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A Semana na Imprensa

Resistência da esquerda a reformas mostra que “ideologia é mais importante” do que resultados

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A revista francesa Le Point desta semana traz uma crítica reportagem sobre os “dinossauros” da esquerda francesa, em um contexto de tensão política crescente em torno das reformas trabalhistas que o presidente socialista, François Hollande, deseja adotar para lutar contra o desemprego. A proposta tem gerado uma crise interna no Partido Socialista, entre a ala reformista e a esquerda mais radical.

Capa da Le Point acusa ala à esquerda do Partido Socialista de serem "maiores inimigos dos desempregados".
Capa da Le Point acusa ala à esquerda do Partido Socialista de serem "maiores inimigos dos desempregados".
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“Eles não ligam para os empregos: a ideologia é mais importante”, diz a manchete da revista semanal, cuja capa ilustra a ex-secretária-geral do partido, Martine Aubry, o líder sindical, Philippe Martinez, e o presidente da União Nacional dos Estudantes da França, William Martinet. Le Point, de tendência editorial liberal, escreve que eles “dizem defender os desempregados, mas, na realidade, são os seus piores inimigos”.

Ao lado dos sindicatos, Aubry escancarou uma frente de oposição à proposta de reforma que será apresentada pelo primeiro-ministro francês, Manuel Valls, até o fim de março. Para combater o índice de 10% de desemprego no país, o projeto pretende mexer em um dos maiores tabus da esquerda francesa: a duração da carga semanal de trabalho na França, de 35 horas, implementada por Aubry há 15 anos e que, segundo o atual governo e a oposição, gera um impacto pesado na competitividade da França.

Líder da ala à esquerda "ignora" estudos recentes sobre o mercado de trabalho

A reportagem é ácida do início ao fim. O texto começa ironizando uma recente afirmação de Aubry, na qual ela se autoproclama representante da “esquerda progressista e moderna”. Pela frase, Le Point avalia que a prefeita de Lille mereceria o prêmio de humor político do ano, já que a líder demonstra “ter parado nos anos 1980, com uma visão do mercado de trabalho que data de antes da globalização”. O texto ressalta que Aubry desconsidera inclusive os estudos feitos por economistas renomados da esquerda sobre os impactos da globalização no setor.

O texto cita o livro dos economistas Pierre Cahuc e André Zylberberg, “Desemprego: fatalidade ou necessidade?”. Na obra, os especialistas escrevem que o debate sobre a questão na França repousa há décadas “na concepção errônea de que os empregos poderiam ser eternos e que cada destruição de um posto de trabalho seria um evento anormal, dramático e que deveria ser evitado a qualquer preço”.

Rigidez do emprego leva empresas a contratar menos

Essa questão, na qual a reforma pretende mexer, se baseia no princípio de que quanto mais custoso e difícil for demitir, menos as empresas tenderão a fazê-lo e, consequentemente, menos desempregados terá a França. O cálculo “simplista”, na opinião da revista, ignora o fato de que, em um cenário tão protegido, as empresas terminam por contratar menos. A França detém o recorde de litígios envolvendo demissões – 25% dos casos vão parar na Justiça, dos quais 80% acabam em vitória do empregado.

Essa ideia, argumenta a reportagem, ignora a nova realidade do mercado de trabalho, constantemente em movimento e na qual “fecham-se 10 mil empregos em um dia, mas abrem-se outros 10 mil no dia seguinte”.

Le Point sustenta que, sob o argumento de socorrer os desempregados, a ala mais à esquerda do Partido Socialista apresenta “políticas petrificadas de boas intenções, cheias de falsos bom sensos e, principalmente, de posturas ideológicas para lutar contra o desemprego, que se mostram totalmente contraproducentes e apenas agravam o problema”. Outro exemplo disso, diz o texto, é o valor elevado do salário mínimo no país, de € 1.466, que acaba prejudicando a obtenção de um posto pelos trabalhadores menos qualificados.

“Esse sistema cria um mercado de trabalho em dois tempos, extremamente desigual: de um lado, as pessoas que conseguem um emprego fixo, protegido por inúmeras leis, sem prazo para acabar e com pouco incentivo à mobilidade, e, de outro, as que só conseguem empregos temporários, modalidade preferida pelas empresas para contornar a rigidez dos postos fixos”, constata a reportagem. Le Point ressalta que, entre todos os países que integram o G20, a França é o único que jamais conseguiu reduzir o índice de desemprego para menos de 7%.
 

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