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Macron aposta em defesa polêmica de Depardieu e diz que não vai retirar condecoração do ator

O chefe de Estado anunciou que não retiraria a Legião de Honra do ator sem uma condenação judicial e disse "detestar a cultura de cancelamento". Ele insistiu em respeitar a presunção de inocência e os procedimentos legais contra a estrela do cinema francês. A decisão contraria a fala da ministra da Cultura da França sobre a possível retirada da condecoração do ator Gérard Depardieu, que é alvo de duas denúncias de estupro e agressão sexual.

(COMBO) (FILES) Esta combinação de imagens criada em 20 de dezembro de 2023 mostra o presidente francês, Emmanuel Macron (esq.), no Palácio do Eliseu em Paris em 13 de dezembro de 2023 e o ator francês Gerard Depardieu em 6 de junho de 2013 em Nice, sudeste da França.
(COMBO) (FILES) Esta combinação de imagens criada em 20 de dezembro de 2023 mostra o presidente francês, Emmanuel Macron (esq.), no Palácio do Eliseu em Paris em 13 de dezembro de 2023 e o ator francês Gerard Depardieu em 6 de junho de 2013 em Nice, sudeste da França. AFP - LUDOVIC MARIN,VALERY HACHE
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A ministra da Cultura da França, Rima Abdul Malak, anunciou na sexta-feira que a Grande Chancelaria da Legião de Honra daria início a um "processo disciplinar" contra o ator Gérard Depardieu, que foi objeto de uma reportagem recente no programa Complément d'enquête, do canal France 2, no qual o astro do cinema francês fez uma série de comentários misóginos e insultantes sobre as mulheres, incluindo comentários obscenos sobre uma menina. "Nessa reportagem, a atitude dele tem a intenção de ser uma piada, uma provocação, mas [ele] é, na verdade, bastante desrespeitoso, indigno e uma vergonha para a França", disse Rima Abdul Malak.

Durante sua participação num programa de televisão em rede nacional na quarta-feira (20), o presidente Emmanuel Macron não foi muito gentil com sua ministra, dizendo com irritação que ela havia ido "um pouco longe demais" ao fazer o anúncio. Ele também afirmou que a Legião de Honra é uma condecoração que "não existe para moralizar". "Não quero me deixar levar por esse tipo de argumentação", "sempre haverá artistas transgressores", acrescentou o chefe de Estado.

"Não, não estamos orgulhosos dele [Gérard Depardieu], reagiu o ex-presidente francês François Hollande em resposta a seu sucessor, Emmanuel Macron. "Esperava-se que o presidente da República falasse sobre as mulheres, e não simplesmente dissesse que Gérard Depardieu é um grande ator", lamentou Hollande na rádio France Inter nesta quinta-feira (21). François Hollande insiste que não "fica orgulhoso" do ator "quando, ao olhar para uma jovem montada em um cavalo, ele a sexualiza", referindo-se às imagens transmitidas pelo programa de investigação jornalística "Complément d'enquête" no canal France 2.

Feministas francesas reagem

"Não é mais uma aberração, é um abismo escandaloso": a defesa de Emmanuel Macron de Gérard Depardieu reacendeu o antagonismo entre o chefe de Estado e as feministas francesas, cujas relações haviam se atenuado ligeiramente com a inclusão do aborto na Constituição.

Em uma entrevista no canal France 5 na noite de quarta-feira, Emmanuel Macron disse que era um "grande admirador" do ator, que é alvo de duas queixas na França por estupro e agressão sexual, e está sob investigação em um dos dois casos. Gérard Depardieu refuta essas acusações.

Os comentários do presidente "não são apenas escandalosos, mas perigosos, pois enviam um sinal de que as vítimas continuam a ser desacreditadas e suas palavras são pisoteadas impunemente", disse Maëlle Noir, da Coordenação Nacional do coletivo "Todos Nós". "É extremamente violento, um enorme retrocesso na postura política adotada contra a violência cometida contra as mulheres", completou.

Cultura do estupro

A mesma análise foi feita pela Women's Foundation, cuja presidente Anne-Cécile Mailfert criticou as convicções "masculinistas" de Emmanuel Macron e disse que "não tinha mais esperanças" ou "não tinha mais ilusões" sobre ele em relação às questões de direitos das mulheres.

"Estamos claramente em uma cultura do estupro, em um discurso que visa reverter a culpa: Gérard Depardieu não é mais o caçador, o predador, são as mulheres que estão caçando os homens, que os têm como alvo", afirmou.

"É ainda mais grave porque estamos falando do presidente da República, sua palavra compromete nosso país e tem um impacto real", disse ela. "Ele poderia ter dito que é intolerável falar sobre as mulheres dessa maneira, que a igualdade entre homens e mulheres está consagrada na Constituição, poderia ter deixado uma mensagem para as vítimas de Gérard Depardieu e para as mulheres em geral. Mas ele não o fez", argumentou Mailfert.

"Um passo à frente, cinco atrás"

A posição de Emmanuel Macron é um "padrão", de acordo com a presidente da Women's Foundation. Ela se lembra de seus comentários nos últimos anos, denunciando "uma sociedade de inquisição" e "a era do cancelamento", quando acusações de violência sexual foram feitas contra homens em posições de poder.

Essas tensões entre o chefe de Estado e as associações feministas puseram fim à relativa calma que prevalecia desde a apresentação, em meados de dezembro, de um projeto de lei constitucional destinado a consagrar a liberdade de recorrer ao aborto na Constituição.

Embora a redação escolhida - "liberdade" em vez de "direito" - não tenha agradado às ativistas feministas, elas a saudaram como um "símbolo poderoso", após a revogação desse direito nos Estados Unidos em 2022.

Contradição

Nesse contexto, a defesa que Emmanuel Macron fez de Gérard Depardieu é ainda pior, aponta Louise Delavier, da associação "En avant toute(s)". "Você usa tanta comunicação para falar sobre a defesa das mulheres e de seus direitos e, em seguida, defende escandalosamente alguém como Depardieu, o que cria uma dissonância cognitiva", diz ela. "É um caso de 'ao mesmo tempo', o que é lamentável nessas questões".

Quanto às declarações de Emmanuel Macron, na noite de quarta-feira, de que ele era "inatacável" na luta contra a violência contra as mulheres e na igualdade de gênero, principais causas de seu mandato de cinco anos, elas são "irrelevantes", acrescentou Louise Delavier.

Embora "muito tenha sido feito" desde 2017, diz a ativista feminista, "ainda há muito a ser feito: o número de feminicídios não está caindo, a violência continua a ser relatada todos os dias e os abrigos estão fechando, embora às vezes sejam os únicos em uma determinada área que podem oferecer segurança e acomodação às mulheres".

Suzy Rojtman, porta-voz do Collectif national pour les droits des femmes, também não esconde sua desilusão: "com o presidente, é um passo à frente, cinco passos atrás".

(Com AFP)

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