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“Partidos tradicionais morrem esta noite”, diz especialista sobre eleição na França

Segundo o cientista político Erwann Lecoeur, um ciclo político se encerra na França na noite deste domingo (23). “Talvez estejamos assistindo a um cenário onde teremos uma esquerda, representado pela força política da França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, um candidato que cristaliza a preferência de eleitores da direita, do centro e mesmo de alguns pólos da esquerda socialista tradicional, e uma extrema-direita personificada por Marine Le Pen”, afirma Lecoeur, para quem o movimento França Insubmissa seria de esquerda.

A qualificação de Emmanuel Macron e Marine Le Pen para o segundo turno das eleições francesas significa para especialistas a "morte de um ciclo político".
A qualificação de Emmanuel Macron e Marine Le Pen para o segundo turno das eleições francesas significa para especialistas a "morte de um ciclo político". REUTERS/Christian Hartmann
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“Em ciência política, um partido considerado como extremo dentro do espectro ideológico não respeita o sistema parlamentar representativo. Ora, Mélenchon foi senador e deputado pelo Partido Socialista, ele não se enquadra nessa categoria de extrema-esquerda”, analisa o especialista. “Não acredito que haverá uma migração massiva, uma passagem de votos direta dos eleitores de Mélenchon para Le Pen, como poderíamos imaginar, por exemplo, num cenário de crise política do fim do século 19. No entanto, dentro do que chamamos de ‘psicologia’ da classe operária, sobretudo no norte da França, poderá haver alguns casos, especialmente se Emmanuel Macron colar sua imagem ao sistema, Marine Le Pen poderá achar brechas neste eleitorado se colocando como a candidata dos ‘franceses primeiro’, ela poderá se valer dos votos antissistema de esquerda e direita”, explica Lecoeur.

Um velho sistema político está morrendo

Para o analista, trata-se de “um velho sistema político que está se extinguindo e que tenta fazer coalizões para se manter”. “Terão que fazer escolhas. As ofertas políticas são diferentes e os velhos líderes tradicionais não são mais ouvidos, os franceses buscam novas lideranças”, pontua. Perguntado se os eleitores de outros candidatos seguirão Emmanuel Macron no segundo turno da eleição presidencial francesa, Lecoeur afirma que o que pode acontecer é um fenômeno de uma “abstenção seletiva”. “Esse tipo de abstenção não se configura como voto FN, para a Frente Nacional de Marine Le Pen. Aliás, nós negligenciamos esse fenômeno, por exemplo, em 2002 [quando Jacques Chirac, da direita tradicional francesa, enfrentou no segundo turno Jean-Marie Le Pen, da extrema-direita] ”, diz o cientista político.

Marine Le Pen vai mais longe que seu pai [Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional], ela deseja fazer o que a FN sonha há muito tempo, estabelecer definitivamente no imaginário dos franceses a oposição globalização X patriotismo. Foi esse discurso que fez crescer a base da FN, a síndrome do ‘branquinho’ que tem medo da globalização. Macron terá que fazer emergir uma possibilidade que vai além dos partidos tradicionais de esquerda e direita, esses partidos que morrem esta noite”, conclui Erwann Lecoeur.

Cenário previsível

“A configuração Macron-Le Pen era a mais certa de acontecer, segundo todos os institutos de pesquisa. A meu ver, este cenário finalizará com uma vitória de Emmanuel Macron que deverá acontecer acima da faixa dos 60%, porque temos aí um candidato centrista, que é capaz de atrair uma grande parte dos votos da esquerda, além de muitos eleitores da direita, quase um terço dos eleitores de François Fillon, segundo as últimas estimativas”, afirma o cientista político Jean-Yves Camus.

“Se isso acontecer, teremos Marine Le Pen com cerca de 40%, o que é uma pontuação também relativamente elevada. Se tivéssemos tido Le Pen contra Jean-Luc Mélenchon, por exemplo, acredito que ele não teria a adesão total dos eleitores de esquerda, seria mais arriscado para bater a extrema-direita”, analisa Camus.
“Marine partiu de um nível alto, 29% nas primeiras pesquisas. Ela insistiu bastante em elementos como imigração e terrorismo, temas que podem se alinhar também com o desemprego, por exemplo. Acredito que ela fez uma campanha bastante clássica. A Frente Nacional mudou, mudou seu jeito de se exprimir. Os temas são os mesmos de 30 anos atrás, incluindo a rejeição aos partidos políticos tradicionais e à Europa, nada disso marca uma ruptura histórica com o discurso da FN”, afirma o especialista.

“Marine Le Pen não pode romper com os fundamentalistas do seu partido, porque é isto que configura sua especificidade. Se a FN se transforma apenas num partido situado um pouco mais à direita do que a direta tradicional, a Frente perde toda o sentido de existir. É necessário para Le Pen ter um discurso de ruptura total”, finaliza Camus.

 

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