta.

Além disso, morar em Paris, mas sobre as águas do Rio Sena, permite a Morgan de se desconectar do estresse do espaço urbano. "Para mim, viver em um barco é voltar para casa do trabalho à noite e ter a sensação de estar sempre de férias", afirma.

O jornalista e escritor inglês Rupert Morgan, proprietário de uma "péniche" em Meudon, no sudoeste de Paris.
O jornalista e escritor inglês Rupert Morgan, proprietário de uma "péniche" em Meudon, no sudoeste de Paris. Daniella Franco/RFI

Para ele, as inconveniências de morar em um barco são mínimas comparadas às vantagens. "Digamos que temos que gostar de trabalhos manuais, porque em um barco há sempre algo a ser feito. Também temos que nos acostumar com particularidades que não temos em casas e apartamentos, como estar sempre atento às bombas [mecanismo que elimina a água que entra no barco]. Mas, tudo isso para mim, é mínimo comparado aos prazeres de viver em uma 'péniche'", afirma.

Morgan fala com o conhecimento da causa e não é um marinheiro de primeira viagem. Sua primeira residência, em Londres, foi em um barco. A bordo dele, aliás, que atravessou o Canal da Mancha para vir morar com a mulher na França, nos anos 90. Com o nascimento das duas filhas - hoje com 17 e 20 anos - a péniche teve de aumentar de tamanho. Hoje a embarcação da família tem 39 metros de comprimento, 5 de largura e dois andares, totalizando 300 m2.: um verdadeiro luxo para quem mora em minúsculos apartamentos em Paris.

O barco cresceu com a paixão de Morgan pela vida sobre as águas, que, por sinal, parece passar de geração em geração. Ele lembra que, quando criança, sempre viajou de férias em barcos com sua família. Agora a filha mais velha, que hoje estuda em Londres, também decidiu viver em uma "péniche" e já planeja ser proprietária de uma embarcação no futuro.

50 anos sobre o Rio Sena

Na cidade de Soisy-sur-Seine, a cerca de 40 quilômetros ao sul de Paris, o ex-piloto da Air France Bernard Kunst, de 78 anos, presidente da Federação das Associações dos Usuários das Vias Aquáticas, não lembra mais como é a vida em terra firme. O francês vive há 50 anos no barco que ele mesmo construiu, nos anos 60, quando adquiriu uma popa que seria a base de uma embarcação que hoje conta com 900 metros quadrados, três andares e 45 metros de comprimento por 9 metros de largura.

O local também conta com outras duas kitinetes, que Kunst aluga para turistas e inquilinos, além de dois salões de festa, frequentemente palco de casamentos. Cada compartimento do barco não demonstram apenas o esforço e a dedicação do ex-piloto com detalhes mínimos ao construir sua casa sobre o Sena, mas guardam também décadas de lembranças da vida dele, de sua família e dos que por ali passaram - anônimos ou célébres -, como o campeão francês de Fórmula 1, Jean-Pierre Beltoise, nos anos 70.

O ex-piloto da Air France Bernard Kunst, presidente da Federação das Associações dos Usuários das Vias Aquáticas (Fauve).
O ex-piloto da Air France Bernard Kunst, presidente da Federação das Associações dos Usuários das Vias Aquáticas (Fauve). Daniella Franco/RFI

Kunst vive sozinho hoje, mas foi no local que formou sua família e onde nasceram suas duas filhas - assuntos dos quais evita falar. Ele garante, no entanto, não temer a solidão, nem viver isolado. Ao contrário das "péniches" da região metropolitana de Paris, o barco do ex-piloto é o único de sua região. "Sempre há um risco, mas viver também é arriscado. Evitar o risco é deixar de viver. O que eu faria aqui se não tivesse direito de experimentar o que tenho vontade? Sou muito prudente, mas o risco faz parte da vida", afirma, misterioso.

Kunst não faz mistério, no entanto, sobre o fato de um piloto de avião escolher viver sobre as águas. Para ele, isso sempre foi uma questão de equilíbrio, além de ser algo intrínseco à sua personalidade. "Sempre fui um curioso e ainda sou. E sempre quis compreender tudo a minha volta. Estou sempre pronto a escutar, mas, sobretudo, quero compreender tudo. Por isso faço sempre muitas perguntas e aconselho que todos façam o mesmo. É assim que desenvolvemos nossa inteligência e que entendemos como o mundo funciona", conclui.

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