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“Brasil vive em um acelerador de partículas”, diz Sebastião Salgado em Paris

Multipremiado, tema do [também premiado] documentário “O Sal da Terra” (2014), dirigido pelo alemão Wim Wenders e pelo brasileiro Juliano Ribeiro, o fotógrafo mineiro Sebastião Salgado, 73 anos, participou em Paris nesta segunda-feira (29) de uma cerimônia de entrega de dois de seus trabalhos doados para a universidade Sciences Po, instituição com a qual sempre manteve históricos laços de amizade. Depois de “Gênesis” (2013), Salgado dá continuidade à sua série de fotografias nos rincões amazônicos e à sua luta pela preservação do ecossistema local.

As obras "Serra Pelada", de 1986, e "Serra do Confronto", de 2016, doadas pelo premiado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado (esq.) à universidade Sciences Po de Paris, em 29 de maio de 2017.
As obras "Serra Pelada", de 1986, e "Serra do Confronto", de 2016, doadas pelo premiado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado (esq.) à universidade Sciences Po de Paris, em 29 de maio de 2017. ©Manuel Braun pour Sciences Po
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O menisco recentemente operado [em 2016] já dá sinais de estar bem melhor e Sebastião Salgado já abandonou as muletas, segundo contava animado o festejado artista brasileiro nos corredores da universidade Sciences Po, em Paris, ao lado de sua esposa e parceira Lélia Wanick Salgado, nesta segunda-feira (29). Recebido com festa por professores, direção e alunos da instituição, Salgado oficializou a doação de duas de suas obras à universidade, por ocasião dos 10 anos do Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC).

O artista brasileiro foi acolhido pelo discurso de Frédéric Mion, diretor da entidade, que descreveu o percurso do fotógrafo, incluindo suas passagens por Paris, seja como estudante na ENSAE, a Escola Nacional de Estatística e Administração Econômica, seja como exilado durante o período da ditadura militar brasileira (1964-1985). Mion ressaltou a importância do trabalho do artista, o "fôlego de suas imagens", além de sua trajetória à frente do Instituto Terra, que já replantou mais de 50 mil árvores na região do Rio Doce, no Brasil.

Entrevistado pela RFI Brasil, o artista brasileiro acredita que ainda é possível salvar o mundo representado pela Amazônia. “Olha o Davi tem razão” (referindo-se à liderança indígena e grande xamã yanomami Davi Kopenawa, autor do livro “A Queda do Céu”, publicado pela editora Companhia das Letras no Brasil, no qual defende que o “apocalipse”, ou o “fim do mundo” como o conhecemos, virá após a destruição da Amazônia).

“Eu conheço bem o Davi e tenho um respeito enorme por ele, inclusive uma parte do trabalho que eu fiz na Amazônia eu fiz na casa dele, com os yanomamis, trabalhei muito com eles, o Davi tem 100% razão. Se a gente perder esse ecossistema [amazônico] vamos ter um sério problema com o deslocamento das áreas de umidade, das precipitações, dos desertos, a gente não imagina o tamanho do desastre. Eu acho que é possível a gente conservar a Amazônia”, afirma Salgado.

“Mas isso terá que vir de uma proposta brasileira”, detalha o artista. “O Brasil possui 65% da superfície da Amazônia. O Brasil tomando essa resolução de mudança de modelo, de respeito às sociedades indígenas, de respeito a essa floresta, eu acho que, primeiro, o país terá uma entrada de fluxo financeiro nessa região enorme, será 10 vezes maior do que o que entra hoje. E salvaremos esse pulmão do mundo, mantendo sua soberania na região.

Os guardiões da floresta

“Os dois grandes guardiões dessa floresta, um deles são os indígenas, às vezes eu vejo um discurso no Brasil dizendo que é muito território para pouco indígena, não, são muitos índios e eles são guardiões de um território que é da União. Esse território é de todos os brasileiros, os índios são simplesmente os guardiões, localizados nas suas aldeias e em seus territórios. O outro grande guardião desse território é o Exército brasileiro, que mantém destacamentos em toda a periferia da Amazônia, que presta assistência a todas as populações indígenas ou ribeirinhas”

“Às vezes a gente fala da Amazônia como o pulmão do mundo pela importância do sequestro de carbono, mas a floresta é também responsável por manter as correntes pluviométricas, as correntes de umidade do planeta, o que garante as precipitações estabilizadas como elas são hoje. O dia em que essa floresta desaparecer, veremos um desequilíbrio total na distribuição de umidade do planeta.

Sobre as suas obras doadas à universidade francesa Sciences Po, “Serra Pelada”, de 1986, que retrata o desmatamento da floresta na mítica mina extrativista do estado do Pará, e “Serra do Confronto”, de 2016, que mostra a floresta amazônica no estado do Acre em estado natural, Sebastião Salgado acredita possível uma união entre estes dois mundos. “É possível, completamente, estes dois mundos têm que subsistir juntos, temos que conseguir manter o que nós não destruímos, temos que manter esse equilíbrio”, declarou Salgado.

Crise política no Brasil e “reversão do modelo”

Sobre a crise política brasileira, o fotógrafo disse que acredita num futuro melhor para o Brasil. “Olha, eu tenho 73 anos. Quando eu tinha 15 anos e saí da pequena cidade do interior [de Minas Gerais] que não tinha estrada, eu vim em direção à cidade grande, e, nessa época, 92% dos brasileiros moravam ainda no campo. Hoje 50 e poucos anos depois, talvez seja essa quantidade que mora na cidade. Nós passamos de um país rural, sem economia de mercado a um país urbanizado, e isso aconteceu em muito pouco tempo.

Segundo o artista, “o Brasil vive num acelerador de partículas”. “Tudo isso que está acontecendo no Brasil é fruto de uma imaturidade, da falta da gente se transformar realmente em cidadãos, que ainda não somos, da falta de saber viver junto, da gente abandonar os egos, a necessidade de enriquecimento como primeiro valor e passar a ter a comunidade como valor principal”, afirma.

“Mas isso vai chegar”, contemporiza. “As sociedades ditas mais desenvolvidas já chegaram lá. Eu acho que essa é a crise que nós vivemos hoje. A crise moral do Brasil é uma crise de juventude, eu acho que estes acontecimentos vão trazer eles mesmos sua própria cura, sua própria autocrítica, e nós vamos ser o grande país que nós merecemos ser. O Brasil vive uma crise de juventude”, declarou Salgado.

“Fora Temer”? “Diretas já”?

Quanto à possível saída ou renúncia do presidente brasileiro Michel Temer, ou a possibilidade de novas eleições diretas [ou indiretas], Salgado afirma que “eu não sou por nada”, afirma. “Eu sou pela evolução, pelo corpo que as coisas vão tomar, pelo amadurecimento que as ideias terão, não adianta nada você atropelar as ideias também”, afirma.

“Eu já fui um jovem de esquerda militante, marxista, mas a violência e a impulsão das ideias não funcionam, o que funciona é a evolução, e a sociedade está evoluindo, estamos chegando numa maturidade, hoje pela primeira vez está se cobrando uma honestidade, os que não são honestos podem ir para a cadeia, nós vamos chegar lá. Eu tenho confiança que o Brasil vai chegar lá”, concluiu o artista brasileiro.

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